Notas da semana de Marques Mendes
A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana da vida nacional e internacional. Os principais excertos da sua intervenção na SIC.
SÓCRATES PROCESSA O ESTADO
- Porquê esta iniciativa? Por uma razão muito simples. Para fazer mais um discurso, para voltar a fazer-se de vítima; para ter mais uns minutos de televisão. Numa palavra, para fazer mais um pequeno tempo de antena.
- E porquê agora? Por três razões:
a) Primeiro, porque se aproxima o momento da acusação. Ela deve surgir até ao fim do próximo mês de Março. E José Sócrates já percebeu que vai ser acusado. Logo, é uma espécie de tempo de antena por antecipação.
b) Segundo, porque José Sócrates sente-se cada vez mais encurralado. Sobretudo depois do depoimento de Helder Bataglia.
c) Terceiro, porque Sócrates adora fazer-se de vítima. É a sua especialidade.
d) Conclusão: esta iniciativa é mais do mesmo. Não tem qualquer novidade. E, sendo mais do mesmo, tem um certo ar de desespero.
PAULO MACEDO NA CAIXA
- Primeiro apontamento: finalmente a CGD tem uma Administração. E uma boa Administração. Já não era sem tempo. O Banco Público esteve praticamente um ano sem uma Administração em plenitude de funções.
- Segundo apontamento: constatam-se já duas diferenças de Paulo Macedo em relação a António Domingues.
- Primeiro: ao nível da escolha da equipa de gestão. Enquanto que no passado foram as trapalhadas que se conhecem, até com nomes vetados, agora a escolha de toda a equipa decorreu com enorme discrição e tranquilidade.
- Segundo: no plano da comunicação. No passado cultivou-se um certo secretismo. Paulo Macedo fez a diferença. Uma das primeiras coisas que fez foi visitar uma agência para passar uma mensagem forte de confiança.
- Ou seja, dois técnicos competentes. Só que António Domingues era um técnico puro e duro. Paulo Macedo é um técnico com experiência política.
- Segue-se agora o mais importante: a recapitalização e a reestruturação. E as duas grandes dúvidas são estas:
- Será que o poder político vai respeitar a autonomia da gestão? Será que não vai querer imiscuir-se na gestão da Caixa?
- E como se comportarão os parceiros de Governo perante um tão forte emagrecimento da Caixa, com cerca de duas mil pessoas a terem de sair?
RATING DE PORTUGAL NÃO MELHORA
- A agência de notação Fitch tomou a decisão de manter o rating de Portugal. É uma decisão "assim assim". Não é brilhante. E para o Governo é um certo banho de água. Porquê?
- Porque nos últimos tempos o Governo tinha feito um trabalho de sensibilização junto das agências de notação com vista a uma melhoria do rating e acreditava que as agências de notação iriam ser sensíveis aos resultados recentemente alcançados por Portugal.
- Aqui chegados, a grande interrogação que se coloca é esta: se estamos a conseguir reduzir o défice; se o desemprego tem vindo a baixar; se o PIB até pode crescer um pouco mais do que o Governo previa, por que é que as agências de notação não melhoraram o rating de Portugal?
a) Eu diria que isso sucede pela mesma razão que leva os mercados a não baixarem os juros da dívida (que continuam acima da barreira dos 4%).
b) É que os mercados e as agências de rating continuam a torcer o nariz a duas realidades preocupantes:
- Primeiro: o facto de continuarmos com uma dívida muito elevada. Que não tem vindo a baixar.
- Segundo: porque o nosso crescimento económico continua muito reduzido. Crescer 1,2%, 1,3% ou 1,4%, tudo isso mais não é que um crescimento anémico. A questão nuclear é o crescimento económico e não se vê uma agenda de reformas para "puxar" pelo crescimento da economia. Há uma sensação de paralisia.
GOVERNO PARALISADO?
- O PM fez ontem uma mini-mudança no Governo – um novo Secretário de Estado. Duas explicações a justificam: primeiro, é um reforço do Ministro das Finanças; segundo, uma atenção privilegiada à banca (este novo SE vai tratar do sistema financeiro).
- Mas o mais sério é que o Governo está paralisado, desarticulado e a perder gás. Onde se nota esta situação?
a) Primeiro, no plano decisório. Desde o Orçamento do Estado, em Novembro, não há nenhuma decisão relevante do Governo. Com excepção da TSU, não aconteceu nada. Nem em Dezembro, nem em Janeiro. Há muitos relatórios, estudos e entrevistas. Mas não há decisões de relevo.
b) Segundo, no plano da articulação parlamentar. Nunca nos últimos meses se viram tantas desarticulações entre os parceiros da geringonça. Foi na TSU; foi na Carris; foi nas PPP da saúde; foi no Estatuto da PSP.
c) Terceiro, nos debates políticos no Parlamento. António Costa não esteve bem nos últimos dois debates. Esteva cansado, irritado, à defesa. Sem iniciativa. Sem instinto matador.
