O setor da construção é responsável por cerca de 40% das emissões de dióxido de carbono em todo o mundo, segundo dados das Nações Unidas, e a União Europeia pretende atingir emissões zero até 2050. O caminho para lá chegar passa, necessariamente, por uma construção mais sustentável. E como é que isso é possível? Segundo Nuno Fideles, head of sustainability da Savills, consultora com mais de 170 anos de experiência no mercado imobiliário, só é possível “com planeamento”. “Se, em vez de fazermos as coisas a correr, fizermos com algum planeamento, com algum tempo, juntando todos os stakeholders, todos os intervenientes, projetistas, donos de edifícios, utilizadores, vamos perceber que, se calhar, não é um caminho tão tortuoso e, com o tempo, vamos conseguir”, afirma.
Para Rui Fragoso, diretor de Edifícios e Eficiência de Recursos da ADENE, a Agência para a Energia, é importante distinguir a construção de edifícios novos dos já existentes, uma vez que espelham realidades muito diferentes: “Hoje em dia, os edifícios construídos têm um nível de desempenho muito superior, têm baixas necessidades de energia, são confortáveis, promovem energias renováveis e têm sido um fator diferenciador para quem os constrói. Já no que diz respeito aos edifícios existentes, o patamar é um bocadinho diferente. Quando olhamos para o nosso stock de edifícios existentes, cerca de 85% têm classe energética C ou pior. São edifícios que foram construídos há muito tempo, não havia sequer qualquer tipo de legislação… Portanto, ainda têm muito para progredir.”
Apesar de o imobiliário consumir “praticamente um terço daquilo que é o consumo de energia em Portugal”, o responsável da ADENE sublinha que “cerca de dois terços desta energia é renovável – o que é bom”. No que diz respeito à descarbonização, assegura que não estamos assim tão mal, uma vez que o setor dos edifícios “emite cerca de 5% das emissões de CO2, ou 18%, se se olhar para as emissões de âmbito 2, que têm em conta a produção de energia elétrica”, o que – afirma – “não é uma percentagem muito grande”.
Para Nuno Fideles, uma construção sustentável passa por critérios como “uma boa iluminação, espaços para estar e descansar e qualidade do ar, que funcionem quer passivamente, quer com a ajuda de equipamentos que, termicamente, sejam confortáveis”. Desta forma, será também possível assegurar que o edifício seja “mais resiliente” ao longo do tempo e perante as “alterações climáticas”.
Quanto aos materiais, o responsável da Savills considera que faz cada vez mais sentido “trabalhar a modularidade dos edifícios de uma forma diferente”, premitindo construir “em seis meses” o que antes se construía “em dois anos”. Além disso, “são facilmente desmontados e podem reentrar na economia circular reaproveitando materiais que foram utilizados nesta construção”.
Neste ponto, Luís Rocha Antunes, managing director da Acacia Point, afirma que “idealmente concordaria” com Nuno Fideles, todavia, sente que hoje, na escolha de materiais, estamos muito condicionados por estarmos num “mercado periférico e por aquilo que existe em Portugal”. “Não existe este cuidado que o Nuno refere no procurement e depois as pessoas sujeitam-se a pagar mais por coisas que deviam estar mais banalizadas ao escolherem material com um comportamento passivo melhor. Não sei se é porque há verdadeiros custos na produção ou se é um aproveitamento de quem está a vender o ambientalmente mais eficiente, mas penso que é uma mistura das duas”, opina.
Em contrapartida, o managing diretor da Acacia Point nota que no setor da produção, como, por exemplo, no caso das janelas eficientes, já há mais concorrência e, por isso, é possível escolher melhor. Como tal, considera que era “desejável que também houvesse essa concorrência ao nível dos materiais sustentáveis para que eles também fossem mais acessíveis”.
