Ouro: do mito à realidade
Já sentiu a febre do ouro? Uma expressão apropriada. A decisão de apostar no metal dourado tende a assentar em fatores menos racionais
Decerto já ouviu os mais velhos falaram do ouro como um refúgio para os tempos difíceis. Sempre se acreditou que ter um anel, um fio ou mesmo uma pulseira de ouro guardada na gaveta era sinónimo de pé-de-meia. O que até poderia ser verdade no tempo do escudo... Agora, com o euro passou a ser um mito urbano. Aplicar as poupanças neste metal dourado está longe de ser um investimento com ganhos garantidos.
Antes, um pouco de história. Durante a década de 1990 e até 2005, o preço do ouro quase não alterou. Depois, beneficiou da febre dos produtos financeiros e das matérias-primas e disparou para quase 2000 dólares. Em seguida, muito investidores abandonaram- no porque, em pouco tempo, caiu para perto de 1200 dólares. A crença de que a subida era o único caminho foi drasticamente abalada. Desde então, a cotação recuperou um pouco, mas o recuo chegou a ser de 44 euros por grama para pouco mais de 28 euros (ver figura). Estas flutuações evidenciam o risco do ouro. Por um lado, o metal dourado está "cotado" à semelhança dos ativos financeiros e o seu valor oscila. Por outro, não paga dividendos nem juros e a sua avaliação está sujeita a mais fatores subjetivos. De facto, parte da sua negociação destina-se a fins industriais, mas muitas transações navegam ao sabor do sentimento dos investidores.
Contra ventos e tempestades
O metal dourado é considerado como uma proteção contra a inflação. Se os preços subirem muito rapidamente, o ouro tende a manter o seu valor e o poder de compra. É um cenário que se verifica em alguns países, onde a inflação é galopante e as notas nem valem o papel em que são impressas. Em certa medida, até poderia ser útil quando Portugal vivia sob o escudo e tinha uma inflação elevada. Como o valor do ouro estava, de certa forma, ligado ao dólar, era uma forma de proteger as poupanças. As peças de ouro que se tinha em casa valiam cada vez mais escudos!
Atualmente, com o euro e as taxas de inflação muito baixas, essa lógica que persiste, sobretudo nos investidores mais idosos, é difícil de fundamentar em termos económicos. Mesmo que os preços voltem a subir de forma mais acentuada em Portugal, é impensável um regresso à hiperinflação. Aliás, ainda há cerca de um ano, o Banco Central Europeu tentava tirar a zona euro da deflação, ou seja, evitar a queda persistente dos preços. Em suma, de acordo com as perspetivas económicas, as vantagens de deter ouro atualmente são pouco evidentes.
No entanto, se acredita que o nosso país poderá sair da zona euro ou que a União Europeia se irá desintegrar, então o metal dourado terá futuro! Com o valor ligado ao dólar americano, as suas poupanças aplicadas em ouro ficariam protegidas de um colapso nacional ou europeu. Só que ao ir por esse caminho é como comprar um dispendioso chapéu-de-chuva e correr o risco de apenas fazer sol. Se o cenário catastrófico não se confirmar, o que será o desfecho mais provável, terá prescindido de investir em aplicações mais interessantes e terá, quase inevitavelmente, perdas consideráveis quando decidir vender o ouro.
Ouro "financeiro"
A negociação de ouro físico, como demonstrámos em vários testes efetuados nos últimos anos, é uma péssima ideia. Quando vai comprar uma barra de ouro, paga muito acima da cotação oficial; mas, quando vende, recebe menos do que o preço de referência. Se em vez de uma barra de ouro optar por uma peça de ourivesaria, então, a diferença entre os preços de compra e de venda, num dado momento, são ainda maiores. Na altura de comprar, tem de pagar IVA e, na venda, qualquer valor artístico que a peça possua é ignorado e só receberá pelo peso. Para relembrar (edição de março de 2016), o anel que comprámos por 600 euros só conseguimos vender por 142 euros, sendo que a cotação do ouro até valorizou entre o momento da compra e da venda!
A forma mais "moderna" de investir em ouro é através de produtos financeiros. Não proporcionam o conforto psicológico de ter o metal dourado numa gaveta ou num cofre, mas tem custos mais baixos.
Como dourar a carteira
Alguns fundos de investimento aplicam em ações de empresas que atuam no setor aurífero e, por vezes, noutras matérias preciosas. Quanto mais caro estiver o metal, maiores tendem a ser os lucros e mais valiosas se tornam as empresas. Em suma, o valor deste tipo de fundos depende do ouro, mas indiretamente. Regra geral, uma valorização do ouro implica que o fundo suba muito mais, sendo que a queda da cotação tem um impacto também de maior dimensão no fundo. No quadro, exemplificamos com os fundos de ações BGF World Gold e Invesco Gold & Precious Metals.
Para seguir mais de perto a cotação do ouro existem os ETF. Embora com características semelhantes aos fundos tradicionais, os ETF são negociados em bolsa como as ações. Entre os ETF é possível encontrar produtos especializados em ouro (gold), sendo que em alguns casos as carteiras são efetivamente compostas por ouro físico.
Como pode ver no quadro, a evolução deste tipo de ETF, como o SPDR Gold Shares e o ETFS Gold, acompanha bem de perto o comportamento da cotação internacional do ouro e acaba por ser a forma mais eficiente de lucrar com uma (eventual) valorização do metal dourado, sendo que as perdas também são em linha. Se quer mesmo apostar em ouro, os ETF são o veículo mais eficiente. No entanto, tem de estar familiarizado com a negociação em bolsa.
Ouro versus investimento
Pode comprar ouro para se sentir mais seguro, mas tem de estar consciente dos riscos. Ao contrário da crença popular, que se enraizou noutro contexto económico, a decisão de pôr as poupanças em ouro não garante ganhos mesmo no longo prazo. Aliás, se optar por adquirir peças de ouro, o mais certo é ter um choque no dia em que decidir vender o seu espólio.
Ao invés de comprar ouro, aconselhamos que invista a longo prazo, por exemplo, constituindo uma carteira de fundos de ações e obrigações. O risco também está presente, mas existe uma maior diversificação e o comportamento desse tipo de ativos financeiros está mais relacionado com o crescimento económico global e, por isso, é mais previsível.
Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.
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