Opinião
Cristina Casalinho
04 de Agosto de 2008 às 13:27
Vencer a longo prazo
Para Portugal, a contenção salarial deverá ser encarada como expediente temporário para auxiliar a ultrapassagem de uma conjuntura internacional adversa, não constituindo solução definitiva para o fraco crescimento. Este radica, sobretudo, na evolução lenta da produtividade total dos factores, e não essencialmente do factor trabalho.
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O Relatório Económico de Verão do Banco de Portugal reacendeu a discussão do défice externo. O saldo negativo da balança corrente perde relevância no espaço euro. Mas, continua a ser um sintoma preocupante. Segundo o marketing, Portugal tem um pacote de oferta, em termos de produto, preço e mercados, desadequado. Nem os portugueses querem comprá-lo. Numa linguagem económica: a economia nacional defronta um problema de competitividade.
Recentemente, tem emergido evidência de sucesso. Embora Portugal seja dos países mais expostos à concorrência intra-UE e dos mais penalizados pela competição com as economias emergentes, nos últimos dois anos, interrompeu-se a tendência de perda de quota de mercado internacional. Em paralelo, os custos unitários de trabalho têm-se expandido mais lentamente e a produtividade tem acelerado.
Relembre-se que a queda da quota de mercado respeita apenas a bens, pois, no que concerne a serviços, a quota portuguesa tem vindo a crescer sustentadamente. Ainda no que se refere à exportação de bens, registam-se progressos ao nível de conteúdos tecnológicos incorporados, bem como uma maior diversificação de produtos e de mercados de destino. Contudo, Portugal, à semelhança de Espanha, Itália, Grécia ou França, tem sido lento a reorientar actividades e exportações para mercados de crescimento rápido e aproveita pouco os benefícios do IDE e da deslocalização de produção 1.
O défice externo próximo dos 10% do PIB também é apanágio de Espanha e das economias bálticas. Ainda, recentemente, foram relembradas as soluções. Num artigo publicado em Fevereiro pelo FMI 2, enunciavam-se medidas para escapar ao fraco crescimento endémico lusitano. As propostas resumem-se ao seguinte: a política orçamental não deve tentar corrigir uma contracção da procura, porque o problema radica na procura externa e não na procura interna; facilitar a transição de produção e investimento de sectores não-transaccionáveis para transaccionáveis; e os salários devem ser flexíveis e livres para evoluir de acordo com a competitividade das empresas e condições de produtividade. A principal lição para governos e populações é a redução das expectativas de crescimento do rendimento e de projectos de investimento público em larga escala.
Destaque para a evolução modesta de rendimentos como solução para exportações e défice externo, sugestão defendida e aplicada em Portugal recentemente (sobretudo induzida pelo historicamente elevado desemprego, a despeito dos baixos salários). Não é uma mera sugestão, antes uma inevitabilidade da presente crise internacional, pois existe uma transferência de rendimentos entre países desenvolvidos e emergentes, devido à globalização e às últimas tensões energética e alimentar.
Como a recente experiência alemã demonstra com o ressurgimento exportador, a contenção salarial foi fundamental para proporcionar tempo ao sector empresarial para se reajustar às novas exigências de mercado. Porém, o sucesso posterior foi assegurado pelo aumento da eficiência empresarial e reformas. Para Portugal, a contenção salarial deverá ser encarada como expediente temporário para auxiliar a ultrapassagem de uma conjuntura internacional adversa, não constituindo solução definitiva para o fraco crescimento. Este radica, sobretudo, na evolução lenta da produtividade total dos factores, e não essencialmente do factor trabalho.
Analisando o andamento do PIB per capita português desde 1960, constata-se que existem duas grandes diferenças de base face às economias comparáveis europeias à partida: o reduzido nível de escolaridade da população; a baixa intensidade de utilização de capital. Historicamente, reconhece-se que os principais fenómenos de crescimento, da Revolução Industrial à emergência da China, decorrem de acréscimos de produtividade, indissociáveis de incremento da utilização de capital e da inovação. Ora, as despesas em investigação e desenvolvimento em Portugal são as mais baixas da área do euro (mas, em crescimento). E passou-se directamente de uma economia quase exclusivamente agrária para predominantemente de serviços, o que justificará a manutenção de baixa utilização de capital e produtividade. Para além de que as mais proeminentes derivas industriais e/ou empreendedoras foram, quase sempre, patrocinadas pelo Estado.
