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Simon Johnson 14 de Abril de 2011 às 11:31

A via para a crise orçamental

Tornou-se moda entre os “insiders” de Washington – tanto democratas como republicanos – levantarem as mãos e dizerem: estamos perante uma enorme crise orçamental nos Estados Unidos

Tornou-se moda entre os “insiders” de Washington – tanto democratas como republicanos – levantarem as mãos e dizerem: estamos perante uma enorme crise orçamental nos Estados Unidos, particularmente numa altura em que os custos com os cuidados de saúde aumentam o encargo orçamental de programas como a Medicare e a Medicaid [programas federais que fornecem seguros de saúde e que são dirigidos, respectivamente, à população idosa ou incapacitada e às famílias desfavorecidas cujos rendimentos se situem no limiar da pobreza.]. Mas depois são precisamente os mesmos indivíduos que costumam sorrir e sublinhar ue os investidores de outras regiões do mundo continuam a querer emprestar grandes quantias de dinheiro aos Estados Unidos, mantendo as taxas de juro de longo prazo em níveis baixos e permitindo que o país continue a ter de lidar com enormes défices no futuro previsível.

Esta perspectiva apresenta sérias falhas. Implica que os Estados Unidos possam ir evitando o problema enquanto o dólar se mantiver como a moeda de reserva preponderante a nível mundial e que a América constitui o paraíso fiscal mais seguro para os inconstantes detentores de capital. Em 2015, de acordo com esta lógica, os políticos norte-americanos nada terão feito para subir os impostos e pouco terão feito no sentido de reduzir a despesa pública, pelo que os EUA continuarão a apresentar um défice orçamental em torno de um bilião de dólares e estaremos a financiar parte desse défice através da venda de dívida pública ao estrangeiro. Em 2050, existirá, sem margem para dúvidas, um problema orçamental – mas claro que todos acham que dispõem ainda de bastante tempo para o ignorar.

Esta lógica, sustentada pela clara intenção da Reserva Federal (Fed) de manter todas as taxas de juro em níveis baixos, sugere que os juros de referência dos Estados Unidos – como, por exemplo, os juros sobre as Obrigações do Tesouro a 10 anos – permanecerão abaixo de 4% (e talvez até abaixo de 3,5%) no curto prazo. Esta semana, os juros pagos sobre as OT a 10 anos foram de cerca de 3,2%, o que é um patamar bastante baixo se tivermos em conta os padrões históricos. Se o “Washington Fiscal Consensus” [Consenso de Washington] se revelar correcto, quando os juros de referência acabarem por subir, isso acontecerá de forma lenta.

Mas este consenso falha numa questão importante: o sector financeiro nos Estados Unidos e no resto do mundo tornou-se muito mais instável nas últimas décadas e não há nada, em qualquer um dos esforços realizados desde o quase colapso em 2008, que o torne mais seguro.

Há quem fale de “risco sistémico”, como se fosse intrínseco ao sistema financeiro. Mas a moderna história financeira, incluindo a dos mercados emergentes, dá-nos fortes indicações em contrário. Quando os bancos e outras instituições financeiras ficam em apuros, as perdas do sector privado são transferidas – explícita ou implicitamente – para o balanço do governo. Sistemas financeiros perigosos colocam enormes riscos orçamentais.

Entre as três individualidades que mais claramente se pronunciaram sobre este problema, duas delas presidem a bancos centrais de referência a nível mundial. Antes de Ben Bernanke se ter tornado presidente da Reserva Federal, era apropriadamente reconhecido pelo seu trabalho académico sobre a Grande Depressão, que revelou que, quando estão criadas as condições certas (ou erradas), o sector financeiro pode actuar como uma espécie de acelerador dos desenvolvimentos na economia real (não-financeira). Os esforços da Fed, nos últimos três anos, no sentido de estabilizar os bancos e outros segmentos do sector financeiro foram, sem dúvida alguma, fortemente motivados por esta perspectiva.

Anat Admati, que é professora na Graduate School of Business da Universidade de Stanford, focaliza-se no capital bancário – mais especificamente, nos incentivos de que os bancos dispõem para financiarem as suas actividades com recurso a uma elevada alavancagem: pouco património líquido e muita dívida. Na minha opinião, esta professora tem a mais importante página de internet dos dias de hoje (http://www.gsb.stanford.edu/news/research/admati.etal.mediamentions.html), que contém investigação original feita por ela própria, por Peter deMarzo, por Martin Hellwig e por Paul Pfleiderer, bem como as suas muitas intervenções no debate sobre medidas políticas.

A perspectiva de Anat Admati e dos seus colaboradores é simples e bastante convincente. O elevado endividamento permite que os banqueiros ganhem mais dinheiro, mas pode facilmente tornar-se excessivo para os accionistas – porque deixa os bancos mais vulneráveis à derrocada – e é terrível para os contribuintes e para todos os cidadãos, uma vez que estes se deparam com enormes custos derivados do período de contracção da economia. Nos Estados Unidos, estes custos incluem mais de oito milhões de postos de trabalho perdidos desde 2007, o aumento da dívida pública em percentagem do PIB para cerca de 40% (sobretudo devido à perda de receitas fiscais) e muito mais.

Mervyn King - um ex-académico que é actualmente o governador do Banco de Inglaterra - e os seus colegas encontraram uma expressão bastante incisiva para o cocktail tóxico que daí resulta: “doom loop” [espirais catastróficas: ciclos de expansão, bancarrotas e resgates financeiros de urgência]. A ideia é que, de cada vez que o sistema financeiro está em dificuldades, recebe uma elevada dose de apoio por parte dos bancos centrais e dos orçamentos governamentais. Isto limita as perdas para os accionistas e protege praticamente todos os credores.

Consequentemente, os bancos vêem-se com incentivos ainda mais fortes, no sentido de voltarem a pedir crédito (conforme argumenta Admati), e à medida que os crescentes preços dos activos revitalizam a economia na fase de retoma, os bancos ficam com a possibilidade de contraírem ainda mais empréstimos (conforme Bernanke sabe). Mas o que realmente contribui para este cenário é a tomada de mais riscos, uma actividade pouco regulada e pouco supervisionada – e que é alvo de uma fraca atenção governativa eficaz dentro dos próprios bancos (uma vez mais, Anat Admati explica por que motivo é que os executivos da banca gostam que as coisas sejam desta maneira).

A perspectiva Bernanke-Admati-King demonstra que o Consenso de Washington tem sérias deficiências. A economia norte-americana e global irá recuperar, com toda a certeza. No entanto, essa retoma constituirá apenas mais uma fase do ciclo de expansão-estoiro da bolha-resgate.

Os bancos demasiado grandes para falir nos Estados Unidos estão bem lançados no sentido de se tornarem demasiado grandes para salvar. Esse ponto será atingido quando o resgate dos grandes bancos, a protecção dos seus credores e a estabilização da economia mergulharem o governo norte-americano de tal forma num mar de dívidas que a sua própria solvência será posta em questão, as taxas de juro subirão drasticamente e assistir-se-á a uma crise orçamental.

Por outras palavras, esta “espiral catastrófica” nada tem, na verdade de espiral. Ela acabará por ter uma cauda, tal como aconteceu – só para dar alguns exemplos – com a Islândia, a Irlanda e a Grécia.





Simon Johnson, que foi economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), é co-fundador de um blog de relevo na área da economia, http://BaselineScenario.com, é professor na MIT Sloan e membro do Peterson Institute for International Economics. O seu livro, intitulado “13 Bankers” e escrito em co-autoria com James Kwak, está já disponível em versão capa mole.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org




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