Ricardo Reis
Guntram Wolff
Nazaré Cabral
Francesco Franco
Ricardo Cabral
É muito importante notar que se trata de um título pan-europeu, sem risco, mas que não é uma 'eurobond'.
Ricardo Reis
Professor London School of Economics

Uma obrigação europeia sem risco e sem mutualização

A ideia nasceu há uns seis anos, atravessou o deserto da crise, mas está neste momento a ser estudada intensamente no BCE e na Comissão Europeia. Ricardo Reis, um dos autores da proposta, está confiante: "As 'obrigações europeias seguras' não implicam transferências orçamentais entre país e não exigem qualquer revisão dos tratados. Poderiam avançar em poucos meses", diz ao Negócios.

O sistema financeiro europeu precisa de um activo europeu sem risco, que possa tomar o lugar as obrigações do Tesouro nos balanços dos bancos, que assim permanecem altamente expostos à saúde dos soberanos - perpetuando a relação diabólica entre a saúde dos Estados e a dos bancos cujos efeitos foram evidentes na crise.

O diagnóstico do problema é partilhado por um número grande de economistas, mas a resolução tem esbarrado na impossibilidade política de avançar com as famosas "eurobonds" - que consistem na emissão de dívida conjunta ao nível da Zona Euro, com responsabilidade partilhada entre os países - o que, indirectamente permite transferências orçamentais entre países.

As "obrigações europeias seguras" tentam responder às duas dimensões, explica Ricardo Reis. A ideia é ter uma entidade europeia a comprar um cabaz de dívida dos países da Zona Euro, que depois dividiria em duas tranches, uma sénior (que seriam as "obrigações europeias seguras"), e outra júnior. "Estas obrigações serão mais seguras que qualquer obrigação nacional, pela diversificação de risco que as caracteriza; e ao serem 'pan-europeias' evitam que, em situação de crise, se verifiquem fugas de capital de obrigações de países mais frágeis para os mais robustos", explica o economista, que explicita as diferenças com as "eurobonds": neste modelo "cada país emite a sua dívida e continua sujeito à disciplina de mercado, uma vez que só parte da dívida é comprada pela instituição europeia. E nenhum país pagará pelo incumprimento de outro. A perda, nesse caso, seria assumida pelos investidores que comprarem as tranches júniores emitidas pelo fundo europeu e país incumpridor seria penalizado nos seus juros de mercado".
Para garantir menos integração orçamental, precisamos de maior integração finaceira.
Guntram Wolff
Director Bruegel

Credibilização da regra que proíbe partilha de dívida

Guntram Wolff dirige um dos mais influentes 'think-tanks' europeus e entre o desejável e o possível para salvar a Zona Euro propõe um esforço para credibilizar a velha cláusula do Tratado da UE que impede um Estado-membro de assumir a dívida de outro, conhecida como 'no bail-out clausse'.

Para isso, a Zona Euro terá de garantir, em primeira linha, maior integração e estabilidade financeira, e melhor supervisão dos bancos. Um pequeno instrumento pan-europeu de apoio social para activar perante grandes crises, e mecanismos de reestruturação de dívida poderão também ajudar, explica ao Negócios o economista alemão.

A "no bail-out clause" (artigo 125 do Tratado de Lisboa) existe para garantir que nenhum Estado-membro assume responsabilidade pelas opções orçamentais de outros, visando preservar a soberania orçamental, e sinalizar aos investidores que devem diferenciar entre o risco de cada país.

"Podemos aspirar a soluções para a Zona Euro com maior integração orçamental e maior partilha de risco entre países, mas isso parece-me difícil" no actual contexto político europeu. A alternativa passa por "tornar mais credível a 'no bail-out clause' " à luz do que aprendemos na crise, o que só será possível se conseguirmos efectivamente reduzir o risco de resgates no futuro, defende, colocando o enfoque na banca.

"Parece um contra-senso, mas para garantir menos integração orçamental a nível europeu, precisamos de maior integração bancária e financeira", diz, apelando à urgência de desenvolver instrumentos que garantam maior estabilidade financeira. Entre eles está a conclusão e aprofundamento da união bancária, com a criação de um seguro comum de depósitos e uma supervisão melhor e mais eficaz da banca por parte do BCE.

"Para a 'no bail-out clause' ser credível, precisamos de quebrar a ligação diabólica entre estados e bancos", resume, acrescentando que provavelmente ajudaria ter algum tipo de pequeno fundo europeu de apoio social (o que será difícil), e regras mais claras de reestruturação de dívida caso um resgate se revelar inevitável.
Um fundo de estabilização poderia ser introduzido nas regras do Pacto de Estabilidade.
Nazaré Cabral
Professora Faculdade Direito de Lisboa

Um fundo de estabilização da economia

Nazaré Costa Cabral propõe a criação de um fundo de estabilização que permita suavizar choques ao nível da união monetária, aliviar divergências cíclicas entre Estados-membros, e conferir ao Pacto de Estabilidade e Crescimento uma dimensão de incentivo ao cumprimento das regras pela positiva, e não pelas sanções de que tanto se tem falado em Portugal.

Um fundo desta natureza é o mais próximo de um orçamento federal que pensa ser possível criar na Zona Euro, defende. "A ideia é mimetizar um embrião de orçamento federal, prevendo receitas e despesas com o objectivo de suavizar tanto choques assimétricos entre países, como choques simétricos ", explica ao Negócios.

A economista e jurista, que analisou nos últimos meses várias propostas de mecanismos de absorção de choques na Zona Euro, favorece o financiamento através da criação de um imposto específico ao nível da união: "Seria mais fácil criar um recurso próprio, em vez de usar os impostos já existentes em cada país, pois as regras de determinação de imposto variam muito entre Estados-membros", afirma, explicando que os países em recessão não contribuiriam (ou contribuiriam menos) para o fundo; enquanto os que estivessem a crescer contribuiriam mais.

Quanto à utilização dos recursos acumulados, Nazaré Costa Cabral não toma partido: "ou o fundo transferiria dinheiro para os orçamentos dos governos dos países em dificuldades; ou compensaria directamente trabalhadores e empresas com reduções de contribuições para a segurança social".

No longo prazo, este tipo de fundos não implica necessariamente transferências orçamentais entre Estados-membros. Mas Nazaré Cabral tem outro argumento para sensibilizar os cépticos: seria possível (e desejável) ligar o fundo ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), por exemplo fazendo depender as transferências do cumprimento das regras orçamentais: "O PEC é um mecanismo de limitação do risco moral e é assimétrico: preocupa-se com os défices, mas não premeia ou incentiva o cumprimento das regras e os excedentes. A associação a um fundo de estabilização permitiria introduzir-lhe essa dimensão".
A Zona Euro precisa de mecanismos que permitam ajustar os planos interno e externo em simultâneo.
Francesco Franco
Professor Universidade Nova

IVA e TSU como instrumentos de reequilíbrio na UE

A Zona Euro necessita de instrumentos de reequilíbrio interno para os países afectados por crises - como um subsídio de desemprego europeu ou algum fundo de estabilização cíclica - mas necessita igualmente de ferramentas institucionais que promovam o equilíbrio externo das várias economias. A proposta de Francesco Franco para reformar a união monetária é que se tente fazer as duas coisas ao mesmo tempo: "A Zona Euro precisa de mecanismos que permitam ajustar os planos interno e externo em simultâneo", diz ao Negócios, explicando como colocaria a tributação sobre o consumo e o trabalho ao serviço dos reequilíbrios intra-união monetária.

"Um sistema europeu de desemprego poderá ajudar ao equilíbrio no plano interno, mas não permite o ajustamento externo e, na verdade, até o pode prejudicar", explica. É que numa união monetária o ajustamento relativo de preços, que é condição para permitir o ajustamento externo, exige emigração e ajustamento de salários. Ora, o subsídio de desemprego, que pode ser desejável no plano social e interno, trava exactamente o ajustamento necessário na frente externa.

Para tentar responder a este conflito de políticas, o economista propõe "um fundo de estabilização, que pode ser um sistema de subsídios de desemprego, financiado por um 'mix' de receitas de IVA e de contribuições para a segurança social" que favoreçam o reequilíbrio externo.

Quem acompanhou há uns anos o debate sobre a desvalorização fiscal em Portugal está familiarizado com parte da lógica: aumentos de IVA penalizam as importações, e as reduções de TSU favorecem as exportações.

O economista defende que o mecanismo funcione à escala europeia: assim, "um país com um défice externo financia o fundo de estabilização baixando a quota da TSU e aumentando a quota da IVA. Simetricamente, o país com um superavit externo financia-o aumentando a TSU e baixando a IVA", explica, propondo que se comece com um fundo muito pequeno e leve, que possa ser testado e avaliado, e aumentado se tudo correr bem.
O problema mais grave da Zona Euro é um défice crónico de procura agregada que resulta das regras PEC.
Ricardo Cabral
Professor Universidade da Madeira

Um imposto sobre excedentes externos excessivos

O principal problema da união monetária é uma deficiência crónica de procura agregada, que resulta das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, e que deve ser contrariada com um mecanismo de transferências financeiras dos países com excedentes para os outros, defende Ricardo Cabral.

Para tirar a Zona Euro da ratoeira depressiva em que caiu, o economista propõe a criação de uma contribuição extraordinária para países com excedentes externos excessivos. "Quem tivesse um excedente da balança corrente muito grande, pagaria uma multa que serviria para financiar a procura agregada nos países com desemprego", defende em declaração ao Negócios.

O economista propõe que um quarto do excedente externo acima de 3% do PIB seja transferido para o orçamento da União Europeia, e distribuído aos países com maior desemprego e endividamento. Com base nos dados de 2016, uma medida deste tipo reduziria o excedente alemão do ano passado de cerca de 9% do PIB para 7,5% do PIB, mas aumentaria o orçamento da UE em 27%, de perto de 1% do PIB da região para 1,27%. Além disso, acrescenta, "geraria um incentivo para a Alemanha promover activamente medidas de estímulo da procura interna, de forma a reduzir o seu excedente", tal como lhe tem sido repetidamente recomendado pela Comissão Europeia.

Crítico da forma como a Zona Euro insiste em ter assuntos tabu - do papel de credor de último recurso dos governos que o BCE deve assumir, à total aversão a transferências orçamentais - Ricardo Cabral insiste que é preciso reconhecer os enviesamentos implícitos nas actuais regras europeias. "Ao forçarem défices orçamentais equilibrados a todos, as regras exigem também balanças externas pelo menos equilibradas em cada um dos países. Isso acaba a gerar forças deflacionistas em termos agregados que prejudicam o emprego e a redução do endividamento nos países mais frágeis, ao mesmo tempo que promovem um excedente externo da Zona Euro superior a 3% do PIB", critica.