Então e o crescimento?
Os últimos dados sobre o crescimento da economia colocaram os holofotes na oposição: como se explica que este Governo das esquerdas esteja a conseguir ter a nossa economia a crescer?
Nada tenho contra dar essa resposta, e aqui estou para contribuir para ela.
Deixemos de lado a idílica narrativa de estarmos perante o "o maior crescimento do século", porque não é bem verdade. O crescimento deste trimestre (é de um trimestre que estamos a falar) igualou alguns dos melhores valores trimestrais da década de menor crescimento de sempre. Basta alargar um pouco o período de análise para perceber a dimensão relativa deste crescimento.
Significa que 2,8% é mau? Nunca me ouvirão dizer isso. Mas é importante contextualizar ou ter noção das coisas. A última vez que ouvimos dizer que Portugal foi "o campeão do crescimento europeu" foi em 2010, lembram-se?
Na altura ninguém quis saber do contexto e alimentou-se a narrativa até esbarrarmos no resgate. Começámos como "campeão do crescimento", passámos para o "estes juros são sustentáveis", depois para o "aumentámos o défice porque quisemos" e para o "não precisamos de ajuda" e acabámos como se viu.
Mas olhemos para o crescimento.
Um crescimento com consolidação orçamental, com um défice abaixo dos 3%. Um crescimento sem renegociação de dívida, pagando os juros da mesma. Um crescimento com cativações robustas, convertidas em cortes permanentes, nos serviços públicos. Um crescimento sem qualquer reforço, antes pelo contrário, do investimento público. Um crescimento sem qualquer revogação da lei laboral, anteriormente tida como uma catástrofe. Um crescimento assente em exportações e turismo, que supostamente não chegavam.
A oposição pode ter de explicar algumas coisas, e já lá vou, mas parece-me que o Governo e as esquerdas é que têm de explicar como é que tudo o que antes condenavam faz hoje parte do seu modelo de crescimento, como é que tudo o que antes consideravam crucial faz hoje parte da sua gaveta, como é que tudo o que antes enchia linhas de manifestos serve hoje de arquivo, como é que tudo o que antes era sinal de insensibilidade social é hoje sinal de prudência.
Perante isto, podemos, ao menos, sentar-nos a uma mesa para definir alguns consensos sobre a importância da consolidação orçamental, sobre o controlo do défice, sobre a credibilidade internacional, sobre a relevância da iniciativa privada e das exportações?
Poderíamos, se as esquerdas estivessem dispostas a reconhecer o que estão a fazer. Mas não estão, fazem pela calada, cortam nos serviços ao mesmo tempo que os juram defender. Poderíamos, se as esquerdas estivessem dispostas a reconhecer o caminho que o governo anterior teve de trilhar, sem o qual nunca sairíamos do procedimento por défice excessivo, e isso as esquerdas jamais admitirão.
Vamos à oposição. Então a oposição não propunha um ritmo mais lento na reposição de rendimentos? Ora aí é que está. A oposição não se negava a repor rendimentos. Propunha que estas se fizessem a um ritmo que acompanhasse sinais consolidados da economia, para que não fossem transitórias, para que não obrigassem a cortes tão radicais no investimento e nos serviços. É que é preciso não esquecer que as reposições feitas nestes anos foram pagas por duas coisas que as esquerdas juravam não fazer: cortes no investimento público e nos serviços sociais.
Significa isto que Governo e oposição são iguais? Que afinal não há perigo nenhum nestas políticas? Como já aqui disse várias vezes, o maior problema deste Governo, e só o tempo poderá tirar teimas, é ser o Governo menos reformista de sempre, preso num difícil equilíbrio, que terá consequências.
Advogado
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