Opinião
A banca que se dizia moderna, mas que era arcaica
Gostava de acreditar em Paulo Macedo quando diz que o relatório final de auditoria aos maus créditos da Caixa é "substancialmente diferente" da versão preliminar. Mas não consigo. Isso significaria um desfecho "substancialmente diferente" deste filme e nós, que somos produtores deste filme, já sabemos como termina: o contribuinte morre no final.
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Perante os títulos de jornais sobre o relatório e a vaporização de seis mil milhões de euros do erário público desde 2002, a explicação mais imediata é, como sempre, a que fulaniza. A fulanização é útil até certo ponto. Permite responsabilizar gestores que em alguns casos continuam espalhados pelas administrações de bancos relevantes, como o Novo Banco e o BCP - é pouco provável que passem pelo crivo do Banco Central Europeu para futuros cargos de administração nos maiores bancos do país. Permite apurar eventuais responsabilidades criminais. E permite avaliar a conduta governativa de quem foi tutelando o banco público.
A tendência para focar em pessoas - gestores e políticos - não passou, de resto, ao lado de quem encomendou a auditoria e de quem a fez. É interessante que os auditores, pelo menos nesta versão preliminar, não isolem temporalmente as falhas graves e muitas vezes injustificadas de cada administração - os anos negros de Santos Ferreira e Vara por exemplo, surgem misturados com os de outras administrações, diluindo convenientemente as responsabilidades e os danos. Pode funcionar para o escrutínio do público, mas dificilmente resultará junto do BCE (ou da Justiça).
A auditoria do relatório da EY revela, contudo, muito mais do que a conduta de A ou de B: mostra a cultura de gestão arcaica que dominou a Caixa até há pouco tempo. Um banco cujo sistema de controlo de gestão é deficiente (impedindo um administrador de poder perceber facilmente o que se passa nas subsidárias, por exemplo), que não gere a carteira em função do rating dos clientes, que não estabelece níveis mínimos de colaterização dos créditos e que não sabe recuperar crédito - para dar apenas alguns exemplos do que leio e ouço sobre a CGD - revela enormes deficiências institucionais.
Este arcaísmo na gestão não é exclusivo do banco público. Basta olhar para os problemas no ex-BES e no BCP, bancos cujos problemas financeiros não ficaram aquém dos da Caixa. Durante anos ouvimos que esta banca portuguesa era um exemplo de inovação comercial, que os balcões eram melhores e mais bonitos, que a tecnologia era mais avançada do que lá fora. O que ficámos a saber com o choque da maior crise económica em democracia é que bom marketing e boa tecnologia não substituem o coração do negócio bancário: a gestão do risco.
A modernaça banca portuguesa, assessorada por consultoras de topo e gerida por senadores com peso no espaço público, era arcaica na gestão do risco. Este contexto institucional facilitou a má conduta e má gestão. A excepção esteve nos bancos geridos ou detidos pelos melhores bancos espanhóis: o Santander/Totta e o BPI.
É bom recordar isto da próxima vez que ouvirmos críticas estafadas à "invasão espanhola" na banca. Como é bom valorizar a evolução das regras europeias para a banca (o arcaísmo não é um exclusivo português) e a supervisão oriunda de Frankfurt - juntamente com a renovação geracional nos bancos é o que permite ter alguma esperança num futuro menos medíocre numa área crucial da economia.
Gráfico da semana
Mario Draghi afirmou ontem que todos os membros do conselho de governadores do BCE consideraram que a probabilidade de uma recessão na economia do euro é "baixa". A afirmação terá sem dúvida respaldo na análise aos fundamentais da economia e destina-se a tranquilizar os receios que se vão avolumando sobre a intensidade da viragem no ciclo económico. Mas o simples facto de pronunciar a palavra "recessão" - pela segunda vez em duas semanas - já ilustra como a "r word" entrou no radar dos investidores, dos políticos e, em menor grau, dos media. O ambiente está nitidamente a mudar, como ilustra o gráfico ao lado. Esta semana foi a Fitch a falar numa nova fase do ciclo económico para Portugal. Em Davos, com o chapéu de presidente do Eurogrupo, Mário Centeno admitiu que o abrandamento em curso pode durar "um pouco mais". Em Portugal pouca atenção se tem dado aos sinais de viragem. Por entre a anestesia geral, e em ano eleitoral, foi o Governo a tomar a iniciativa de mudar a narrativa sobre a economia. Adivinham-se tempos mais turbulentos.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico