O peso das dívidas pública e privada ocupa - ex-aequo com as qualificações - o primeiro lugar no "ranking" que resulta da média das pontuações dos quatro economistas aos seis entraves identificados pelo Negócios. "A dívida pública e a privada são duas pesadas mochilas, que limitam a capacidade financiar novos projectos e não há solução milagrosa para isto. Tem que se ir resolvendo", diz Mira Amaral. Ricardo Arroja sublinha que "na ausência de uma redução sustentada da despesa pública", mais dívida "obriga ao aumento dos impostos", enquanto Paes Mamede é um dos defensores de uma reestruturação das dívidas públicas elevadas na Europa que não force mais austeridade.
2. Qualificações
O problema está diagnosticado, é relativamente consensual, mas não tem solução fácil, e muito menos rápida. Portugal tem um dos mais baixos níveis de qualificações nas economias avançadas, seja entre trabalhadores, seja entre patrões. Ambos travam o crescimento de forma distinta: no primeiro caso, o problema traduz-se, por exemplo, na falta de quadros médios qualificados para suportar o crescimento das empresas, aponta Mira Amaral. No segundo, o travão surge por menor sofisticação na gestão, o que dificulta o crescimento das PME, diz Ricardo Paes Mamede, que não se mostra optimista: "Continuamos a ter um dos níveis mais elevados de abandono escolar".
3. Justiça
É o único factor limitativo ao crescimento que foi escolhido como o maior entrave por dois dos economistas ouvidos pelo Negócios: Luís Campos e Cunha e Ricardo Arroja, surgindo na quarta posição do ranking global. "O sistema de justiça é sem duvida muito importante: é demorado e caro para os litigantes; mais ainda, a qualidade das leis é muito fraca, pelo que está em causa a certeza jurídica das decisões", defende. Arroja concorda: "A incerteza, sobretudo quando resulta de aspectos formais e processuais laterais à substância dos negócios, é o maior inimigo do investimento", defende.
4. Funcionamento do Estado
Só um dos economistas, Ricardo Paes Mamede, considerou o Estado como o factor menos relevante a travar o crescimento, mas também só um, Mira Amaral, o classificou como um dos dois grandes entraves (em segundo lugar, logo após os níveis de qualificação). Mas para o ex-ministro da Indústria não é a dimensão do Estado que está em causa: "Não discuto o peso do Estado, discuto a eficiência de como são usados os recursos públicos. Esse é o verdadeiro problema, do qual destaco a justiça e burocracia asfixiante bem reflectida nas dificuldades de licenciamento industrial". Luís Campos e Cunha mostrou também grande preocupação com a falta de estabilidade das leis laborais e fiscais.
5. Especialização sectorial
Uma parte importante da produção nacional tem um valor acrescentado baixo, incluindo nas exportações. Este é um factor limitativo ao crescimento, mas não deve ser exagerado. "Os nossos sectores tradicionais não são obsoletos" e têm revelado capacidade escalar na cadeia de valor, defende Luís Mira Amaral, para quem parte do desafio passa por "garantir que as PME se conseguem integrar nas cadeias de valor das multinacionais", defende. "A economia portuguesa só consegue explorar nichos se tiver empresas capazes, com dimensão e algum nível de sofisticação da gestão", avisa Paes Mamede, que também reconhece evoluções positivas.
6. Estagnação secular
Entre os seis obstáculos destacados, a tendência de menor crescimento nas economias avançadas foi considerada a menos importante pelos economistas ouvidos pelo Negócios. A ideia de que o crescimento está a ser - e será - penalizado pelo envelhecimento da população, do qual decorre menos investimento e crescimento é aceite como um risco. Mas um pequeno país como Portugal no contexto de uma economia mundial globalizada tem possibilidades quase infinitas de procura. E além disso parte com atraso face às restantes economias avançadas, tendo teoricamente mais margem de progressão. Há outros factores que pesam mais.
Notas soltas
Luís Mira Amaral
O ex-ministro da Economia e agora consultor de empresas tem objectivos bem claros para Portugal: "exportações a pesar 60 a 70% no PIB, com mais valor acrescentando". Para isso "é essencial apostar numa economia assente no conhecimento e não em salários baixos" e numa estratégia de longo prazo. Na lista de entraves apresentada pelo Negócios destaca a falta de quadros intermédios qualificados, e a eficiência do Estado - incluindo a justiça e a burocracia com licenciamentos. Uma lista feita por si teria também de incluir a instabilidade fiscal e os elevados custos de energia.
Ricardo Arroja
Para Ricardo Arroja, a área da justiça constitui o principal travão ao crescimento. "Segurança e previsibilidade contratuais, elementos fundamentais de uma economia de mercado, não estão asseguradas em Portugal e resultam quer em custos de contexto quer em custos de transacção acrescidos", explica. Além de medidas nesta área, o economista considera que o Governo deve actuar na regulação e concorrência, embora com uma abordagem diferente da usada até agora. Menos micro-regulação e mais "tentativa e erro" na regulação e uma preocupação em desmantelar os oligopólios na concorrência.
Ricardo Paes Mamede
O professor do ISCTE considera que existe um obstáculo ao crescimento omisso entre os que são aqui referidos: o enviesamento deflacionista da política económica europeia. "Pensamos em Portugal como uma pequena economia aberta, mas a Europa não o é. A política interna do espaço europeu é determinada por política europeias", sublinha. Isso verifica-se numa falta de resposta à escassez de procura que existe, políticas orçamentais restritivas e um BCE menos agressivo do que a Reserva Federal. "Se a Alemanha estimular a sua procura, isso teria impacto na economia portuguesa."
Luís Campos e Cunha
Entre os seis factores identificados pelo Negócios, o ex-ministro das Finanças considera que três deles são centrais: justiça, endividamento da economia e as qualificações. Neste último ponto, Luís Campos e Cunha nota que "a revolução que aconteceu (iniciada por Guterres) no ensino superior não foi acompanhada pelo ensino profissional e só parcialmente pelo ensino secundário em geral". No entanto, o factor mais importante não está sequer aqui referido: a estabilidade da legislação portuguesa, "nomeadamente das leis fiscais e laborais", sublinha o antigo governante.