Nobel da Literatura dispara "poema-míssil" contra Israel

O escritor alemão Günter Grass, laureado com o Prémio Nobel da Literatura em 1999, disfarçou de poema um artigo sobre o programa nuclear iraniano, onde se opõe declaradamente a que Israel ataque o Irão. Vai mais longe: diz que Israel ameaça a paz mundial. Já há reacções. E bastante inflamadas.
Carla Pedro 04 de Abril de 2012 às 15:06

O escritor alemão, conhecido por obras como “O tambor” ou “A ratazana”, fala da “hipocrisia do Ocidente”, ataca a capacidade nuclear de Israel e o facto de não haver provas de que o programa nuclear do Irão se destine à construção de armas.

Além disso, critica a Alemanha por fornecer um submarino a Israel, que poderá com ele lançar mísseis sobre o Teerão.

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No mesmo poema, Grass salienta que o seu sangue alemão o tem impedido de se pronunciar contra Israel (numa alusão “ao peso carregado” pela Alemanha devido às atrocidades de Hitler contra os judeus), mas que chegou a hora de quebra o silêncio.

As reacções ao poema de Grass, actualmente com 84 anos, não se fizeram esperar. A embaixada de Israel em Berlim respondeu com a sua própria versão de “O que há a dizer”. “O que há a dizer é que é tradição europeia acusar os judeus (…) o que há a dizer é que Israel é o único Estado do mundo cujo direito a existir é abertamente posto em causa”, diz a declaração da embaixada, sublinhando que os israelitas querem viver em paz com os seus vizinhos.

“Não estamos preparados para desempenhar o papel que Günter Grass está a tentar atribuir-nos, como parte dos esforços do povo alemão de ajustar contas com o passado”, finaliza o comunicado, citado pelo “Spiegel Online”.

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Em vários jornais alemães, é notória a crítica feita a Grass, que é acusado de ser um antisemita. Uns entendem e apoiam as críticas, outros defendem o escritor. Afinal, o que há a dizer?

O que há a dizer

Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,

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sobre o que é manifesto

e se utilizava em jogos de guerra

em que no fim, nós sobreviventes,

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acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,

que poderá exterminar o povo iraniano,

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conduzido ao júbilo

e organizado por um fanfarrão,

porque na sua jurisdição se suspeita

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do fabrico de uma bomba atómica.

Mas por que me proibiram de falar

sobre esse outro país [Israel] onde há anos

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- ainda que mantido em segredo –

se dispõe de um crescente potencial nuclear,

que não está sujeito a qualquer controlo,

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já que é inacessível a qualquer inspecção?

O silêncio geral sobre esse facto,

a que se sujeitou o meu próprio silêncio,

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sinto-o como uma gravosa mentira

e coacção que ameaça castigar

quando não é respeitada:

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“anti-semitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,

acusado uma e outra vez, rotineiramente,

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de crimes muito próprios,

sem quaisquer precedentes,

vai entregar a Israel outro submarino

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cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras

para onde não ficou provada

a existência de uma única bomba,

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se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.

Por que me calei até agora?

Porque acreditava que a minha origem,

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marcada por um estigma inapagável,

me impedia de atribuir esse facto, como evidente,

ao país de Israel, ao qual estou unido

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e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,

já velho e com a minha última tinta,

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que Israel, potência nuclear, coloca em perigo

uma paz mundial já de si frágil?

Porque há que dizer

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o que amanhã poderá ser demasiado tarde,

e porque – já suficientemente incriminados como alemães –

poderíamos ser cúmplices de um crime

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que é previsível,

pelo que a nossa quota-parte de culpa

não poderia extinguir-se

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com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me

porque estou farto

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da hipocrisia do Ocidente;

é de esperar, além disso,

que muitos se libertem do silêncio,

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exijam ao causante desse perigo visível

que renuncie ao uso da força

e insistam também para que os governos

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de ambos os países permitam

o controlo permanente e sem entraves,

por parte de uma instância internacional,

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do potencial nuclear israelita

e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,

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israelitas e palestinianos,

mas também todos os seres humanos

que nessa região ocupada pela demência

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vivem em conflito lado a lado,

odiando-se mutuamente,

e decididamente ajudar-nos também.

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O texto original, em alemão, foi hoje publicado no diário “Süddeutsche Zeitung”, no norte-americano “The New York Times” e no italiano “La Reppublica”, tendo posteriormente sido traduzido e publicado no jornal espanhol “El País”.

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