Opinião
Adeus petróleo barato
E se o aumento dos preços do petróleo tem mais de estrutural do que de conjuntural? É esta a ideia que começa a fazer caminho e a ser sustentada por analistas, para explicar a alta prolongada das cotações do ouro negro, como pode ler nas páginas seguintes
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É certo que temos a incógnita do Iraque, a crise da Yukos e as regulares ameaças terroristas (umas serão reais; outras parecem intoxicação e manipulação pré-eleitoral do inquilino da Casa Branca).
Todas juntas, estas perturbações explicarão alguma alta de preços. Mas chegarão para justificar a duplicação de valor em cerca de três anos?
A teoria do movimento especulativo começa a ser derrotada pela da incapacidade produtiva.
Nas últimas décadas, os principais produtores de petróleo não fizeram os investimentos necessários para renovar e aumentar a capacidade de extracção do produto. E o mundo não parou de aumentar a procura.
Além do constante e regular aumento do consumo de combustíveis por parte dos países desenvolvidos, assistimos nos últimos anos ao acordar económico de dois gigantes: a China e a Índia.
E o crescimento económico faz aumentar a procura de combustíveis, sobretudo na fase de desenvolvimento em que se encontram aquelas economias. É fácil entender que as preocupações que levam as sociedades a apostar energias alternativas são, naqueles países, um «luxo» ainda distante no tempo.
Dois números: na China, o consumo de petróleo duplicou entre 1992 e 2002 e a importação de automóveis aumentou 30% nos primeiros cinco meses deste ano.
Temos então um forte e constante aumento global da procura. E do lado da oferta, mesmo assumindo que há vontade política dos produtores para responder, começa a ser gritante o estrangulamento na capacidade de extracção. E esta não se adquire em pouco tempo. É cara, demorada e pouco aliciante para quem enriquece com o actual estado de coisas.
A mensagem que os analistas começam a passar é que temos que tirar da ideia o regresso do petróleo a valores abaixo dos 20 dólares, o patamar em que esteve em meados dos anos 90. E mesmo as cotações à volta dos 30 dólares parecem afastadas durante bastante tempo, se é que alguma vez lá voltarão.
Estamos condenados a pagar o petróleo caro e durante muito tempo. Com ou sem terrorismo. Com ou sem instabilidade no coração da produção, o Médio Oriente.
Para Portugal esta notícia é pior do que para a generalidade dos países consumidores na Europa, dada a maior dependência dessa fonte de energia.
Em boa hora se fez a liberalização dos preços dos combustíveis, cujo funcionamento transparente tem que ser vigiado. É sempre melhor que a factura seja paga por quem consome, para que o mercado funcione e possa provocar algum arrefecimento da procura.
Ceder agora à tentação populista de amortecer preços artificialmente seria um erro clamoroso. Este é o tempo de racionalizar o consumo e pensar a longo prazo, investindo a sério em energias alternativas.