Além dos materiais e equipamentos, para Nuno Fideles, da Savills, a localização é outro fator que pode definir a sustentabilidade de um edifício: “Posso construir um edifício supereficiente, mas se construir no meio do nada, a maneira como as pessoas vão para lá e a sua mobilidade é completamente diferente. Portanto, não é um edifício sustentável”, assegura. Na sua opinião, a escolha de espaços “mais eficientes” por parte das empresas pode ser um fator de atração de talento, em particular no que diz respeito à chamada geração Z, muitas vezes associada a uma maior consciência ambiental: “A procura de espaços que são eficientes, que têm áreas de bem-estar, é também, para as empresas, uma forma de retenção de talento. As pessoas têm vontade de ir para um espaço onde se sentem confortáveis, onde à hora do almoço vão para um jardim, vão comer ou vão fazer um piquenique na rua, em vez de estarem no meio da cidade, no meio do trânsito, no meio de um barulho que é ensurdecedor.” E dá como exemplo a visitar a Quinta da Fonte, gerida pela Acacia Point.
Para o head of sustainability da Savills, “os edifícios são para as pessoas e têm a função de as servir”, por isso, “é muito importante construir de maneira que as pessoas sintam que a sua saúde não está posta em causa dentro dos edifícios”.
Eficiência energética influencia preço e financiamento
Portugal ainda está a duas velocidades no que toca à sustentabilidade de edifícios novos e antigos, mas a verdade é que o setor está a valorizar cada vez mais a eficiência energética e isso vai-se refletir tanto no preço de venda dos imóveis como no financiamento. Na opinião de Luís Rocha Antunes, da Acacia Point, gestora de fundos imobiliários, o valor também vai ser influenciado por duas vertentes – a procura e o conforto: “Entre dois edifícios, um eficiente e outro não eficiente, os arrendatários já escolhem o eficiente. Ainda não temos a evidência da diferença da renda, mas também vai existir: primeiro, para cumprir com critérios próprios e, segundo, porque a fatura energética, o conforto térmico, a qualidade ambiental para quem está nesse edifício é maior.” Apesar de prever que o valor das rendas vai aumentar, o managing director da Acacia Point assegura que, no final, o consumidor poupa: “Alguns estudos que temos têm-nos dado valores entre 20% e 30% de redução de custos, quer na fatura energética, quer na fatura da água. Portanto, o consumo reduz e os edifícios, inclusive, ficam mais resilientes porque são transformados em edifícios sustentáveis, que se adaptam melhor a alterações climáticas, o que prolonga o tempo de vida dos edifícios e torna-se mais económico para o bolso de quem os habita.”
A exposição a alterações climáticas e a fenómenos extremos é outro dos fatores que já influenciam o preço de venda: “Hoje, em qualquer due diligence na compra de um ativo imobiliário, um dos primeiros fatores que se tem em conta é a análise de quatro ou cinco parâmetros imobiliários que podem ter um impacto direto no valor do imóvel. Está ou não em zona inundável, está ou não em solo contaminado, está ou não em zona costeira, qual é a estabilidade do solo… Qualquer investidor bem informado tem de fazer essa análise”, assegura Luís Rocha Antunes.
Já existem inclusivamente ferramentas para medir este risco climático – uma das quais está a ser desenvolvida em conjunto com a Savills, tal como explica o head of sustainability da empresa, Nuno Fideles: “Estamos, neste momento, a apoiar uma entidade portuguesa a desenvolver uma ferramenta destas, porque achamos que quanto mais soluções existirem a este nível, melhor. Desejamos que seja fácil a qualquer pessoa chegar ao local onde quer construir, onde tem o seu imóvel, e perceber quais os riscos a que o seu imóvel está exposto ou que pode vir a ter. A Prociv, a Autoridade de Proteção Civil, já tem um miniprograma, mas deve ser ainda mais user-friendly, de forma a que as pessoas percebam quando estão a comprar. Os bancos já solicitam esta informação na compra de um edifício ou de um apartamento para perceber onde é que estão a apostar o seu dinheiro na hipoteca. Por isso, torna-se essencial esta informação estar ao acesso do público em geral.”
