Opinião
Um sistema político sem a "árvore das patacas"
Desde que Portugal pediu formalmente ajuda externa que o enfoque dos "media" e dos políticos nacionais tem sido nas consequências económicas desse acto.
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Infelizmente, o que quase nunca se menciona é o impacto que o pedido de ajuda externa poderá ter sobre o funcionamento da nossa democracia. De facto, este pedido configura um enfraquecimento muito importante para o Estado português, que poderá servir para fragilizar ulteriormente a relação dos eleitores com a política, e inclusivamente com consequências para a legitimidade do regime. Até aqui a Europa sempre serviu como "árvore das patacas", mas nos próximos anos vamos ter pela frente uma Europa castigadora e exigente. O sistema político consolidado à sombra dessa árvore vai ressentir-se e muito. E veremos como é que ele se consegue adaptar às novas realidades.
O impacto político vai sentir-se em primeiro lugar nas dificuldades de distribuição de bens públicos pelo Estado; em segundo lugar, na manutenção de condições de governabilidade; e em terceiro lugar nas perspectivas do PS e do PSD, os dois principais defensores da UE em Portugal.
Para percebermos a gravidade da situação política em que nos encontramos é preciso voltar atrás e ver a ajuda que uma UE benévola deu à democracia portuguesa. A partir de 1986, enquanto beneficiários líquido de fundos da UE, assistimos a uma melhoria nas políticas públicas, nomeadamente nas infraestruturas, na educação, na agricultura, nas condições de competitividade, nas reformas da Administração Pública, para mencionar alguns sectores apenas. Assim, para nós portugueses, a europeização sempre foi entendida como fundamental para o melhoramento dos "outputs" do regime democrático medidos em termos de indicadores sociais e económicos.
Depois, a adesão à UE levou a que o próprio Estado nacional, e em especial o Governo como seu máximo representante na UE, saíssem reforçados deste processo, dada a sua eficiência geral ser percepcionada como mais elevada, especialmente em comparação com a primeira década da democracia. Portanto, a cedência de alguma soberania "de jure" foi largamente compensada por um acréscimo de poder fáctico para o Estado.
Essas novas oportunidades que se abriram para o Estado nacional em geral e para o Governo em particular a partir de 1986 terão sido um factor importante no recentramento das escolhas do eleitorado. Os benefícios económicos percepcionados pelo eleitorado vindos da UE no final dos anos oitenta, juntamente com a relativa prosperidade económica que se fazia sentir levou a um consenso de que a agenda dos pequenos partidos estava desactualizada. Por outro lado, a governabilidade parecia ter-se tornado um objectivo pelo qual valia a pena votar ao centro, já que a estabilidade governativa permitia melhor coordenação dos objectivos de políticas, e via-se nesse período os resultados positivos desse empenho e desse investimento.
Iniciou-se então um círculo virtuoso em que a capacidade de performance acrescida do Estado, junto com uma conjuntura externa favorável, ajudou à consolidação da democracia.
Na última década, pois, temos vindo a assistir a um desmanchar de todos estes factores positivos. A crescente crise económica levou à deterioração das condições políticas, à diminuição da durabilidade dos governos e crescente desconfiança e descrença na política e nos políticos hoje. Julgo que parte importante desta idiosincracia portuguesa reside no facto de, tanto o PS como o PSD, sempre se terem apresentado aos portugueses como capazes de assegurar convergência económica e social com a Europa. Prometeram a transformação de uma sociedade muito desigual numa grande classe média. É nos escombros desse fracasso que agora vamos receber a delegação do FMI e a Comissão Europeia no Aeroporto da Portela, que trazem na bagagem ainda mais austeridade. Veremos se os políticos têm capacidade para se adaptarem a esta mudança, exibindo capacidade de coordenação, para juntos responderem a estes desafios.
A julgar pelas declarações dos últimos dias, dificilmente será assim.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
O impacto político vai sentir-se em primeiro lugar nas dificuldades de distribuição de bens públicos pelo Estado; em segundo lugar, na manutenção de condições de governabilidade; e em terceiro lugar nas perspectivas do PS e do PSD, os dois principais defensores da UE em Portugal.
Depois, a adesão à UE levou a que o próprio Estado nacional, e em especial o Governo como seu máximo representante na UE, saíssem reforçados deste processo, dada a sua eficiência geral ser percepcionada como mais elevada, especialmente em comparação com a primeira década da democracia. Portanto, a cedência de alguma soberania "de jure" foi largamente compensada por um acréscimo de poder fáctico para o Estado.
Essas novas oportunidades que se abriram para o Estado nacional em geral e para o Governo em particular a partir de 1986 terão sido um factor importante no recentramento das escolhas do eleitorado. Os benefícios económicos percepcionados pelo eleitorado vindos da UE no final dos anos oitenta, juntamente com a relativa prosperidade económica que se fazia sentir levou a um consenso de que a agenda dos pequenos partidos estava desactualizada. Por outro lado, a governabilidade parecia ter-se tornado um objectivo pelo qual valia a pena votar ao centro, já que a estabilidade governativa permitia melhor coordenação dos objectivos de políticas, e via-se nesse período os resultados positivos desse empenho e desse investimento.
Iniciou-se então um círculo virtuoso em que a capacidade de performance acrescida do Estado, junto com uma conjuntura externa favorável, ajudou à consolidação da democracia.
Na última década, pois, temos vindo a assistir a um desmanchar de todos estes factores positivos. A crescente crise económica levou à deterioração das condições políticas, à diminuição da durabilidade dos governos e crescente desconfiança e descrença na política e nos políticos hoje. Julgo que parte importante desta idiosincracia portuguesa reside no facto de, tanto o PS como o PSD, sempre se terem apresentado aos portugueses como capazes de assegurar convergência económica e social com a Europa. Prometeram a transformação de uma sociedade muito desigual numa grande classe média. É nos escombros desse fracasso que agora vamos receber a delegação do FMI e a Comissão Europeia no Aeroporto da Portela, que trazem na bagagem ainda mais austeridade. Veremos se os políticos têm capacidade para se adaptarem a esta mudança, exibindo capacidade de coordenação, para juntos responderem a estes desafios.
A julgar pelas declarações dos últimos dias, dificilmente será assim.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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