Cavaco Silva: Prioridade de Portugal não deverá ser captar elevado montante de fundos comunitários

A propósito da entrada na CEE, em 01 de janeiro de 1986, Aníbal Cavaco Silva adverte que, "40 anos depois da adesão, a captação de um elevado montante de fundos comunitários não deve ser uma prioridade de Portugal".
Cavaco Silva escreveu texto sobre adesão de Portugal à CEE
Tiago Sousa Dias / Medialivre
Lusa 10:56

O antigo primeiro-ministro Cavaco Silva considerou que, 40 anos após a adesão à Comunidade Económica Europeia, "Portugal é hoje um país claramente melhor", mas alertou que a prioridade agora não deverão ser os fundos comunitários.

Num texto enviado à Lusa a propósito da entrada na CEE, em 01 de janeiro de 1986, Aníbal Cavaco Silva advertiu que, "40 anos depois da adesão, a captação de um elevado montante de fundos comunitários não deve ser uma prioridade de Portugal".

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"Hoje, Portugal deve estar na primeira linha da defesa de uma nova ambição que torne a União Europeia e o seu núcleo duro, a zona Euro, mais fortes, mais coesos e mais visíveis", defendeu.

Para o antigo Presidente da República, Portugal deve, neste contexto, "defender o aprofundamento do mercado interno, a criação da união dos mercados de capitais e da união europeia da energia, a conclusão da união bancária e a expansão do investimento em investigação e inovação para o mercado".

Cavaco afirmou que "a União Europeia está confrontada com sérias ameaças externas que só pode enfrentar se estiver verdadeiramente unida em torno dos seus valores democráticos e dos princípios que nortearam a sua fundação".

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Apontou em concreto "a agressão russa à Ucrânia" que "obriga ao investimento em Defesa e a fundar uma política comum de Defesa credível que junte a Europa da União Europeia, do Reino Unido e dos seus parceiros, reforçando o pilar europeu da Aliança Atlântica".

"Por outro lado, o governo do Presidente [norte-americano, Donald] Trump, além de querer forçar a União Europeia a alterar políticas específicas que considera contrárias aos interesses dos Estados Unidos da América, quer também por em causa a própria existência da União. Através do ataque à democracia liberal europeia, da chantagem sobre a retirada da NATO e do apoio a partidos políticos europeus populistas e de tendências autocráticas, procura dividir e enfraquecer a União Europeia e a Zona Euro".

"Cada um dos seus Estados-membros separadamente não tem qualquer hipótese de se afirmar e defender os seus interesses na cena internacional", advertiu Aníbal Cavaco Silva, que chefiou três governos durante 10 anos, entre 1985 e 1995.

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A propósito, disse subscrever as palavras do economista norte-americano Paul Krugman, Nobel de Economia, de que "a União Europeia não está ao serviço das ilusões do Presidente Trump e que, como grande potência que é, não se deve curvar perante as suas exigências". "A União Europeia não é mais dependente dos Estados Unidos do que estes são dependentes da Europa", sublinhou.

"Passados 40 anos, Portugal deve afirmar com orgulho que é parte ativa do projeto de aprofundamento da integração europeia, não apenas por presença territorial, mas por comunhão dos princípios e dos valores que o inspiram e que devem ser sublinhados, defendidos e proclamados pelo conjunto dos Estados-membros, cientes de que a União os faz mais fortes", acrescentou.

Quanto ao balanço de 40 anos de integração europeia, Cavaco Silva considerou que "é inequivocamente positivo".

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"Portugal é hoje um país claramente melhor. É sobretudo um país muito melhor do que teria sido fora do espaço comunitário, sem os incentivos que recebeu para as profundas reformas estruturais levadas a cabo, para a melhoria das infraestruturas, para a dinamização da sociedade civil e para o reforço da igualdade de oportunidades", salientou.

Segundo o ex-chefe de Estado, "a solidariedade europeia foi fundamental para Portugal" e o país contribuiu, com a sua voz e a sua presença, para "a aproximação bloco europeu a África e à América latina".

"Tal não significa que não tenhamos cometido erros e que não pudéssemos estar numa situação melhor. O ímpeto de transformações e de reformas da primeira década da adesão não teve continuidade nas décadas seguintes, talvez porque demasiadas pessoas olharam para a integração europeia e para os fundos comunitários como "a solução milagrosa", descurando as reformas internas que eram e continuam a ser um verdadeiro imperativo nacional", escreveu.

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Cavaco Silva lembrou ainda a mensagem que dirigiu aos portugueses há 40 anos e na qual afirmava que se iniciava um novo ciclo da história do país e iria marcar, inevitavelmente, o futuro.

"Chamei-lhe a 'a nossa nova epopeia', mas salientei que não era 'a solução milagrosa para os nossos problemas', implicando antes um conjunto de transformações internas de forma a podermos colher os benefícios da adesão. Terminei a minha intervenção de 31 de Dezembro de 1985 dizendo que 'dentro de poucos anos todos sentiremos que a adesão às Comunidades Europeias valeu a pena', concluiu o antigo primeiro-ministro.

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