A aprovação da proposta do Orçamento do Estado com os votos favoráveis do PS e a abstenção do Bloco surge como um dos cenários mais prováveis segundo várias fontes ouvidas pelo Negócios. Provável não significa desejado, nem pelo Governo (que preferia contar com os dois parceiros da última legislatura) nem pelos bloquistas, que sabem que competem com o PCP pela liderança da oposição à esquerda. Simplesmente, o Bloco tem menos margem do que o PCP para dizer não. Vem de um resultado eleitoral historicamente bom e tem um eleitorado mais volátil e menos ideológico. Quanto ao voto favorável, já ninguém parece acreditar nessa possibilidade.

Afastada a hipótese de uma aprovação, dado o afastamento entre as reivindicações dos dois partidos e as restrições orçamentais com que Centeno está a trabalhar, uma abstenção do BE e do PCP seria o cenário preferido de António Costa. Apesar da retórica mais agressiva, também o PCP tem reunido com o Governo e apresentado as suas propostas. Isso leva os mais otimistas no Governo a achar que Jerónimo de Sousa acabará por se abster para reivindicar para o partido as medidas mais populares. Porém, depois de quatro anos a viabilizar orçamentos do PS e sobretudo após dois maus resultados eleitorais, o PCP parece pouco tolerante a fazer novas cedências.

Noutro contexto, seria natural que o principal partido da oposição se abstivesse deixando passar o primeiro orçamento do Governo recém-eleito. Aconteceu diversas vezes no passado e o perfil de Rui Rio encaixa bem nessa atitude. No entanto, o calendário interno do PSD torna esta hipótese quase impossível: as eleições diretas para escolher o líder do partido decorrerão a 11 de janeiro, ou seja, um dia depois da votação na generalidade da proposta de orçamento. E o congresso será no fim de semana seguinte à aprovação final. Uma abstenção em véspera de eleições deixaria Rio vulnerável à crítica recorrente de fazer uma oposição mole e uma mudança na votação final seria alvo de ataques no congresso.

Ninguém quer ouvir falar neste cenário, que só pode ser encarado como uma espécie de saída de emergência: a aprovação do orçamento com a abstenção ou aprovação dos três deputados do PSD eleitos pela Madeira, dos quatro deputados do PAN e da deputada do Livre. Dentro do Governo há a convicção de que aprovar o primeiro orçamento da legislatura com uma solução tão precária quanto esta seria um péssimo arranque para a legislatura, deixando dúvidas sobre a estabilidade. Por outro lado, a crise e as divisões dentro do Livre, partido que seria essencial neste cenário, tornam esta hipótese ainda menos desejada pelo Executivo de António Costa.

Ninguém acredita e ninguém o defende. As Finanças desvalorizam este cenário acreditando que Bloco e PCP não têm legitimidade para deitar abaixo um governo recém-eleito com uma votação expressiva e que apresenta um orçamento de continuidade. Na oposição, ninguém deseja deitar abaixo um governo com poucos meses, pelo receio do custo eleitoral mas também porque a maioria dos partidos não se sente preparada para ir a votos. Porém, dentro e fora do Governo há quem acuse Centeno de desejar uma nova crise política que traga a almejada maioria absoluta ao PS. Mas ao contrário da crise dos professores, este cenário tem agora mais riscos para o PS e contaria com a oposição cerrada de Marcelo.