Notas da semana de Marques Mendes
A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana, naqueles que são os excertos da sua intervenção na SIC. O comentador fala da polémica do défice, dos juros da dívida, da crise na TSU e da primeira semana de Trump.
A POLÉMICA DO DÉFICE
O valor do défice voltou a gerar polémica em debate parlamentar com o Primeiro-Ministro, com a alegação de que foi alcançado com o recurso a receitas extraordinárias. Esta é mais uma polémica sem sentido.
- Primeiro: do lado do Governo – é verdade que os 2,3% de défice foram alcançados também com recurso a medidas extraordinárias. Desde logo, o perdão fiscal. E o Governo devia reconhecê-lo porque é uma evidência e não é crime.
- Segundo: do lado da oposição – Também é verdade que não há grande autoridade política do lado da oposição para criticar o recurso a medidas extraordinárias, porque todos os governos o fizeram no passado – o Governo de Durão Barroso, o Governo de José Sócrates e o Governo de Passos Coelho.
- Terceiro: se houvesse seriedade e humildades política em Portugal, o que devia suceder era o seguinte – António Costa e o PS deviam reconhecer o esforço notável que o Governo de Passos Coelho fez de 2011 a 2015 para baixar o défice; e Passos Coelho e o PSD podiam e deviam cumprimentar o PS e António Costa pelo resultado alcançado este ano, porque é um excelente resultado.
- Até porque o resultado final ainda vai ficar, muito provavelmente, abaixo dos 2,3% do PIB. Não é informação privilegiada. É análise fria e rigorosa dos números que são públicos.
JUROS DA DÍVIDA
- Esta é, muito provavelmente, o tema mais delicado da situação financeira de Portugal. E, todavia, uma grande parte dos responsáveis políticos, a começar no Governo, continua a desvalorizar este assunto. Apesar de, ainda esta semana, os juros da dívida a 10 anos terem ultrapassado, de novo, a fasquia mítica dos 4%.
- A verdade é que no espaço de um ano, um ano apenas, os juros da dívida portuguesa se agravaram de forma muito significativa. Vejamos só dois exemplos:
a) Se compararmos a primeira emissão de dívida a 10 anos, realizada em Janeiro de 2016, com a primeira de 2017, a conclusão é clara e preocupante – o custo do nosso financiamento agravou-se em 43% (quadro 1);
b) Se compararmos, no mesmo espaço de um ano, o nosso diferencial para a Alemanha, a conclusão é também perigosa – em 2016, Portugal pagava juros 5 vezes mais caros que a Alemanha; em 2017, passámos a pagar juros 8,5 vezes mais caros. Num ano deixámos agravar a situação.
- Tudo isto porquê? Sobretudo por duas razões:
a) Baixo crescimento económico;
b) Os elevados valores da nossa dívida em geral e da nossa dívida pública em particular.
c) Ou seja, enquanto continuarmos com um crescimento anémico, estaremos sempre no fio da navalha.
A CRISE DA TSU
- Resolveu-se a crise da TSU. Não baixa a TSU. Reduz-se o PEC. São coisas diferentes. Uma era redução de custos. A outra é um financiamento às empresas. Mas foi a solução possível. Mas esta crise deixa marcas no Governo e na geringonça. O Governo saiu politicamente fragilizado. Como tive ocasião de dizer há duas semanas, o Governo foi imprudente e teve uma derrota. Provavelmente não tem reflexos em termos de votos e nas sondagens. Mas afecta a imagem de solidez e eficácia da geringonça.
- Foi o maior problema de António Costa desde que é PM. Até agora havia a ideia de que a geringonça era quase infalível, que funcionava na perfeição, que a sua solidez era à prova de bala.
- Este episódio mostrou que não é assim. Houve excesso de confiança e o Governo meteu um golo na sua própria baliza.
- De uma sensação de estabilidade passou-se para um risco de instabilidade.
- Consequências para o futuro? Depende do que suceder:
- Se episódios como este não se vierem a repetir no futuro, então as consequências serão irrelevantes. Tudo isto não passou de um epifenómeno. Um caso isolado e pontual.
- Mas se houver novas desavenças na geringonça, então o problema passa a ser sério. E todos perdem – o Governo, o PCP e o BE. Porque eles, quer queiram, quer não, estão unidos, para o mal e para o bem.
- No entretanto, o Governo tem de reflectir quanto à sua actuação. A sensação que existe é que o Governo está relativamente paralisado – sem iniciativa e sem agenda decisória. E esta sensação reforça a imagem de fragilidade.
A NOVA ESTRATÉGIA DO PSD
- Que o PSD mudou de estratégia parece uma evidência. A questão que se coloca é outra: por que é que mudou e por que é que mudou agora?
- Uns dizem que esta mudança na TSU foi para embaraçar o Governo. Outros garantem que foi para afrontar o Presidente.
- Seguramente que essas razões terão pesado na decisão. Mas tenho para mim que as razões essenciais da mudança são outras: são razões internas; é a disputa pela liderança do PSD; é sobretudo Rui Rio.
- Passos Coelho sabe que a sua próxima eleição é dentro do partido e não fora. E que provavelmente vai ter um adversário que já se pré-anunciou: Rui Rio.
