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LxFactory

Nos escombros da velha indústria nacional nasceu um lugar único em Lisboa e no país. Que é também um modelo da nova economia emergente. Refiro a LxFactory em Alcântara.

 

Criada em 2007 engloba hoje cerca de 150 empresas, outros tantos pequenos negócios que operam no espaço do Cowork ou em partilha e inúmeras iniciativas pontuais. Conta com cerca de 20 restaurantes e muitas lojas.

 

Inaugurado no século XIX como Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense, o conjunto fabril foi sendo ocupado por outras indústrias até terminar na Gráfica Mirandela. Já nos primeiros anos deste século, com a saída da tipografia para fora de Lisboa, o terreno foi objeto de um projeto ambicioso. As famosas Torres de Siza Vieira, pequenos arranha-céus, mas suficientemente altos para a mentalidade tacanha. O projeto foi abandonado à espera do famoso plano de Alcântara. Como de planos estão as repartições cheias, os proprietários decidiram rentabilizar os edifícios alugando-os, inicialmente a preço reduzido, a artistas e outros criativos.

 

Esta história merece atenção. Estamos a falar de uma iniciativa privada e não da autarquia. Esse facto que tem aspetos negativos, precariedade da situação dos residentes e aumento dos valores de aluguer ditado pelo sucesso, o que aliás levou ao abandono da maioria dos artistas, tem contudo muitos outros bastante interessantes. Não é habitual uma empresa privada dedicar-se ao setor da criatividade, investindo naquilo que na verdade é uma incubadora de startups, muito antes das que agora têm surgido. Sobretudo, pela forma como foi feito. Escolha criteriosa dos residentes, privilegiando os que se dedicam às chamadas indústrias criativas, e uma quase total liberdade de instalação e iniciativa. Cada um ocupando os espaços à sua maneira e a seu gosto. A própria degradação dos edifícios foi assumida como marca do conjunto. Ou seja, investimento mínimo no edificado, concentração máxima nas atividades e promoção. Atitude contrária ao que é habitual quando a iniciativa é pública.

 

Em poucos anos, a LxFactory afirmou-se assim como um dos mais importantes polos de criatividade e inovação do país. E também como centro lúdico de Lisboa, com os seus restaurantes, concertos, exposições e eventos. O número de visitantes, muitos estrangeiros, não tem parado de aumentar, criando aliás algum problema de estacionamento.

 

Por tudo isto, a LxFactory tornou-se num exemplo a seguir. Existem aliás várias tentativas de replicar o modelo noutras cidades. Mas não basta copiar para ter sucesso. É preciso entender o mecanismo. Um espaço deste tipo não resulta sem um conjunto de fortes âncoras. A livraria Ler Devagar na LxFactory é uma das principais, dada a dinâmica que gera. Mas principalmente não resulta com a visão burocrática da administração pública. A liberdade é uma componente fundamental do modelo LxFactory.

 

As cidades procuram atrair gente e investimentos. Muitas, nos últimos anos, fizeram uma leitura ilusória das teses de Richard Florida sobre as cidades criativas. Certos autarcas imaginaram que bastaria o slogan para terem sucesso. O país encheu-se de "criatividade". Mas uma cidade não é criativa por decreto nem por logótipo. Só o é quando tem gente criativa em quantidade e qualidade. Ou seja, quando tem capacidade de atrair o talento, fator decisivo para a instalação das empresas da nova economia.

 

Isto não se consegue com os métodos convencionais de controlo, burocracias e regulamentos. Só a liberdade e a iniciativa permitem desenvolver as capacidades de cada um.

 

É por isso que a estratégia que tem sido seguida por muitas cidades não dá o resultado esperado. Pega-se num edifício qualquer, fazem-se obras caríssimas, e depois, mete-se lá gente tida pró criativa. O fiasco é inevitável. Porquê? Vem de cima, não vem de baixo.

 

Defendo, há muitos anos, a estratégia oposta. Um programa de cedência gratuita de imóveis vazios, sem condições, nem interferências, a grupos de jovens dispostos a montar os seus ateliers e os seus negócios. Então sim, teríamos muitas LxFactories a nascer pelo país. E não tenham medo do gratuito. A Internet está cheia e dá imenso dinheiro.

 

Artista Plástico

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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