O princípio da incerteza
Quando, no final dos anos 20 do século passado, o futuro Nobel da física Werner Heisenberg enunciou aquele que então foi considerado um dos postulados da mecânica quântica - o princípio da incerteza - estava certamente a pensar em coisas muito diferentes daquelas que, então como agora, afligiam o comum dos cidadãos. Dizem os entendidos que, traduzido para linguagem corrente, o princípio da incerteza consiste na afirmação da impossibilidade de prever acontecimentos futuros com precisão, dado não ser possível medir com precisão o estado do Universo. Passados quase 100 anos, a mecânica quântica continua a ser algo de muito difícil compreensão para a esmagadora maioria das pessoas, entre as quais me incluo. Mas se apenas alguns conseguem apreender o real significado daquele princípio, já a percepção que todos temos da incerteza cresce a cada dia que passa.
A incerteza sempre existiu. Nós, tal como os nossos pais ou os nossos avós, sabíamos que havia coisas que não se podiam tomar por garantidas. A saúde, desde logo. O tempo, que "pregava partidas". E, claro, muitas outras coisas que o dia-a-dia nos ia trazendo. Mas, no espírito de cada um, essas incertezas conviviam com um certo número de "certezas" consideradas mais ou menos adquiridas. Se te esforçares e tirares um curso superior ou aprenderes uma profissão, vais arranjar um emprego. Se tiveres um emprego, vais conservá-lo ao longo da tua vida a não ser que tenhas encontrado outro que te agrade mais. Quando atingires a idade da reforma, terás uma pensão digna, igual ou parecida com o teu último salário. E por aí adiante, numa lista que facilmente ocuparia toda esta página.
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Hoje essas "certezas" desapareceram. Algumas dessas antigas "certezas" já não chegam sequer a ser expectativas. Deram lugar a uma crescente frustração que está a minar um modelo de sociedade em que cada um acreditava ter um conjunto de direitos e de deveres claramente definidos. Não me parece que seja muito útil discutir agora se tinha que ser assim ou se teria sido possível fazer as coisas de outra forma. Mas é mais do que necessário parar para pensar e saber até onde estamos dispostos a ir, que compromissos podemos assumir, que futuro queremos.
Ao longo da última década (podíamos até recuar um pouco mais), os cidadãos têm sido confrontados com sucessivas alterações das "regras do jogo". Alterações que, em nome de um futuro melhor, quase sempre - para não dizer sempre… - lhes tornam a vida um pouco mais difícil. Um imposto aqui, um factor de sustentabilidade acolá, um "pequeno" corte na pensão de reforma, o fim de um dado benefício ou dedução. Tudo poderia fazer sentido se, dois ou três anos volvidos, os mesmos cidadãos não fossem de novo confrontados com a necessidade de voltar a mudar as regras por se ter verificado entretanto que, longe de estarem resolvidos, os problemas se agravaram…
Ainda há menos de dois meses, o Orçamento do Estado para 2010 nos garantia que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) - fundamental para assegurar o pagamento das pensões quando o sistema contributivo for deficitário - iria valer em 2050 o equivalente a 5% do PIB, ou seja um pouco menos de 18 mil milhões de euros. Eis senão quando leio agora que, afinal, o PEC nos diz que os activos do FEFSS em 2050 terão um valor nulo! Espero sinceramente que seja um lapso e que, rapidamente, os respectivos autores nos venham explicar o que se passou…
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Os sacrifícios que estão a ser pedidos aos cidadãos - e outros virão, infelizmente - só fazem sentido se contribuírem decisivamente para resolver, de facto, os problemas com que nos defrontamos e permitirem não apenas às gerações actuais, mas também às gerações vindouras, ultrapassar as dificuldades que atravessamos. Vamos ter certamente de viver um bocadinho pior, ganhando menos e trabalhando mais e melhor. Mas temos de saber devolver às pessoas algumas "certezas". Sem isso, nenhum sacrifício fará sentido.
Advogado, Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira
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