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Simon Johnson
20 de Março de 2017 às 14:00

A próxima crise financeira

Pessoas poderosas querem eliminar as restrições aos bancos nos EUA e no Reino Unido. Por exemplo, é expectável que a Regra Volcker fique sob grande pressão do Goldman Sachs e dos seus muitos antigos alunos que ocupam agora cargos no governo dos Estados Unidos.

No início de 2007, a pior crise financeira em quase 80 anos começou a desenrolar-se, chegando a um ponto crítico 18 meses depois com o colapso do Lehman Brothers, cujas ondas de choque foram sentidas em todo o mundo. Medidas desesperadas dos governos salvaram-nos da Grande Depressão II, e os responsáveis políticos prometeram que "nunca mais" enfrentaríamos os mesmos riscos. Políticos e bancos centrais iniciaram um amplo processo de reformas a nível nacional e de coordenação internacional - todos com o intuito de reduzir a possibilidade de colapso dos grandes bancos.

 

Uma década mais tarde, o sistema financeiro global tornou-se mais seguro, em alguns aspectos, em resultado desses esforços. Noutros aspectos, contudo, a estrutura não mudou muito - e pode até ter-se tornado mais vulnerável. Mas, em vez de concluírem o processo de reformas, os decisores políticos dos dois lados do Atlântico parecem determinados a desfazer grande parte das medidas que sustentam os progressos alcançados.

 

Na última década houve três grandes conquistas. Em primeiro lugar, algumas empresas financeiras caíram, e por uma boa razão: os seus modelos de negócio eram maus, as empresas eram mal geridas, ou ambos. Ao mesmo tempo, empresas financeiras mais fortes expandiram a sua quota de mercado.

 

Em segundo lugar, o financiamento dos bancos afastou-se da dívida em direcção ao capital próprio. Mais de um banco proeminente antes da crise tinha menos de 2% do seu financiamento assegurado por capitais próprios – o que significa que era financiado em mais de 98% por dívida. Isso não acontece hoje.

 

Em terceiro lugar, existem agora restrições às actividades dos maiores bancos. A chamada Regra Volcker impede as actividades de negociação por conta própria - uma forma de especulação interna - por parte de bancos sediados nos Estados Unidos. Noutros países, os supervisores bancários tornaram-se mais cépticos quanto à supostamente sofisticada tomada de riscos. A precaução anda no ar.

 

Infelizmente, todas essas conquistas podem ser efémeras. Pessoas poderosas querem eliminar as restrições aos bancos nos EUA e no Reino Unido. Por exemplo, é expectável que a Regra Volcker fique sob grande pressão do Goldman Sachs e dos seus muitos antigos alunos que ocupam agora cargos no governo dos Estados Unidos.

 

Gary Cohn, antigo presidente e director de operações do Goldman Sachs que lidera agora o Conselho Económico Nacional do presidente Donald Trump, diz que devemos reduzir os requisitos de capital (o que significa permitir mais dívida e menos capitais próprios nos bancos) para impulsionar a economia. Isto foi exactamente o que aconteceu no início dos anos 2000. Se Cohn conseguir o que pretende, as consequências serão semelhantes: desastre.

 

Desde 2008, o sistema financeiro global tornou-se mais concentrado de formas importantes. Os maiores bancos dos EUA tiveram um bom desempenho em relação aos seus concorrentes, incluindo grandes bancos europeus. Como resultado, em mercados-chave - e em toda a infra-estrutura financeira essencial do mundo - bancos como o JPMorgan Chase continuam a ser demasiado grandes para falir.

 

Às vezes o mundo financeiro parece complicado, mas o que está em jogo é bastante simples. O senador americano Jack Reed resumiu-o bem recentemente:

 

"Os meus eleitores não precisam de calculadoras ou fórmulas sofisticadas de Wall Street para entenderem que há um valor e um benefício em reformar Wall Street e manter a ganância imprudente sob controlo. Há um valor e um benefício em proteger os consumidores e os seus salários ganhos com esforço. E há um valor e um benefício em manter uma família na sua casa e evitar a execução de uma hipoteca."

 

As visões dos governantes sobre a política são moldadas pela forma como vêem o mundo - e o que vivenciaram. Se alguém foi dramaticamente afectado por uma crise financeira, é menos susceptível a querer passar pelo mesmo novamente.

 

Mas se alguém se deu muito bem - comprando activos baratos no final do ciclo, por exemplo, ou expandindo a sua quota de mercado - parece razoável supor que essa pessoa será menos propensa a ter cautela. Reed tocou precisamente neste ponto ao falar da adequação de Steve Mnuchin - um antigo vice-presidente do Goldman Sachs – para o cargo de secretário do Tesouro:

 

"Um indivíduo que fez a sua fortuna despejando os seus concidadãos americanos não possui os valores certos, na minha opinião, para ser o nosso Secretário do Tesouro. Com base no seu histórico, não estou convencido de que o Sr. Mnuchin seja capaz de drenar o pântano, e receio que ele possa acabar a manipular o sistema para favorecer os 1% mais ricos em detrimento dos americanos da classe trabalhadora."   

 

Mas o Senado confirmou Mnuchin, o que sugere que estamos prestes a fazer uma inversão completa. Como James Kwak e eu documentámos no nosso livro "13 Bankers", a desregulamentação financeira nos anos 1980 e 1990 levou a uma expansão imobiliária no início dos anos 2000; que abriu caminho para o colapso financeiro de 2008, que por sua vez deu origem a uma nova onda de reformas em 2010 e depois. As reformas foram sérias; mas não foram longe o suficiente, e podem ser revertidas sem muita dificuldade. O governo de Trump está pronto para fazer isso mesmo.

 

Os grandes bancos vão ficar maiores. Os níveis de capital vão diminuir. E as práticas razoáveis de gestão de risco vão ficar novamente fora de moda. As pessoas poderosas saem-se bem nas expansões e colapsos. Quanto a nós, podemos esperar uma desigualdade mais profunda e mais pobreza induzida pela crise.

 

Simon Johnson  é professor na Sloan School of Management do MIT e co-autor do livro "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You".

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.

www.project-syndicate.org

Tradução:Rita Faria

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