O primeiro-ministro diz que "em equipa que ganha não se mexe" e quer chegar ao fim da legislatura com o apoio do Bloco e do PCP. O ministro das Finanças pensa que o modelo "é uma receita exportável" para a UE. Afinal, o que tem o acordo político em Portugal que ao fim de um ano preserva este equilíbrio improvável? O Programa de Estabilidade 2017/2021 ajuda a perceber a grande negociação entre a esquerda e a UE.
Rendimentos a crescer como antes da crise
Um excedente primário sem precedentes
Catarina Martins
Jerónimo de Sousa
Jean-Claude Juncker
Mario Draghi
O que
querem
O que está previsto
Principais medidas
O que
querem
O que está previsto
Principais medidas
O acordo entre o PS, o Bloco de Esquerda e o PCP é claro nos objectivos: adoptar uma política económica centrada na valorização do rendimento dos trabalhadores e pensionistas, em detrimento da aposta do anterior governo na redução da tributação sobre as empresas e em ganhos de competitividade assentes em moderação salarial. Para PCP e Bloco de Esquerda, a consolidação orçamental e o respeito pelas regras europeias é tolerada na medida em que não ponha em causa directamente os rendimentos das famílias. Dito de outra forma, a redução do défice não pode implicar aumentos de impostos directos nem reduções salariais no Estado. Aliás, o objectivo é o contrário: Bloco de Esquerda e PCP contam que o Governo de António Costa aumente prestações sociais, reduza a carga fiscal - em particular a directa - e faça subir o salário mínimo.
Rendimentos a crescer como antes da crise
O governo vê o rendimentos disponível das famílias a crescer entre 3% e 4% ao ano entre 2016 e 2021, recuperando um ritmo que não era visto desde os anos que precederam a crise. Para isso, Mário Centeno e António Costa contam com várias dinâmicas, na economia e no Orçamento, com as quais querem garantir o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP, mesmo apesar da ambição orçamental inscrita no Programa de Estabilidade - que aponta para um excedente primário sem precedentes.

Por um lado, a recuperação do mercado de trabalho deverá acrescentar 60 mil empregos em 2017, e perto de 50 mil por ano nos anos seguintes, baixando a taxa de desemprego para 7,4% no final da década. Valores destes só no início do século, mostram os dados oficiais, e para tal a economia deverá voltar a crescer em torno dos 2% ao ano.

Além disso, os salários também subirão a um ritmo superior a 2% ao ano, ajudados pela recuperação do mercado de trabalho e por aumentos do salário mínimo e dos salários dos funcionários públicos. E se subida do salário mínimo - um dos temas mais sensíveis para a Comissão Europeia - não é referida no documento, já os funcionários do Estado podem contar com cerca de 250 milhões de euros anuais para financiar o descongelamento das carreiras nos próximos anos.

Finalmente, o Programa de Estabilidade mantém a aposta numa política fiscal que tende a aliviar a tributação sobre o rendimento (ainda que à custa dos impostos indirectos e taxas) e a garantir aumentos de pensões nos próximos anos. Nesta frente, o documento avança com 200 milhões de euros para uma medida de apoio ao rendimento dos mais desfavorecidos - o que antecipa um possível crédito fiscal. Uma hipótese que poderá ser enquadrada como um primeiro passo para um alteração faseada dos escalões de IRS que é desejada tanto por Bloco de Esquerda como por PCP. As pensões mais baixas também serão actualizadas pelo menos ao nível da inflação que ultrapassará 1,5% este ano.

O governo defende que "o Programa de Estabilidade 2017-2021 prossegue a estratégia apresentada em 2016 (...) [que aposta em] políticas de crescimento económico inclusivo, com coesão social e de consolidação sustentável das contas públicas". Já o ministro das Finanças entende que governo foi capaz de mostrar "uma alternativa às políticas praticadas até agora na Europa, demonstrando que os sacrifícios dão frutos", afirmou numa entrevista ao jornal italiano La Reppublica.
Medidas

Economia e Emprego a crescer
O Programa de Estabilidade vê a economia a crescer mais de 2% no final da década e o desemprego a baixar para valores do início do século.

Salário mínimo e salários a crescer
As remunerações na economia crescem acima de 3% todos os anos, beneficiando da criação de emprego, mas também de valorizações dos salários. As remunerações por trabalhador subirão mais de 2% ao ano, beneficiando da maior dinâmica do mercado de trabalho e de subidas no salário mínimo.

