1. As medidas de Trump - aplicação de tarifas de 25% sobre cerca de 60 biliões de dólares de importações com origem na China e imposição de restrições a investimentos chineses em sectores nos quais se desenvolve tecnologia avançada - têm significados e implicações distintas, tanto para a economia chinesa como para as relações económicas e políticas internacionais.
A nível internacional, as tarifas - que pretendem ser uma resposta a um deficit comercial com a China superior a 300 biliões de dólares - representam sobretudo um golpe desferido pela Administração Trump sobre o quadro saído dos Acordos de Bretton Woods(*). Quadro que tem subjacente a ideia de que o comércio livre funciona como uma alavanca capaz de impulsionar o desenvolvimento económico e social de um número crescente de economias.
Já no que se refere às restrições aos investimentos chineses com o objectivo de travar o acesso a tecnologias de ponta, o seu impacto é claramente distinto. Na verdade, trata-se de uma questão que preocupa igualmente a Europa, dado os rápidos avanços da economia chinesa em áreas de grande importância estratégica, tanto económica como militar.
No entanto, ao decidir unilateralmente estas medidas, Trump afasta-se dos seus mais importantes aliados numa questão de importância central - a regulação dos fluxos comerciais e financeiros internacionais. Além disso, põe em causa a arquitectura institucional e regulamentar que nos últimos setenta anos enquadrou o movimento de globalização e de integração dos mercados mundiais - em particular, enfraquece a acção da OMC(**) como árbitro de disputas e conflitos comerciais, criando um precedente que está a alimentar um clima de incerteza entre os investidores. Situação que, a prolongar-se, não deixará de afectar a estabilidade dos mercados e de se reflectir negativamente sobre o crescimento.
2. O impacto destas medidas sobre a China deve, por outro lado, ser avaliado em dois momentos: a curto prazo, as tarifas não deixarão de se reflectir negativamente sobre os sectores visados - a produção de aço é um exemplo - embora o seu efeito global seja modesto, na medida em que incidem apenas sobre menos de 10% das exportações para os EUA. Em contrapartida, as restrições a investimentos susceptíveis de facilitar o acesso a tecnologia de "ponta" podem reduzir o ritmo de desenvolvimento tecnológico da economia chinesa, nomeadamente se a Europa vier a controlar de forma mais apertada este tipo de investimentos; a prazo, no entanto, as medidas unilaterais de Trump podem ser favoráveis à acção da elite dirigente chinesa, num período que - como referi no último artigo - se reveste de particular complexidade política e económica. Na verdade, de um ponto de vista político, estas oferecem ao PCC(***) um poderoso álibi para justificar uma eventual desaceleração do crescimento, num período de mudança para um novo modelo económico mais centrado no consumo interno.
Por outro lado, podem contribuir para acelerar o movimento de transformação da economia chinesa e reduzir os riscos sociais e políticos do período de transição. As decisões do Presidente americano não deixam de reflectir a insustentabilidade de um modelo de crescimento suportado sobretudo por excedentes comerciais - no caso dos EUA, atingiu os 375 biliões de dólares em 2017 - e de acentuar a necessidade de conduzir o sistema económico chinês para um funcionamento mais suportado pelo enorme mercado interno(****). Esta avaliação pressupõe que os dirigentes chineses adoptam uma atitude de contenção em relação à agressividade de Trump - dirigente perpétuo, Xi Jinping pode esperar pelos próximos Presidentes norte americanos.
(*) Acordo de 1944 que consagrou a hegemonia do dólar dos EUA
(**) Organização Mundial do Comércio (WTO)
(***)Partido Comunista Chinês
(****) A população chinesa é maior da que as da UE, dos EUA, do Japão e da Rússia, combinadas
Economista
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1. As medidas de Trump - aplicação de tarifas de 25% sobre cerca de 60 biliões de dólares de importações com origem na China e imposição de restrições a investimentos chineses em sectores nos quais se desenvolve tecnologia avançada - têm significados e implicações distintas, tanto para a economia chinesa como para as relações económicas e políticas internacionais.
A nível internacional, as tarifas - que pretendem ser uma resposta a um deficit comercial com a China superior a 300 biliões de dólares - representam sobretudo um golpe desferido pela Administração Trump sobre o quadro saído dos Acordos de Bretton Woods(*). Quadro que tem subjacente a ideia de que o comércio livre funciona como uma alavanca capaz de impulsionar o desenvolvimento económico e social de um número crescente de economias.
Já no que se refere às restrições aos investimentos chineses com o objectivo de travar o acesso a tecnologias de ponta, o seu impacto é claramente distinto. Na verdade, trata-se de uma questão que preocupa igualmente a Europa, dado os rápidos avanços da economia chinesa em áreas de grande importância estratégica, tanto económica como militar.
No entanto, ao decidir unilateralmente estas medidas, Trump afasta-se dos seus mais importantes aliados numa questão de importância central - a regulação dos fluxos comerciais e financeiros internacionais. Além disso, põe em causa a arquitectura institucional e regulamentar que nos últimos setenta anos enquadrou o movimento de globalização e de integração dos mercados mundiais - em particular, enfraquece a acção da OMC(**) como árbitro de disputas e conflitos comerciais, criando um precedente que está a alimentar um clima de incerteza entre os investidores. Situação que, a prolongar-se, não deixará de afectar a estabilidade dos mercados e de se reflectir negativamente sobre o crescimento.
2. O impacto destas medidas sobre a China deve, por outro lado, ser avaliado em dois momentos: a curto prazo, as tarifas não deixarão de se reflectir negativamente sobre os sectores visados - a produção de aço é um exemplo - embora o seu efeito global seja modesto, na medida em que incidem apenas sobre menos de 10% das exportações para os EUA. Em contrapartida, as restrições a investimentos susceptíveis de facilitar o acesso a tecnologia de "ponta" podem reduzir o ritmo de desenvolvimento tecnológico da economia chinesa, nomeadamente se a Europa vier a controlar de forma mais apertada este tipo de investimentos; a prazo, no entanto, as medidas unilaterais de Trump podem ser favoráveis à acção da elite dirigente chinesa, num período que - como referi no último artigo - se reveste de particular complexidade política e económica. Na verdade, de um ponto de vista político, estas oferecem ao PCC(***) um poderoso álibi para justificar uma eventual desaceleração do crescimento, num período de mudança para um novo modelo económico mais centrado no consumo interno.
Por outro lado, podem contribuir para acelerar o movimento de transformação da economia chinesa e reduzir os riscos sociais e políticos do período de transição. As decisões do Presidente americano não deixam de reflectir a insustentabilidade de um modelo de crescimento suportado sobretudo por excedentes comerciais - no caso dos EUA, atingiu os 375 biliões de dólares em 2017 - e de acentuar a necessidade de conduzir o sistema económico chinês para um funcionamento mais suportado pelo enorme mercado interno(****). Esta avaliação pressupõe que os dirigentes chineses adoptam uma atitude de contenção em relação à agressividade de Trump - dirigente perpétuo, Xi Jinping pode esperar pelos próximos Presidentes norte americanos.
(*) Acordo de 1944 que consagrou a hegemonia do dólar dos EUA
(**) Organização Mundial do Comércio (WTO)
(***)Partido Comunista Chinês
(****) A população chinesa é maior da que as da UE, dos EUA, do Japão e da Rússia, combinadas
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