- Por que é que isto sucede? Por duas razões no essencial:
- Primeiro, o Governo está sem agenda. A agenda que PS, PCP e BE tinham firmado esgotou-se com o último Orçamento. A partir de agora, há muita navegação à vista. Apenas gestão corrente.
- Depois, este Governo tem um defeito de fabrico. Não tem número 2. Tudo depende do PM. Ou há PM ou não há Governo. E, como o PM esteve muito tempo ausente nos últimos meses (China e Índia), o Governo desapareceu. Não há tempo para programar, decidir e avançar.
A POLÉMICA DA CARRIS
- Na semana passada, perguntávamos: o caso da TSU foi um caso isolado? Ou, ao contrário, é o primeiro de vários casos e o prenúncio de uma pré-crise política?
- A resposta foi dada esta semana com o caso da Carris. E a resposta é clara: nem o Governo, nem o PCP, nem o BE querem abrir uma crise política. Nem este ano nem provavelmente até ao fim da legislatura.
- O caso da Carris tinha todos os ingredientes para ser uma segunda TSU. O PCP foi sempre contra a entrega da Carris à Câmara de Lisboa. Sempre quis a Carris dentro do Estado e não nos Municípios.
- Só que a estabilidade política e a solidariedade na geringonça falaram mais alto. Por isso, o PCP recuou e o que estava desarticulado rapidamente se articulou.
- A conclusão é óbvia. PS, PCP e BE percebem algumas verdades elementares:
a) Primeiro: que estão unidos para o bem e para o mal. Para o melhor e o pior.
b) Segundo: que quem provocar uma crise será penalizado.
c) Terceiro: apesar de todas as dificuldades, gostam mais de ser poder do que ser oposição.
O DEBATE DA EUTANÁSIA
- Primeira questão: está a começar o debate em torno da eutanásia. No fundo, o debate em torno da morte medicamente assistida. Ou seja, a possibilidade de o médico poder abreviar a vida de um doente incurável a seu pedido. Correndo o risco de simplificar o que é muito complexo, podemos sintetizar as duas posições em confronto da seguinte forma:
a) A favor da eutanásia estão os que defendem a liberdade de escolha do doente. O doente, dizem, em especiais condições de dor e sofrimento, deve ter o direito de decidir acelerar o fim da sua vida. É a afirmação da autonomia da vontade. Uma espécie de auto-determinação do doente.
b) Contra a eutanásia o grande argumento é o de que a vida é inviolável. Em nenhuma circunstância pode ser violada. O mais importante é a defesa da vida até às últimas consequências. Deve-se investir na vida, designadamente através dos cuidados paliativos em vez de dar prioridade à morte antecipada. E acrescenta-se: os avanços da medicina vão todos nesse sentido – defender a vida e nunca acelerar o seu fim.
- Segunda questão: o país está preparado para decidir? Tenho dúvidas. Primeiro, porque é um tema muito complexo; segundo, porque na Europa há poucos países que legalizaram a eutanásia (Holanda, Bélgica, Suíça); terceiro, porque nalguns desses países constatam-se perversidades enormes na aplicação da lei (um exemplo é a sua aplicação a doentes mentais que, por definição, não reúnem as condições necessárias a uma decisão consciente).
- Assim sendo, pergunto-me e pergunto: antes de ser tomada uma decisão, não seria de pedir a uma entidade independente e competente a elaboração de um Livro Branco sobre a eutanásia?
- Um livro feito com rigor e isenção; que elucidasse sobre as razões contra e a favor; que fizesse um balanço rigoroso das experiências que se conhecem lá fora; deixando depois as conclusões e as escolhas para cada cidadão.
- Cá está uma boa tarefa para o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
O BREXIT
- Vão começar as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia. E muitas das empresas que estão na City, em Londres, estão a começar a preparar a sua mudança para outros países.
- Já há, neste momento, vários países a fazerem operações de marketing e de charme para atraírem algumas dessas empresas para os seus países.
- É o caso da Alemanha, de França, da Holanda, da Irlanda. Até a nossa vizinha Espanha.
- Mas Portugal está ausente desta estratégia. E mal.
- O que devia fazer Portugal?
a) Primeiro: criar uma equipa de missão especialmente encarregada de fazer o nosso marketing junto da City, em Londres, para tentar atrair para o nosso país empresas que vão sair do Reino Unido;
b) Segundo: apresentar as nossas vantagens competitivas em relação a outros países, designadamente o regime fiscal muito atractivo que temos para não residentes (é a figura legal do chamado residente não habitual);
c) Terceiro: tentar atrair, prioritariamente, empresas na área dos serviços (banca, seguros, contabilidade, advocacia e outras similares).
- Esta deveria ser uma tarefa imediata, empenhando o Presidente da República, o Governo e o Parlamento. É uma tarefa nacional. E urgente. Não há tempo a perder.
- O país que precisa de investimento desperdiça uma oportunidade destas?
- Seria um desastre não tentar. Aqui fica, pois, uma sugestão construtiva.
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