O desafio, que se impõe a Portugal e de que o défice externo é um sintoma visível, não encontra resposta definitiva na contenção salarial, mas apenas em acréscimo de produtividade, que exige inovação, investigação e desenvolvimento, boas condições de negócio, eficiência/maior concorrência nos serviços, empreendorismo, porque refazer a industrialização ou a História é pouco plausível.
1 "France, Greece, Italy, Portugal, and Spain - Competitiveness in the Southern Euro Area" IMF Country Report Nº 08/145, Abril 2008.
2 Rosenberg, Christoph.(2008) "Avoiding the Portuguese Trap", IMF.
Economista-chefe do Banco BPI
Recentemente, tem emergido evidência de sucesso. Embora Portugal seja dos países mais expostos à concorrência intra-UE e dos mais penalizados pela competição com as economias emergentes, nos últimos dois anos, interrompeu-se a tendência de perda de quota de mercado internacional. Em paralelo, os custos unitários de trabalho têm-se expandido mais lentamente e a produtividade tem acelerado.
O défice externo próximo dos 10% do PIB também é apanágio de Espanha e das economias bálticas. Ainda, recentemente, foram relembradas as soluções. Num artigo publicado em Fevereiro pelo FMI 2, enunciavam-se medidas para escapar ao fraco crescimento endémico lusitano. As propostas resumem-se ao seguinte: a política orçamental não deve tentar corrigir uma contracção da procura, porque o problema radica na procura externa e não na procura interna; facilitar a transição de produção e investimento de sectores não-transaccionáveis para transaccionáveis; e os salários devem ser flexíveis e livres para evoluir de acordo com a competitividade das empresas e condições de produtividade. A principal lição para governos e populações é a redução das expectativas de crescimento do rendimento e de projectos de investimento público em larga escala.
Destaque para a evolução modesta de rendimentos como solução para exportações e défice externo, sugestão defendida e aplicada em Portugal recentemente (sobretudo induzida pelo historicamente elevado desemprego, a despeito dos baixos salários). Não é uma mera sugestão, antes uma inevitabilidade da presente crise internacional, pois existe uma transferência de rendimentos entre países desenvolvidos e emergentes, devido à globalização e às últimas tensões energética e alimentar.
Como a recente experiência alemã demonstra com o ressurgimento exportador, a contenção salarial foi fundamental para proporcionar tempo ao sector empresarial para se reajustar às novas exigências de mercado. Porém, o sucesso posterior foi assegurado pelo aumento da eficiência empresarial e reformas. Para Portugal, a contenção salarial deverá ser encarada como expediente temporário para auxiliar a ultrapassagem de uma conjuntura internacional adversa, não constituindo solução definitiva para o fraco crescimento. Este radica, sobretudo, na evolução lenta da produtividade total dos factores, e não essencialmente do factor trabalho.
Analisando o andamento do PIB per capita português desde 1960, constata-se que existem duas grandes diferenças de base face às economias comparáveis europeias à partida: o reduzido nível de escolaridade da população; a baixa intensidade de utilização de capital. Historicamente, reconhece-se que os principais fenómenos de crescimento, da Revolução Industrial à emergência da China, decorrem de acréscimos de produtividade, indissociáveis de incremento da utilização de capital e da inovação. Ora, as despesas em investigação e desenvolvimento em Portugal são as mais baixas da área do euro (mas, em crescimento). E passou-se directamente de uma economia quase exclusivamente agrária para predominantemente de serviços, o que justificará a manutenção de baixa utilização de capital e produtividade. Para além de que as mais proeminentes derivas industriais e/ou empreendedoras foram, quase sempre, patrocinadas pelo Estado.
O desafio, que se impõe a Portugal e de que o défice externo é um sintoma visível, não encontra resposta definitiva na contenção salarial, mas apenas em acréscimo de produtividade, que exige inovação, investigação e desenvolvimento, boas condições de negócio, eficiência/maior concorrência nos serviços, empreendorismo, porque refazer a industrialização ou a História é pouco plausível.
1 "France, Greece, Italy, Portugal, and Spain - Competitiveness in the Southern Euro Area" IMF Country Report Nº 08/145, Abril 2008.
2 Rosenberg, Christoph.(2008) "Avoiding the Portuguese Trap", IMF.
Economista-chefe do Banco BPI
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