Esta mulher merece o melhor diagnóstico possível, todo o apoio psicológico e toda a ajuda que lhe possam dar, mas também de ser responsabilizada na medida da sua culpa, o que só será possível num julgamento realizado num clima de serenidade e fora do olhar do público, na busca da pena certa que terá para a própria um efeito reabilitador.
Mas o que vemos, mais uma vez, é a tentação de procurar uma relação linear de causa-efeito, pressionando inclusivamente a própria a uma racionalização que ficará sempre longe do seu sofrimento e desorganização interior. Instintivamente, desejamos todos arrumar estas "histórias" chocantes com uma explicação simples, como terá compreendido a advogada que revelou um desabafo da cliente que previsivelmente conduziu a títulos como "Mãe de recém-nascido abandonado contou a sua tragédia: ‘Os homens pagavam-me mais por sexo sem proteção.’" Atribuem-se culpas, encontram-se bodes expiatórios, tanto melhores quando mais nos cooptam fora do "grupo de risco" e já está. Bem menos assustador do que a tomada de consciência das contradições e "loucuras" da vida mental dos humanos, dos contornos da doença mental, sobretudo quando toca o epicentro, a suposta naturalidade do amor incondicional das mães aos filhos. Infelizmente, o número de mães que matam recém-nascidos (e não só) não é tão pequeno como imaginamos, nem as suas motivações aparentes idênticas - segundo dados da PJ, divulgados pelo Público, entre 2005 e 2010 foram 31 os bebés a quem as próprias mães tiraram a vida, para lá daqueles que nunca serão descobertos, como poderia ter acontecido ao do ecoponto. Constatá-lo não tem, atenção, por objetivo minar a crença na bondade da humanidade, nem a qualidade das mães, mas antes privilegiar a coragem de ir mais fundo, para chegar mais perto de quem sofre.
2. O bebé. Tremo dos pés à cabeça quando oiço anunciar que a decisão acerca do futuro desta criança vai implicar um "processo moroso". Recordo as muitas crianças de carne e osso que conheci em instituições e que, apesar de abandonadas na maternidade ou numa idade muito precoce, ainda lá estavam cinco ou mais anos depois, privadas de uma família que possam chamar definitivamente sua, porque, não havia a coragem e a lucidez de reconhecer que o tempo das crianças não é o tempo dos adultos. Crime tanto mais grave quando há dezenas de candidatos a pais - já selecionados e prontos a acolhê-las.
Tremo, quando se procuram tranquilizar consciências com a ideia de que não há pressa porque esta criança fica entregue a uma "família de acolhimento", como se nos devêssemos alegrar que esteja a criar vínculos destinados a serem quebrados.
Indigna-me mais ainda, quando vejo crescer uma onda de apoio à família alargada desta mãe, que reivindica a "propriedade" do bebé. Que o faça parece-me mais do que natural, mas espero que quem decide tenha em conta que a única coisa que deve importar é exclusivamente aquilo que é melhor para a criança. Provavelmente até a adoção internacional, quando por aqui se divulgam nomes e apelidos, tornando a identificação tão fácil. Não se trata de castigar seja quem for, nem sequer a própria mãe, mas de permitir-lhe que cresça numa família e num lugar onde o pesadelo do passado não assombre todos os seus dias. Decididamente, o deslumbramento pela biologia não pode continuar a roubar o futuro a estas crianças que são, em si mesmas, a prova acabada de como estes laços podem, literalmente, ser de sangue.
Jornalista
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