
A sustentabilidade passou, num curto espaço de tempo, de uma preocupação reputacional para um fator crítico de competitividade. Deixou de ser um tema “agradável de ter” para se tornar num “não negociável”. Para Afonso Arnaldo, partner da Deloitte e Corporate Responsibility e Sustainability Leader, o Dia Nacional da Sustentabilidade é um momento para fazer balanços e reforçar compromissos. “É um alerta. Um lembrete anual de que há metas ainda por cumprir. E a verdade é que, em muitas frentes, estamos atrasados.”
O Dia Nacional da Sustentabilidade serve para recordar a importância da sustentabilidade e a relevância que o tema continua a ter, merecendo cada vez mais a nossa atenção. “Sustentabilidade não apenas no sentido mais imediato, o climático, que é o primeiro a surgir quando pensamos no assunto, mas também no plano mais amplo da vivência humana na Terra”, diz Afonso Arnaldo, acrescentando que este conceito tem várias dimensões, não só a climática, mas também uma vertente social muito relevante e, naturalmente, para as empresas, a dimensão da governação. “Se quisermos usar a sigla ESG, é um tema que envolve não apenas o ambiente e a sociedade, mas também a forma como as empresas são geridas, o que tem igualmente efeitos sociais internos.”
A importância deste dia é, pelo menos uma vez por ano, lembrar os objetivos que continuam por cumprir, desde logo os das Nações Unidas, enquadrados na Agenda 2030, mas também os que têm vindo a ser definidos por vários governos e entidades, como a União Europeia, que têm um impacto direto em Portugal.
O exemplo da Deloitte
A consultora é uma das empresas que tem procurado colocar a sustentabilidade no centro da sua atuação. Em Portugal, tem vindo a desenvolver diversas iniciativas com impacto local. Mas a estratégia é claramente global.
No campo ambiental, o programa WorldClimate estabelece uma meta de neutralidade carbónica para 2040, dez anos antes do objetivo nacional. Esta ambição implica rever todos os processos internos, desde a eletrificação da frota à aquisição de eletricidade de fontes renováveis, passando pela escolha de fornecedores com práticas sustentáveis. A cadeia de valor é um fator crítico que coloca grandes desafios. “Uma empresa como a Deloitte não vive isolada. A nossa pegada depende, em grande parte, dos nossos fornecedores. E, para fazer escolhas, é preciso que existam opções”, sublinha Afonso Arnaldo. “Se quisermos depender apenas de energia limpa, hoje ainda não conseguimos. A oferta global é insuficiente.”
Há também a consciência de que a transição ecológica não se faz apenas com medidas de mitigação. É preciso compensar aquilo que ainda não se consegue reduzir. Em Portugal, a Deloitte investe num projeto inovador, o SeaForester, que promove a valorização de algas como sumidouros naturais de carbono. “É um projeto pioneiro, que pode ter um impacto relevante na descarbonização. Pouca gente sabe que os oceanos absorvem mais CO2 do que as florestas.”
Alinhamento com a ciência e inovação tecnológica
Ao nível internacional, a Deloitte está a alinhar toda a sua operação com as Science Based Targets (SBTi), uma metodologia reconhecida mundialmente para garantir que os compromissos de redução de emissões são compatíveis com os limites do Acordo de Paris. A empresa foi uma das primeiras no seu setor a anunciar metas de longo prazo alinhadas com a ciência climática, incluindo a redução das emissões da cadeia de valor (Scope 3), as mais difíceis de controlar.
De forma complementar, tem vindo a investir na inovação ambiental. Exemplo disso é o uso crescente de soluções tecnológicas para monitorizar e reduzir o impacto das operações, nomeadamente ferramentas de medição de emissões em tempo real, blockchain para rastreabilidade e inteligência artificial aplicada à eficiência energética de edifícios e deslocações.
Impacto social como pilar estratégico
Na frente social, o programa WorldClass é o rosto mais visível do compromisso da Deloitte. O objetivo é impactar positivamente 100 milhões de pessoas até 2030, através de iniciativas ligadas à educação, empregabilidade, inclusão e empreendedorismo. “É um número ambicioso, mas a escala da Deloitte também o é”, refere Afonso Arnaldo.