- Para isso, quer animar as hostes. E para isso nada melhor do que radicalizar o discurso. É um clássico da vida partidária.
- E porquê agora e não no ano passado, quando serviu de "muleta" ao Governo no Banif ou em Abril de 2016 no aumento do salário mínimo nacional e subsequente baixa da TSU? Porque na altura não havia a perspectiva de um adversário interno. Não havia Rio.
- Vantagens e riscos desta mudança de estratégia
a) As vantagens são óbvias: uma radicalização do discurso tem sempre um efeito nas hostes internas, nos incondicionais – une, anima, motiva.
b) Os riscos também são evidentes:
- O risco da radicalização – perdendo eleitores mais moderados.
- O risco da incoerência – perdendo credibilidade.
- O risco do acantonamento à direita – perdendo o centro político.
- O risco da insensibilidade social – porque o que estava em causa na TSU era uma questão eminentemente social.
c) E quem poderá avaliar da bondade desta mudança?
- As sondagens, sobretudo. São as sondagens dos próximos meses que permitirão concluir se esta mudança de estratégia teve mais vantagens ou mais desvantagens.
A PRIMEIRA SEMANA DE TRUMP
Três conclusões desta primeira semana de Trump:
- Primeira: sete dias de presidência Trump. Sete dias de pesadelo.
- Guerras absurdas com a comunicação social;
- Admissão do uso da tortura no método de investigação;
- Conflitos inúteis com meio mundo.
- Segunda: num mundo instável, surgiu mais um factor de instabilidade. Trump é um factor de perturbação e desestabilização. Acrescenta instabilidade à instabilidade já existente.
- A relação com o México;
- O fim do acordo comercial com o Pacífico;
- A mudança da embaixada de Israel;
- As limitações cegas à imigração de muçulmanos.
- Terceira: uma mistura explosiva. Uma Europa vazia de estratégia e liderança e uns EUA orientados por uma espiral de loucura, demagogia e populismo.
- Só pode dar asneira. No plano político, económico e de segurança.
- Numa semana confirmaram-se as piores suspeitas.
- O problema é mesmo de fundo e estrutural. É a loucura à solta e a impreparação a governar.
ESCOLAS EM MAU ESTADO
- Cá está uma boa querela. A querela em torno das escolas degradadas, escolas onde há frio, escolas onde chove, escolas em mau estado (a Escola Alexandre Herculano, no Porto; a Escola José Falcão, em Coimbra; o Liceu Camões, em Lisboa; a Escola Secundária de Serpa, no Alentejo, onde os alunos têm de levar manta para a escola, tal o frio existente).
- Esta querela leva-nos a reflectir sobre três realidades importantes:
a) Primeira: em matéria de educação temos também um país a duas ou mais velocidades – temos excelentes escolas (escolas do século XXI) e escolas com muito más instalações (escolas do século XIX);
b) Segunda: nos últimos anos, a empresa pública Parque Escolar gastou mal os muitos milhões que tinha – fez obras de luxo em várias escolas e depois o dinheiro faltou para melhorar outras escolas. Com menos luxo e com menos exagero, o mesmo dinheiro daria por certo para remodelar muito mais escolas.
c) Terceira: esta matéria faz-nos lembrar a importância da descentralização. Que sentido faz que a construção e manutenção de escolas secundárias sejam competência do Poder Central? O que é que Lisboa sabe do que se passa nas escolas em Serpa, em Coimbra, em Macedo de Cavaleiros? Se a responsabilidade fosse das autarquias locais, muitos destes problemas já estariam resolvidos.
Vamos ter esperança que esta querela venha a dar alguns resultados positivos.
NOTAS FINAIS
- Novo Banco – Ao que parece os norte-americanos da Lone Star querem mesmo comprar o Novo Banco. Estão a investir na melhoria da sua imagem. Já admitem ter alguns parceiros nacionais. E, sobretudo, que é o mais importante, ao que se diz, estão disponíveis para nas próximas negociações deixarem cair a exigência de garantia do Estado. Se assim for, é mesmo uma vitória do Governo.
- Presidente da Câmara (socialista) de Torres Vedras – Está publicamente acusado de plágio na tese de doutoramento que apresentou em 2015. Uma pergunta que se impõe a António Costa: se se confirmar este plágio, vai mantê-lo candidato? O PM "correu" com pessoas dos gabinetes ministeriais que tinham falsas licenciaturas. Então o que dizer de falsos doutoramentos?
- Secretário de Estado das Comunidades – Uma felicitação ao Secretário de Estado das Comunidades por causa de uma ideia muito feliz: criou uma Aplicação nos telemóveis destinada a quem viaja para o estrangeiro. Com esta aplicação, qualquer um de nós que vai para o estrangeiro passa a receber informação útil do país onde está e a poder ser localizado facilmente em caso de necessidade ou de emergência.
- CTT e o pagamento de pensões – Uma palavra de tranquilidade. Os CTT são quem emite os vales para pagamento de pensões de reforma. Ao que parece, terá havido ultimamente alguns atrasos nalguns pagamentos. O que causou inquietação. Ao que apurei, não é falta de dinheiro, nem falta de pessoal. É uma questão de procedimentos. E os CTT já reforçaram os procedimentos para que os atrasos não se repitam. Assunto resolvido e bem.
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