O Governo está a aumentar excessivamente a despesa pública? Em quê e porquê?
A despesa pode tornar-se insustentável face a uma recessão?
O governo depende em excesso de factores pontuais? Quais
Até quando poderá Portugal contar com juros baixos e dividendos do BdP?
Portugal deve baixar a carga fiscal? Se sim, à custa de que despesas?

Joaquim Miranda Sarmento
Professor do ISEG da Universidade de Lisboa

O governo tem aproveitado o crescimento económico, com o efeito nominal cíclico no crescimento da receita fiscal, bem como de alguns factores pontuais, para aumentar a despesa estrutural (despesa com pessoal e prestações sociais), entre 2016 e 2018, de cerca de 1.8 mil M€ (1% PIB).

José Reis
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Quem deseja a redução da acção pública vê sempre a despesa como excessiva e em risco de tragédia. Não é o meu caso. Sabe-se que o excesso surgiu quando caíram em cima do Estado os custos de desmandos privados. Foi assim com o que a banca fez a este país endividando-o e levando à convulsão do crescimento. Os dois últimos orçamentos já recolocaram a despesa pública numa percentagem do PIB razoável, ao invés do que a direita tinha feito e sempre fez. A prudência do governo parece-me evidente.

Joaquim Miranda Sarmento
Professor do ISEG da Universidade de Lisboa

Com os actuais níveis de défice estrutural (2% do PIB) e dívida pública (120% do PIB), uma recessão (e voltaremos a ter uma, só não sabemos quando) colocaria o défice acima dos 5% (sem medidas adicionais), e da dívida pública em 2-3 anos atingiria os 140% do PIB. É a receita para o desastre. Se na próxima recessão tivermos um défice estrutural equilibrado e uma dívida nos 90%, então o défice nominal subiria para um valor em torno dos 3%, e a dívida para os 100%. Bastante mais resiliente a uma crise internacional. Deveríamos estar a fazer um esforço de consolidação, sobretudo do lado da despesa, muito superior.

José Reis
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Tal risco existe sempre. Há quem ache que ele deriva das culpas do governo. Eu acho que depende dos poderes do mundo em que vivemos. Se cair sobre nós outra crise como a que os donos da finança atiçaram, toda a vida digna é insustentável. Não me parece é que isso aconteça pelo nível da nossa despesa pública, que se revelou a mínima necessária para usar as pequenas margens de manobra que permitem promover uma economia mais saudável. É claro que a despesa prevista depende do nosso crescimento.

Joaquim Miranda Sarmento
Professor do ISEG da Universidade de Lisboa

O governo desce o défice via crescimento, mas também com aumento dos dividendos do Banco de Portugal (2016-2018; mil milhões de euros), redução da despesa com juros (800 milhões de euros), aumento de impostos indiretos (1,2 mil milhões de euros em 3 anos) e medidas "one-off" de 1,2 mil milhões (venda F-16, PERES, garantias do BPP, devolução de pre-paid margins). Somadas, as receitas que não dependem do crescimento chegam a 4,2 mil milhões de euros que foram usados no aumento da despesa estrutural de 1,8 mil milhões, na redução do IRS (1,2 mil milhões em 3 anos) e no IVA da restauração (400 M€).

José Reis
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Não me parece. Se há aspecto que caracterize os orçamentos do actual governo é terem procurado uma relação estrutural com a economia e com a sociedade. É disso que a consolidação depende. Ainda há questões em aberto para seguir essa linha. O investimento público é uma delas. É daí que me parece que resultam problemas, dadas as constrições a que os orçamentos estão sujeitos. Os factores pontuais são úteis quando estão ligados a bons objectivos que podem ser prosseguidos com a política fiscal.

Joaquim Miranda Sarmento
Professor do ISEG da Universidade de Lisboa

Podemos contar ainda com mais 2-3 anos com juros baixos (já os dividendos manter-se-ão mais tempo, dado que mesmo o fim do programa não é expectável que se reduza logo o balanço do BdP). Excepto se algum evento tipo "cisne negro" ocorrer, mesmo a redução dos estímulos monetários do BCE e o fim do programa (a que se soma a alteração de política monetário da FED), levarão ainda algum tempo a fazer subir os juros. Essa subida será gradual e a subida no mercado não tem um efeito imediato na taxa de juro média implícita do stock da dívida. Saibamos finalmente aproveitar esse benefício.

José Reis
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Este é um domínio de incerteza. No imediato, as previsões fundamentadas que têm sido feitas têm de se considerar positivas. Quanto à receita do BdP, a sua carteira de títulos de dívida e uma maior sensatez da sua política de provisões justificam isso. Quanto aos juros, a gestão que está a ser feita da estrutura da dívida pública contribui também para um perspectiva de alívio. O problema está no seu volume. Dado o quadro instável em que vivemos é da estratégia do BCE que depende muita coisa.

Joaquim Miranda Sarmento
Professor do ISEG da Universidade de Lisboa

Devemos ser cuidadoso na redução da carga fiscal. Reduções de impostos quando a situação orçamental se mantem desequilibrada são ilusórios. Caso voltemos a uma situação de emergência, os impostos voltarão a subir. Recomendaria uma redução da carga fiscal moderada, em função de bons resultados na consolidação orçamental estrutural, e apostada no aumento da competitividade. E não, isso não é baixar a taxa de IRC de 21% para 17%, mas sim criar quadros de incentivos para o investimento estrangeiro mas também potencie o investimento nacional e a competitividade das empresas.

José Reis
Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Não me parece plausível uma baixa da carga fiscal. Outra coisa é mais equidade fiscal. O estado da economia carece de acção pública e o governo tem caminhado sobre fio de navalha na despesa. Escalonou prioridades e atendeu à reposição de rendimentos e a uma maior justiça fiscal e tentou estancar a degradação da administração e do serviços públicos. E a realização destes objectivos não foi plena. E há questões ainda urgentes em matéria de investimento público e de atenção a um território deslaçado.