Opinião
O regime de IVA de caixa (II)
Na sequência do nosso anterior artigo, numa altura em que o diploma ainda não tinha sido publicado e não se conheciam ainda todos os contornos, voltamos a abordar este tema após a publicação do Decreto-Lei n.º 71/2013, de 30 de Maio.
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O IVA é um imposto harmonizado ao nível comunitário, sendo regulado pela Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006. Muitas das normas do IVA introduzidas a nível nacional têm de se submeter ao escrutínio desta Diretiva, sendo impostas multas em processos do Tribunal de Justiça das Comunidades, quando exista violação de normas.
O artigo 63.º da Diretiva do IVA consagra a simultaneidade entre facto gerador e exigibilidade do imposto. Assim, regra geral, os sujeitos passivos estão obrigados e entregar o IVA nos cofres do Estado a partir do momento em que as transmissões dos bens ou as prestações de serviços tenham lugar.
O facto gerador ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que o bem é colocado à disposição do adquirente ou a prestação de serviços é concluída.
O artigo 66.º da Diretiva do IVA prevê que os Estados membros, em derrogação à regra geral, possam prever que, "em relação a certas operações ou a certas categorias de sujeitos passivos, que o imposto se torne exigível num dos momentos seguintes:
a) O mais tardar, no momento da emissão da fatura;
b) O mais tardar, no momento em que o pagamento é recebido;
c) Nos casos em que a fatura não seja emitida ou seja emitida tardiamente, dentro de um prazo fixado nunca posterior ao termo do prazo para a emissão de faturas fixado pelos Estados membros ou, se esse prazo não tiver sido fixado pelo Estado membro, dentro de um prazo fixado a contar da data do facto gerador."
Contudo, a derrogação prevista no primeiro parágrafo não é aplicável às prestações de serviços em relação às quais o imposto seja devido pelo destinatário de serviços (autoliquidação).
E foi com base nesta norma da Diretiva que o Governo legislou o regime do IVA de caixa, para entrar em vigor a 1 de outubro de 2013, tendo como objetivo atenuar o impacto financeiro negativo na tesouraria das empresas das cobranças duvidosas e do alargamento dos prazos de recebimento de clientes.
Refira-se que o novo diploma revogou os três regimes de IVA de caixa que estavam em vigor para as empreitadas públicas, para as entregas nas cooperativas agrícolas e para os transportadores rodoviários de mercadorias.
Estamos perante um regime de IVA caixa que pode ser aplicado por opção de todos os sujeitos passivos de IVA que não tenham atingido no ano civil anterior um volume de negócios, para efeitos de IVA, superior a 500 mil euros, não exerçam exclusivamente uma atividade prevista no artigo 9.º e não estejam abrangidos pelo regime de isenção constante no artigo 53.º ou pelo regime dos pequenos retalhistas previsto no artigo 60.º, todos do Código do IVA.
A exigibilidade do imposto
Neste regime, o IVA torna-se exigível no momento do recebimento total ou parcial do preço, pelo montante recebido. O imposto torna-se, ainda, exigível quando o recebimento total ou parcial do preço preceda o momento da realização das operações tributáveis.
No entanto, o imposto incluído em faturas relativamente às quais ainda não ocorreu o recebimento total ou parcial do preço é exigível:
a) No 12.º mês posterior à data de emissão da fatura, no período de imposto correspondente ao fim do prazo;
b) No período seguinte à comunicação de cessação da inscrição no regime;
c) No período correspondente à entrega da declaração de cessação da atividade a que se refere o artigo 33.º do Código do IVA, nos casos previstos no artigo 34.º do mesmo diploma.
O direito à dedução
Os sujeitos passivos que optarem por este regime só podem deduzir o imposto que suportam nas suas aquisições desde que tenham na sua posse fatura-recibo ou recibo comprovativo de pagamento emitido de acordo com os requisitos previstos.
Contudo, o imposto é considerado dedutível no 12.º mês posterior à data de emissão da fatura sempre que o pagamento desta, e a consequente dedução do imposto, não tenha ocorrido em momento anterior, bem como nas situações b) e c) acima referidas.
A dedução deve ser efetuada na declaração do período ou do período seguinte àquele em que se tiver verificado a receção da fatura-recibo ou recibo comprovativo de pagamento emitido de acordo com os requisitos legais ou o decurso do prazo de 12 meses.
Prazos
Os sujeitos passivos que reúnam as condições para optar pelo regime de IVA de caixa podem exercer essa opção como norma transitória até ao dia 30 de setembro de 2013.
Quando a norma estiver já em aplicação podem exercer a opção pelo regime de IVA de caixa mediante comunicação por via eletrónica à Autoridade Tributária e Aduaneira, no Portal das Finanças, até 31 de outubro de cada ano, sendo obrigados a nele permanecer durante um período de, pelo menos, dois anos civis consecutivos.
No caso de reingresso no regime geral de exigibilidade do imposto, os sujeitos passivos são igualmente obrigados a permanecer neste regime durante um período de, pelo menos, dois anos civis consecutivos.
As opções produzem efeitos nos seguintes termos:
a) A opção pelo regime de IVA de caixa produz efeitos no mês de janeiro do ano seguinte ao da comunicação;
b) A comunicação de reingresso no regime geral é feita a todo o tempo e produz efeitos no período de imposto seguinte ao da comunicação.
Questão por esclarecer
Efetuado este enquadramento genérico da norma do regime do IVA de caixa que entrará em vigor no próximo dia 1 de outubro, gostaríamos de salientar uma questão que, a nosso ver, não se encontra clara na redação do diploma. Trata-se do direito à dedução do imposto que incida sobre as transmissões de bens ou as prestações de serviços efetuadas aos adquirentes de sujeitos passivos enquadrados no regime do IVA de caixa.
Podem estes adquirentes enquadrados no regime geral exercer o direito à dedução quando efetuam aquisições a transmitentes ou prestadores de serviços enquadrados no regime de caixa?
Refira-se que nos três regimes de IVA de caixa revogados, o imposto que incidia sobre estas operações só era dedutível no pagamento, ou seja, os clientes dos sujeitos passivos enquadrados nestes regimes só podiam deduzir quando pagassem.
Pela leitura da redação do diploma agora publicado somos levados a concluir que sim, mas esbarra com o artigo 167.º da Diretiva que impõe que o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.
Por seu turno, a redação do artigo 167.º - A da Diretiva em relação a esta matéria, refere que "os Estados membros podem estabelecer, no âmbito de um regime facultativo, que o direito à dedução dos sujeitos passivos cujo IVA se torne unicamente exigível nos termos do disposto na alínea b) do artigo 66.º seja adiado até que o IVA que incide sobre os bens entregues ou sobre os serviços prestados a esses sujeitos passivos tenha sido pago ao seu fornecedor ou prestador."
Pela redação da Diretiva, a limitação do direito à dedução para os adquirentes de sujeitos passivos que optem pelo regime de caixa é facultativa e, pelos vistos, o legislador aplicou essa faculdade. Já no que se refere à dedução do IVA liquidado por este sujeito passivo, que incida sobre estas operações, a redação não é clara e impõe-se um esclarecimento.
* Consultor da OTOC
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