Mais pensões, menos IRS
As pensões deverão ser actualizadas pelo menos de acordo com a inflação. O Governo guarda ainda 200 milhões de euros para uma alívio do IRS sobre rendimentos mais baixos.

Descongelamento de carreiras
O descongelamento de carreiras dos funcionários públicos exige quase 300 milhões por ano.
Comissão Europeia e BCE lembram que Portugal se mantém numa situação económica e financeira precária: está muito endividado nas contas públicas e externas, tem uma estrutura produtiva pouco competitiva e uma má reputação orçamental e sofre com um sistema financeiro pouco rentável e com elevados níveis de malparado. Para as instituições europeias, Portugal deve apostar numa intensa redução do défice orçamental, que conduza a dívida pública para níveis mais seguros - um "stock" de dívida superior a 100% do PIB e necessidades de financiamento elevadas deixam o país sujeito aos humores dos mercados. Valorizações salariais excessivas que penalizem a competitividade internacional devem ser evitadas e a estabilização do sistema financeiro é urgente, defendem as instituições europeias que entendem ser esta a melhor estratégia para crescer e reduzir a dívida externa.
Um excedente primário sem precedentes


A Europa quer uma melhoria estrutural da economia e vai tê-la. Mas não da forma como tem defendido. Ou, pelo menos, não exactamente com as políticas que tem defendido. Esta é uma das mensagens do Governo para a Comissão Europeia.

No Programa de Estabilidade, o Executivo subscreve com as suas previsões os principais objectivos e recomendações que chegam de Bruxelas nos últimos anos: até 2021 os défices desaparecem, a dívida baixa, o saldo externo mantém-se positivo ajudando a cortar a dívida externa, e a recuperação do sector bancário é uma prioridade.

Segundo as contas do Governo, na frente orçamental Portugal registará nos próximos anos uma experiência semelhante à de Itália no final dos anos 1990, quando registou excedentes primários a caminho dos 5% do PIB - mesmo com uma economia a crescer menos de 2%. Este é o exercício exigente a que Mário Centeno se propõe, apostando em baixar apenas ligeiramente o peso da receita do Estado ao longo dos próximos anos (que assim crescerá apenas um pouco menos que a economia) e a travar o crescimento da despesa, cujo peso no PIB cairá para mínimos históricos. A seu favor, o governo conta com a recuperação da economia - entre crescimento real e inflação, o PIB crescerá mais de 3% ao ano - mas também com o contexto de forte aperto orçamental dos últimos anos, à luz do qual mesmo pequenos alívios da austeridade são valorizados.

Com este resultado, o peso da dívida pública na economia entrará numa rota descendente mais acelerada - de 130,4% em 2016 para 109,5% do PIB em 2021- o que "reforçará a confiança na economia nacional, baixando os custos de financiamento para apoiar o crescimento", lê-se no Programa de Estabilidade.

Mas não é só a dívida pública que baixa. A dívida externa, medida pela posição de investimento internacional, também recua quase 20 pontos entre 2016 e 2021, para o que contribuiu um excedente comercial face ao exterior em todos os anos. Este desempenho traduz ganhos de quota de mercado e de produtividade que o Governo confia que se manterão, no contexto de uma economia em recuperação e mais equilibrada. "A estabilização do sector financeiro, a consolidação das contas públicas e a implementação do Plano Nacional de Reformas constituem, assim, bases sólidas para um crescimento inclusivo que garante a convergência com a Europa", escreve o governo no documento que seguirá para análise em Bruxelas.
Medidas

Saldo primário sem precedentes
O excedente primário deverá aproximar dos 5% do PIB no final da década. O Executivo fá-lo reduzindo o peso da despesa para mínimos. Esta é a forma de garantir uma redução acelerada da dívida pública, que deverá chegar a 109% do PIB em 2021.

Redução das dívidas pública e externa
O Governo também vê a posição negativa de investimento internacional (o saldo entre activos e passivos face ao exterior) a reduzir o seu peso no PIB em cerca de 20 pontos até 2021. A dívida pública ajuda, mas o saldo comercial também.

Custos do trabalho em linha com UE
A aposta na política de rendimentos não deverá prejudicar a competitividade da economia. Os custos do trabalho por unidade produzida crescerão em linha com UE.

Estabilização do sector financeiro
Governo promete banca estabilizada em breve.