Opinião
A inesperada surpresa de João Proença
João Proença apareceu nas televisões, um pouco espavorido. Demonstrou especial indignação pelo facto de o Governo não estar a cumprir o acordo tripartido.
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João Proença apareceu nas televisões, um pouco espavorido. Demonstrou especial indignação pelo facto de o Governo não estar a cumprir o acordo tripartido. Proença não deveria espantar-se. É um dirigente sindical cheio de experiência e sabe muito bem, por anteriores exemplos, que tanto os Governos como o patronato são relapsos em assumir os seus compromissos. Ameaçou, o atrapalhado Proença, de romper o tratado. Não adianta nem atrasa. O documento já fora rasgado. E Passos Coelho, em Londres, minimizou a angústia do chefe da UGT, afirmando que se tratava de uma birra momentânea, talvez justificada pela aproximação do 1.º de Maio. A humilhação foi completa.
Claro que o compromisso assinado na Concertação Social vale o que vale, e, na verdade, vale muito pouco. Os patrões, pelo rosto e pela expressão de António Saraiva, também começam a dar pequenos sinais de preocupação. As coisas não estão a correr como desejavam, e, a tomar em conta o número de desempregados, o encerramento em massa de pequenas e médias empresas, o bloqueio político dos governantes que não sabem o que fazer, as cada dez mais tenebrosas ameaças de hecatombe, o patronato admite estar ante uma visão fantasmagórica do futuro. Sem trabalhadores não há lucro, sem empresas não há troca, sem consumo não há economia.
A tão falada "mudança de paradigma" está a arruinar as nações, a destruir o ânimo do ser humano e a preparar a humanidade para um confronto de consequências imprevisíveis. O homem foi transformado em matéria-prima para fabricação do lucro, na continuidade da ideologia do empobrecimento geral para melhor expressão de domínio. Os laços de solidariedade estão a romper-se, e o ataque aos sindicatos e às federações de trabalhadores faz parte dessa estratégia - de que, infelizmente, a UGT é um elo prestável e obediente.
As últimas modalidades da "globalização" degradam, acentuadamente, o assalariado, impelido a formas de servidão que julgávamos arredadas para o lixo da História. Quando observamos, levemente que seja, a sociedade portuguesa nos últimos nove meses, deparamos com a prossecução de um projecto político aterrador. Claro que há uma atabalhoada incompetência na gestão da coisa pública; mas, na base, eles sabem muito bem o que estão a fazer. O problema é que não prevêem o resultado imediato, o que torna as evidências muito mais cruéis e desumanas.
Se este Governo prosseguir na intenção, que restará da sociedade portuguesa dentro de pouco tempo? A tese, absurda e abstrusa, defendida por Pedro Passos Coelho, de que, quando batermos no fundo (quando batermos?, não batemos já?) reerguer-nos-emos, é negada pelo que historicamente tem sucedido, e de que a Grécia é o último e lamentável exemplo.
Entre as fatalidades de que, todos os dias, temos notícia, a entrega de vinte e cinco apartamentos por dia às instituições bancárias denota parte da penitência que estamos a sofrer. A família, na sua tradicional realidade, é destruída com implacável displicência; cinco mil jovens, por indisponibilidade financeira e outras, abandonam os estudos superiores; a classe operária é atingida por abomináveis depredações; e o Presidente da República anda por aí, muito contente, dizendo alguns solenes disparates.
Perdeu-se o sentido da responsabilidade individual e do respeito pelo outro, nas suas contingências e necessidades. A ética foi substituída por um amálgama de interesses, que conseguiu destruir os nossos instintos solidários. A Europa perdeu a moral e não a sabe mudar por nenhuma outro coerência espiritual. As pessoas que nos dirigem são extremamente medíocres, sem grandeza nem prospectiva. Até que ponto poderemos aguentar esta avalanche?