Em Portugal, o PACT Fund é um dos pilares dessa missão. O programa, que já vai na 12.ª edição, financia projetos sociais em Portugal, Angola e Moçambique, com foco em educação, empregabilidade e sustentabilidade ambiental. Os colaboradores da Deloitte atuam como mentores, acompanhando a execução no terreno. “Não transferimos os fundos à cabeça. Acompanhamos a execução. Queremos garantir que os projetos acontecem.”
Outro exemplo é o BrightStart, um programa de bolsas para estudantes do ensino superior em áreas tecnológicas, com vista à inclusão social e à captação de talento. Só na última edição foram apoiados cerca de 40 alunos, em parceria com institutos politécnicos e universidades, como a do Algarve. “Estamos a formar talento com propósito. E também a abrir portas”, reconhece Afonso Arnaldo.
A par destas iniciativas, a Deloitte integra redes internacionais de conhecimento e influência, como a Sustainable Markets Initiative, lançada pelo Rei Carlos III (então Príncipe de Gales), ou o UN Global Compact, uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para encorajar as empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e de sustentabilidade. “Acreditamos que o exemplo tem um efeito multiplicador. Se fizermos bem, outros seguirão. E é assim que o sistema se transforma.”
Reportar com transparência
Mas a sustentabilidade também é regulação. E, nesse campo, a diretiva europeia CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) está a mudar o jogo. Obriga milhares de empresas a reportarem o seu desempenho ambiental, social e de governação de forma detalhada e padronizada. Embora os prazos tenham sido adiados para 2028 e 2029, o desafio mantém-se.
“A preparação deve começar já. Se deixarmos tudo para dezembro de 2027, o esforço será brutal”, avisa. As maiores dificuldades residem, muitas vezes, na falta de dados centralizados. “As empresas querem cumprir, mas não sabem por onde começar. E, muitas vezes, não sabem sequer onde estão os dados.”
O apoio da Deloitte vai desde o diagnóstico à definição de planos estratégicos, passando pela preparação de relatórios segundo os novos standards europeus. “É um processo que exige tempo. É preciso saber onde estamos, para definir onde queremos chegar. E depois traçar esse caminho, com metas e medidas.” Afonso Arnaldo reconhece que as grandes empresas estão mais avançadas, sobretudo nos setores da energia, distribuição e serviços financeiros. Mas alerta para os riscos da exclusão. “As PME estão menos preparadas. E muitas nem sabem que, indiretamente, vão ser arrastadas para este sistema, porque fazem parte da cadeia de valor das grandes empresas que vão ter de reportar.”
O desafio do greenwashing e do financiamento
O fenómeno do greenwashing, comunicação enganosa sobre práticas sustentáveis, também está a ser mais escrutinado. “Não acho que haja mais greenwashing. O que existe é mais capacidade de o identificar. E isso é positivo.” A uniformização das definições e métricas, promovida pela União Europeia, está a reforçar a confiança nos dados.
Do lado do chamado financiamento verde, há sinais de algum abrandamento. “Alguns investidores estão a dar menos peso ao fator ESG do que há dois anos. Mas acredito que seja um momento de reajuste e reflexão. O financiamento verde continua a ser essencial para cumprir os objetivos da transição.”
Preparar Portugal para o inevitável
No plano nacional, Afonso Arnaldo destaca que, apesar do esforço de descarbonização, Portugal precisa de se preparar melhor para o impacto das alterações climáticas. “Mesmo que cumpramos tudo, se o resto do mundo não cumprir, seremos afetados na mesma. Os incêndios, as vagas de calor, as cheias, os prejuízos para a agricultura, para o turismo, para a saúde pública. Já estamos a sentir esses efeitos.”
Aponta também riscos sistémicos nos seguros. “Em algumas zonas do mundo, já há seguradoras que deixaram de cobrir certas áreas. O mesmo pode acontecer em Portugal. Isso afeta a economia de forma transversal.” E conclui. “O que está em causa é a resiliência do país. Temos de nos preparar para o inevitável. Como nos seguros, esperamos não ter de os usar, mas temos de os ter.”
A mensagem final que deixa aos líderes empresariais é clara. “Continuem o caminho da sustentabilidade. Não é apenas justo. É necessário. E pensem como o vosso negócio pode ser impactado pelas alterações climáticas. Porque elas não vão esperaram por ninguém.”