Opinião
Com o precedente da "mesada" perdeu-se a competência de criar riqueza
Fomos habituados culturalmente a orçamentar e a gastar as verbas elencadas nas diferentes rubricas porque "há um orçamento aprovado", sem que se reconheça a exacta medida do retorno esperado, nem a forma como esse retorno é medido ao longo do tempo.
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A crise que vivemos e a ausência de expectativas que dela resultam são uma consequência de um erro de planeamento e de orçamentos públicos e privados mal construídos, fruto de uma deficiente gestão política do CAPEX (Capital Expenditure ou investimento), e em cujo erro se persiste.
Os orçamentos eram e, infelizmente, uma grande maioria deles ainda são, incluindo o do próprio Estado português, elaborados numa base anual que se destinam a ser meros instrumentos de gestão de custos e de distribuição de verbas, sem qualquer estratégia relevante no lado da receita ou, se quiserem, da receita resultante dos investimentos. Pior ainda, com a crise, os orçamentos tornaram-se instrumentos de sobrevivência e, erradamente, o melhor ministro das Finanças ou o melhor gestor eram aqueles que mais custos conseguiam eliminar da "folha de cálculo". Pois bem, a realidade, bem retratada na carta de demissão de Vítor Gaspar, encarregou-se de nos mostrar quão errados estavam, e estão, esses magníficos gestores de custos.
Hoje, a ausência de expectativas permanece, tornando o problema não apenas meramente económico ou financeiro, mas, fundamentalmente, num problema de "processo", isto é, na forma como o futuro é perspectivado do ponto de vista orçamental.
Na prática, é preciso que os gestores passem a cumprir, com rigor, a mais elementar e nobre competência da gestão: criar riqueza. Para que isso possa acontecer, o primeiro passo é o de elaborarem os seus orçamentos justificando o proveito de cada cêntimo e elencando as prioridades com base no retorno do investimento das suas propostas, ou seja, da estimativa rigorosa de benefícios e valor gerado. Caso contrário, persiste-se no erro e constata-se, durante a contagem dos mortos e feridos, que afinal os desvios são colossais face às previsões apresentadas.
Neste contexto, deixo cinco recomendações à equipa que está a preparar o próximo Orçamento de Estado, mas também a todos os gestores que começam a preparar os seus orçamentos:
1. Não encapsular os projectos na auréola da "incontornabilidade política" tornando-os sagrados e inquestionáveis.
2. Não fazer do orçamento um mero jogo de pressupostos e cálculos complexos, para justificar os resultados desejados de antemão.
3. Dimensionar o orçamento através dos proveitos efectivos e não pelos desejos dos stakeholders.
4. Avaliar cada investimento no cenário conservador e não no cenário optimista onde todos os resultados esperados são fantásticos.
5. Adoptar a autocritíca e a coragem/capacidade de medir com verdade os resultados.
Fomos habituados culturalmente a orçamentar e a gastar as verbas elencadas nas diferentes rubricas porque "há um orçamento aprovado", sem que se reconheça a exacta medida do retorno esperado, nem a forma como esse retorno é medido ao longo do tempo. Isto é, descurando o princípio económico da geração de riqueza, o qual se baseia no processo de transformação dos activos que acrescentam valor.
Lógica que nos levou ao mau hábito do precedente da "mesada". Gastámos sem justificação e, no processo, perdemos a competência de nos focarmos na criação de riqueza.
CEO da Winning Management Consulting