Neste contexto, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) desenvolveu um simulador que identifica vários destes riscos. Segundo Filipa Carmona, responsável de Sustentabilidade da CGD, o banco sentiu necessidade de conhecer o que está a financiar e de saber os riscos a que as suas contrapartes estão expostas. Por isso, desenvolveu um simulador que avalia cerca de 11 riscos a que aquela contraparte está sujeita. “Desde o risco de incêndio, inundação, seca, entre outros. Este simulador utiliza informação pública, que é dada pela Autoridade Nacional da Proteção Civil. No caso do financiamento a grandes investimentos no imobiliário, olhamos para outros indicadores. Por exemplo, a altura ou nível médio da água do mar, a localização exata na zona costeira, entre outros indicadores que nos fazem concluir sobre um potencial risco físico que aquele ativo possa ter, explica Filipa Carmona, prosseguindo: “No caso de ultrapassar determinados níveis, é colocado em cima da mesa o papel de mitigação. Pedimos ao nosso cliente que identifique qual é o seu plano de mitigação aos riscos físicos ou, inclusivamente, um plano de continuidade de negócio, no caso de empresas que não sejam do setor imobiliário, ou ainda um seguro ajustado àquilo que são os riscos físicos que estão, na verdade, em causa, porque os seguros, naturalmente, cobrem um conjunto de riscos físicos, mas nem sempre cobrem todos.”
“Construir sustentável não é construir mais caro”
Apesar de os edifícios sustentáveis poderem ser mais caros do lado da procura, Nuno Fideles, da Savills, assegura que é necessário desmistificar que “construir sustentável não é construir mais caro”: “Posso fazer um investimento inicial, mas vou buscar dinheiro poupando na fatura da energia, no gasto de água e até na parte térmica do edifício. Por outro lado, se planear atempadamente, seja na reconstrução do edifício, seja no edifício novo, consigo ter um controlo de custos muito grande. Existem vários estudos feitos ao longo dos últimos 20 anos que demonstram que construir sustentável tem um impacto de cerca de 2% a 3% num custo final de obra, mas o retorno, em termos financeiros, é 20% a 30% de ganho.”
No que diz respeito a financiamento, a CGD tem soluções para apoiar as famílias e as empresas a fazer esta transição para uma economia de baixo carbono ou uma economia circular. De acordo com Filipa Carmona, “a Caixa tem vindo a definir um conjunto de soluções que apoiem os clientes, como a linha de crédito de descarbonização e economia circular, que tem como objetivo apoiar as empresas a fazer melhorias nas suas linhas de produção e nos seus processos de negócio”. Esta linha decorre também de um contributo da CGD em “alinhar-se com as medidas definidas no Plano Nacional de Energia e Clima, com objetivos próximos a 2030”.
Em relação aos particulares, a CGD também tem “produtos específicos” para apoiar a transição energética como o “crédito habitação mais eficiente, que tem como objetivo sensibilizar os clientes na escolha de casa”. E, por isso, ao escolherem uma habitação que tenha certificado energético A+, A ou B, “vão ter condições mais favoráveis de concessão de crédito, por exemplo, uma redução de 15% no spread, a isenção de comissões contratuais ou o alargamento de prazos”. “Ou o crédito pessoal Casa Mais Amiga do Ambiente, que tem como objetivo fazer pequenas obras para as melhorias nos apartamentos do ponto de vista de conforto térmico”, informa.
No sentido de disponibilizar a informação necessária ao chamado “financiamento verde”, a ADENE tem desenvolvido várias iniciativas de apoio a diversos setores, tal como explica Rui Fragoso: “Há cerca de um ano tivemos a oportunidade de estabelecer um protocolo com a Associação Portuguesa de Bancos (APB), através do qual a ADENE disponibiliza informações relativamente ao desempenho energético dos imóveis. Isto permite à banca não só conhecer melhor as características desses imóveis como também reportar algumas das exigências que tem no contexto europeu”, conta Rui Fragoso, e continua: “Se conseguirmos providenciar mais e melhor informação ao setor financeiro, talvez o setor se sinta confortável a incluir esses critérios nos financiamentos que venham a desenvolver. Tivemos também a oportunidade, há dois anos, de trazer para Portugal uma segunda edição do projeto europeu SMART4EU cujo grande objetivo é apoiar a implementação de hipotecas verdes.