Joana Leite
Neusa Tojal
Camila Gouveia
Não me lembro de faltar. Não me lembro mesmo
Perfil
Quem:
Joana Leite, 37 anos

Profissão:
Formadora do IEFP

Situação:
Prestação de serviços

Há quanto tempo:
Há dois anos

Salário:
14,4 euros por hora

Decidiu adoptar uma criança. A situação precária foi considerada o "ponto menos positivo" do processo de avaliação.

"Sinto que não posso ficar doente. Nem me pode acontecer nada. Porque como temos a sensação de ganhar à hora… Por um lado podemos ser substituídos a qualquer momento. E, por outro lado, a Segurança Social só nos garante alguma protecção financeira após um mês de doença". Uma gripe levezinha, por exemplo, nem pensar. "Não me lembro de faltar. Não me lembro mesmo".

Desde que se licenciou em História, "variante arqueologia", há 14 anos, Joana Leite tem trabalhado quase sempre para o Estado. Substituiu professoras do ensino público e, de resto, esteve praticamente sempre a recibos verdes: primeiro, durante sete anos numa autarquia. Depois, na Faculdade de Ciências do Porto. E agora como formadora do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), onde desde o início de 2015 teve cinco contratos "de aquisição de serviços".

Ensina adultos desempregados que querem completar, por exemplo, o 9.º ano, ou jovens de cursos de dupla certificação - uma diversidade de públicos "muito interessante". Geralmente almoça uma sandes enquanto conduz entre a Maia, Paredes, Leça da Palmeira, Campanhã, Ermesinde, Valbom ou Matosinhos - os sete locais onde pode ensinar ao longo de uma semana. Módulos de curta duração, de 50 horas, fazem com que as turmas e os horários mudem regularmente. "Temos obrigação de estar disponíveis para o IEFP das oito da manha às oito da noite".

Na transição entre os trabalhos que teve chegou a pedir o subsídio de desemprego. Explica que foi recusado porque a determinada altura a autarquia tinha exigido que constituísse uma empresa unipessoal.

Apesar da incerteza, decidiu adoptar uma criança. E ao longo dos quatro anos que esteve à espera a sua condição pesou: "Durante o processo de avaliação da Segurança Social as técnicas foram impecáveis, mas deram-nos sempre a entender que o ponto menos positivo da nossa candidatura seria o facto de eu ser precária".

Aos 37 anos, quando ganha a mãe? 14,4 euros à hora, o que segundo calcula dá uma média de 1.700 euros por mês. Acima do salário médio do Estado? Talvez não, porque só é pago nos dez meses e meio que trabalha. Não tem data certa para receber - o último foi o de Fevereiro - nem ajudas de deslocação, que segundo explica desapareceram no início de 2016. Na mesma altura em que as horas de mediação, de participação em júris e não lectivas tiveram uma redução de 6,25%.
Não foi possível chamar V. Ex.ª a ocupar posto de trabalho
Perfil
Quem:
Neusa Tojal, 36 anos

Profissão:
Administrativa na unidade de saúde pública da Lapa

Situação:
A termo certo

Há quanto tempo:
Há 14 anos

Salário:
Cerca de 650 euros líquidos

Esteve quase a conseguir um vínculo estável, mas o concurso deu uma volta. Trabalha há 14 anos na saúde. Diz estar a prazo.

"Contratos três mais três". Assim lhes chamavam quando em 2003 Neusa Tojal começou a trabalhar como administrativa em centros de saúde da região de Lisboa. "Eram três meses, renovados por mais três meses e ao final dos seis meses íamos uma semana para casa. Era como se entrasse uma pessoa nova". Por vezes já sabiam que iam voltar a ser chamados, outras, segundo descreve, eram chamados de véspera. "Ficávamos naquele pé, renova, não renova? E depois, imagina, ligavam à noite a dizer para começar amanhã de manhã".

Até que em 2007 assinou um contrato... a termo resolutivo certo. Um contrato a prazo, mas desta vez por períodos anuais. "Era supostamente um ano e foram fazendo adendas". "Acho que a última adenda que fiz ao contrato foi em 2010".