A poesia de Liberto Cruz
Liberto Cruz, um dos nossos mais esclarecidos intelectuais, que tem dedicado a vida à crítica, à biografia, ao ensaio e à poesia, acaba de publicar "Poesia Reunida - 1956 - 2011", um regalo para quem ama o sentido criador e inovador. Este homem discreto e modesto, estudioso e livre, procede a uma espécie de levantamento ético e estético de uma vida consagrada à liberdade, à humanidade e à procura incansável de uma verdade para o conhecimento e fruição da qual ele não desiste. Liberto Cruz é um escritor comprometido, no sentido mais nobre da expressão, e a simples leitura de qualquer dos seus poemas no-lo demonstra. Foi adido cultural em Paris, desenvolvendo uma actividade extremamente meritória, e ainda hoje está por esclarecer, as razões (diz-se que políticas) por que foi substituído naquelas funções. A reunião dos seus poemas devolve-nos, na sua grandeza, um homem incomum pela verticalidade de espírito, e um poeta pessoalíssimo. A ler ou a revisitar, com atenta curiosidade.
b.bastos@netcabo.pt
Claro que o compromisso assinado na Concertação Social vale o que vale, e, na verdade, vale muito pouco. Os patrões, pelo rosto e pela expressão de António Saraiva, também começam a dar pequenos sinais de preocupação. As coisas não estão a correr como desejavam, e, a tomar em conta o número de desempregados, o encerramento em massa de pequenas e médias empresas, o bloqueio político dos governantes que não sabem o que fazer, as cada dez mais tenebrosas ameaças de hecatombe, o patronato admite estar ante uma visão fantasmagórica do futuro. Sem trabalhadores não há lucro, sem empresas não há troca, sem consumo não há economia.
As últimas modalidades da "globalização" degradam, acentuadamente, o assalariado, impelido a formas de servidão que julgávamos arredadas para o lixo da História. Quando observamos, levemente que seja, a sociedade portuguesa nos últimos nove meses, deparamos com a prossecução de um projecto político aterrador. Claro que há uma atabalhoada incompetência na gestão da coisa pública; mas, na base, eles sabem muito bem o que estão a fazer. O problema é que não prevêem o resultado imediato, o que torna as evidências muito mais cruéis e desumanas.
Se este Governo prosseguir na intenção, que restará da sociedade portuguesa dentro de pouco tempo? A tese, absurda e abstrusa, defendida por Pedro Passos Coelho, de que, quando batermos no fundo (quando batermos?, não batemos já?) reerguer-nos-emos, é negada pelo que historicamente tem sucedido, e de que a Grécia é o último e lamentável exemplo.
Entre as fatalidades de que, todos os dias, temos notícia, a entrega de vinte e cinco apartamentos por dia às instituições bancárias denota parte da penitência que estamos a sofrer. A família, na sua tradicional realidade, é destruída com implacável displicência; cinco mil jovens, por indisponibilidade financeira e outras, abandonam os estudos superiores; a classe operária é atingida por abomináveis depredações; e o Presidente da República anda por aí, muito contente, dizendo alguns solenes disparates.
Perdeu-se o sentido da responsabilidade individual e do respeito pelo outro, nas suas contingências e necessidades. A ética foi substituída por um amálgama de interesses, que conseguiu destruir os nossos instintos solidários. A Europa perdeu a moral e não a sabe mudar por nenhuma outro coerência espiritual. As pessoas que nos dirigem são extremamente medíocres, sem grandeza nem prospectiva. Até que ponto poderemos aguentar esta avalanche?
A poesia de Liberto Cruz
Liberto Cruz, um dos nossos mais esclarecidos intelectuais, que tem dedicado a vida à crítica, à biografia, ao ensaio e à poesia, acaba de publicar "Poesia Reunida - 1956 - 2011", um regalo para quem ama o sentido criador e inovador. Este homem discreto e modesto, estudioso e livre, procede a uma espécie de levantamento ético e estético de uma vida consagrada à liberdade, à humanidade e à procura incansável de uma verdade para o conhecimento e fruição da qual ele não desiste. Liberto Cruz é um escritor comprometido, no sentido mais nobre da expressão, e a simples leitura de qualquer dos seus poemas no-lo demonstra. Foi adido cultural em Paris, desenvolvendo uma actividade extremamente meritória, e ainda hoje está por esclarecer, as razões (diz-se que políticas) por que foi substituído naquelas funções. A reunião dos seus poemas devolve-nos, na sua grandeza, um homem incomum pela verticalidade de espírito, e um poeta pessoalíssimo. A ler ou a revisitar, com atenta curiosidade.
b.bastos@netcabo.pt
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