Se não assina há anos uma adenda a um contrato a prazo, e se continua a trabalhar, não está no quadro? "Tenho um contrato a termo resolutivo certo". Quem diz? "Os recursos humanos"

Em 2014 chegou a ficar em 26.º lugar num concurso para o preenchimento de "27 postos de trabalho, na carreira e categoria de assistente técnico", como confirma a segunda série de uma edição do Diário da República.

"Foram homologadas 27 vagas, mas só oito é que assinaram", descreve. A justificação que em 2015 lhe deram por escrito sugere que numa altura em que decorriam rescisões por acordo, as Finanças decidiram limitar os postos de trabalho. "Nesse sentido, e face à redução imposta", diz o documento, "não foi possível chamar V. Ex.ª a ocupar posto de trabalho".

Três anos depois, continua a atender ao público e a tratar de atestados médicos de incapacidade multiusos - por exemplo, para pessoas com cancro - na unidade de saúde pública da Lapa. E a ganhar, contando com o duodécimo, cerca de 650 euros limpos por mês. O regresso às 35 horas facilitou-lhe um pouco a vida. Até porque tem um segundo emprego.
Com certeza que vou concorrer. Vou lutar até ao fim
Perfil
Quem:
Camila Gouveia, 64 anos

Profissão:
Ama da Segurança Social

Situação:
Prestação de serviços

Há quanto tempo:
Há 25 anos

Salário:
762 euros por mês

Camila cuida de quatro crianças em sua casa. São enviadas pela Segurança Social.

Vinte e cinco anos de experiência como ama ao serviço da Segurança Social rendem a Camila 762,96 euros por mês. Explica que o valor, que não sobe há doze anos, depende do número de crianças que cuida na sua casa do Porto, entre as nove e as seis da tarde, um horário que varia consoante o momento em que chegam os pais. "No fundo trabalhamos à peça", resume, enquadrando de seguida a sua expressão. "Se tivermos uma criança recebemos uma coisa, se tivermos duas recebemos outra. Mas o valor [de descontos] para a Segurança Social é o mesmo" e ronda agora os 125 euros por mês.

Começou por ser secretária, mas conseguiu o trabalho que tem hoje no início dos anos 90, depois de um curso de puericultura - queria muito dedicar-se a crianças. Desde então, segundo descreve, teve quase sempre quatro meninos a cargo, sempre a recibos verdes. "Ainda hoje. A trabalhar 100% para a mesma entidade. Não podemos fazer outra coisa nem ter outras crianças".

Há dois anos foi confrontada com aquilo a que chama uma carta de despedimento, que a convidava a trabalhar por conta própria ou para uma IPSS, e que recebeu como um "balde de água fria". Entretanto, os contratos de prestação de serviço passaram a ser renovados anualmente, através da lei do orçamento do Estado. Aos 64 anos sente-se precária. "Muito precária, não tenho futuro. Estamos a trabalhar ano a ano, há tantos anos, para a mesma entidade e sem contrato".

Depois do susto do desemprego, começa a pensar na aposentação, mesmo sabendo que as pessoas que se reformaram com uma carreira idêntica "estão a receber 385 euros" por mês. "Temos muita responsabilidade, chegamos ao fim do dia bastante desgastadas. São crianças. Temos de estar inteiramente só para elas", justifica.

Quando falou ao telefone com o Negócios pela primeira vez não sabia se estava abrangida pelo programa. A dúvida foi levantada pela a associação das amas, a Apra. Porque há uma norma que exclui "situações de exercício de funções que, por força de legislação específica, só são tituladas por vínculos de duração limitada".

Ao Negócios, o Ministério do Trabalho respondeu que as amas podem concorrer. "Ninguém está excluído à partida. A resposta à pergunta será precisamente o âmbito do trabalho das comissões de avaliação bipartida (CAB)". Antes de ouvir esta resposta, Camila já tinha dado a sua: vai concorrer. "Com certeza. Vou lutar até ao fim".