A União Europeia (UE) pretende atingir a neutralidade carbónica em 2050. A cimenteira portuguesa quer alcançar essa meta ainda mais cedo. O objetivo é ambicioso e passa por reduzir as emissões de dióxido de carbono em 37% até 2030, alcançando a neutralidade carbónica antes do prazo estipulado pela UE.
A talk, que conta com a participação de Ana Cristina Ramos, Paulo Rocha, Sandro Conceição, diretores da CIMPOR, e Ricardo Raposo, manager de Pré-Venda e Desenho de Soluções da Vodafone Portugal, aborda a estratégia e as diferentes fases do processo de descarbonização nos vários setores da empresa, com vista ao cumprimento das metas definidas.
Segundo Paulo Rocha, Diretor de Sustentabilidade e Descarbonização da CIMPOR, na primeira fase trata-se de "aplicar um conjunto de tecnologias que já se encontram maduras no setor", na fábrica de Souselas, nomeadamente "utilização de combustíveis alternativos, substituição dos combustíveis fósseis convencionais, melhoria da eficiência energética, modernização das instalações atuais, recuperação de calor residual para a produção de energia elétrica, assim como a utilização de um material que irá permitir reduzir a incorporação de clínquer no cimento". E refere que "a CIMPOR tem investimentos orientados para a utilização de matérias-primas descarbonatadas (sem emissão de dióxido de carbono), em substituição do calcário, assim como uma aposta em energias renováveis e na digitalização dos processos".
Na fábrica de Souselas está em curso um projeto que é considerado pioneiro em Portugal. A produção de "argilas calcinadas, um material cimentício suplementar, ou seja, um material que irá permitir reduzir a incorporação de clínquer no cimento", diz Paulo Rocha. Além disso – acrescenta Sandro Conceição, Diretor Técnico Industrial e de Energia da CIMPOR, o processo de produção das argilas calcinadas já inclui "tecnologias inovadoras para permitir que esse aditivo ao cimento já tenha a menor contribuição carbónica para o produto final", nomeadamente, "hidrogénio, energias renováveis, combustíveis mais limpos". No fundo, justifica, " é um passo adiantado em relação ao que está a ser feito nas outras duas fábricas, num processo convencional de produção de cimento". Outra possibilidade que está a ser explorada nesta fábrica é a utilização de hidrogénio como fonte de energia, substituindo combustíveis fósseis convencionais, ou mesmo como matéria-prima para a produção, por exemplo, de combustíveis sintéticos, é explicado.
Sandro Conceição sublinha que esta primeira fase de descarbonização, que contempla a redução das emissões de dióxido de carbono em 37% até 2030, vai ser concretizada, em grande medida, através da modernização do processo de produção com a instalação de equipamentos mais eficientes. "Temos uma estratégia de melhoria das condições de trabalho e das operações nas nossas duas principais fábricas, em Portugal, em Alhandra e Souselas, onde temos um conjunto de investimentos avultado. Estes investimentos vão permitir que as fábricas tenham equipamentos de última geração, por um lado, para a utilização de combustíveis mais limpos ou com um teor carbónico menor e, por outro, para uma utilização mais eficiente dos recursos de energia". Desta forma, assegura, estas fábricas, e a empresa no seu todo, poderão tornar-se mais competitivas a nível nacional e internacional.
Descarbonização em risco devido à ausência de regulaçãoA segunda fase de descarbonização da empresa vai realizar-se entre 2030 e 2050, embora Sandro Conceição admita que a empresa pretende atingir a neutralidade carbónica "mais cedo".
De acordo com Paulo Rocha, para este período, a cimenteira portuguesa tem prevista uma vertente "mais disruptiva" relacionada com a introdução de tecnologias de captura, transporte, armazenamento e, eventualmente, utilização de CO2, desde que "o quadro regulatório o permita". Isto porque, atualmente, "não existe um quadro regulatório em Portugal que permita o transporte de CO2, seja ele por pipeline, por caminho de ferro ou mesmo por transporte marítimo". E acrescenta que o próprio armazenamento onshore ou offshore não está definido. Além disso, o atual quadro regulatório não favorece a utilização de CO2. Sem esta regulação, Paulo Rocha assegura que a empresa "não consegue reduzir as emissões de carbono" porque "60% são emissões de processo, ou seja, as chamadas hard-to-abate emissions. Por isso, deixa o alerta: "É algo que está a ser feito na Europa a um ritmo bastante elevado. Há projetos em inúmeros países e Portugal não pode ficar para trás."
Neste contexto, a CIMPOR preparava-se para apresentar uma proposta de projeto ao Governo mas, tendo em conta a atual conjuntura política, os responsáveis da empresa temem que as discussões possam ficar adiadas e atrasar o projeto. "Uma das grandes dificuldades que a indústria tem hoje, em particular a nossa, é ao nível dos licenciamentos e do financiamento, o que torna difícil realizar um projeto em Portugal", afirma Sandro Conceição. "Temos muito interesse em concluir estes projetos o mais rapidamente possível, por todas as questões relacionadas com competitividade e pela sustentabilidade do negócio", assegura. Todavia, existe "sempre uma barreira relacionada com o mais ínfimo pormenor de licenciamento, seja licenciamento de construção, de utilização ou ambiental". Na opinião do Diretor Técnico Industrial e de Energia da CIMPOR, "todos estes vetores têm, do lado da tutela, um tratamento que nem sempre é o mais ágil para as necessidades" da empresa. Além da morosidade dos processos, Sandro Conceição aponta ainda o "desconhecimento daquilo que são as intenções e dos próprios projetos em si". Para si, "o risco de um incumprimento legal tem que ser efetivamente medido", no sentido de tentar perceber "se aquilo que fica por licenciar pode ter um impacto grande na economia" e, por isso, deveria ter "algum tratamento ou acompanhamento próximo que possibilitasse à indústria evoluir mais rápido".
No que diz respeito ao financiamento, Sandro Conceição também considera que há "uma diferenciação" entre o que acontece em Portugal e no resto da Europa: "O PRR nem chegou a 30% daquilo que era objetivado para ser utilizado ao nível industrial. Tudo o resto funcionou para a atividade pública e a indústria ficou para trás. E a indústria que conseguiu concorrer, hoje, pela morosidade dos processos de licenciamento, pela dificuldade de mão de obra, por questões relacionadas com entregas de equipamentos, com a covid, pode correr o risco de não conseguir acabar os projetos em tempo útil e, desta forma, o PRR ter sido uma oportunidade perdida". Além do PRR, afirma também que existem "outros financiamentos, a nível europeu, mais virados para a utilização industrial", no entanto, dizem respeito a "grandes projetos europeus", para os quais "Portugal acaba por não conseguir ter escala", ficando desfavorecido por não ter "a mesma igualdade de oportunidades para competir que têm os restantes países da Europa".
Apesar dos desafios, Paulo Rocha assegura que a empresa está comprometida com as metas a que se propôs, até porque tem "um programa de descarbonização validado pelo Science Based Targets Initiative, o SBTi", uma entidade independente internacional que valida e acompanha as práticas e estratégias de descarbonização das empresas assegurando que não se trata de greenwashing.
10.500 sensores a monitorizar em tempo real no mundo…A estratégia de descarbonização da CIMPOR também passa pela digitalização dos processos nas fábricas, o que, num ambiente industrial, se pode tornar mais desafiante. A fábrica de Alhandra é, segundo a empresa, "a mais antiga do mundo a operar", com 130 anos, e pretende ser "uma das mais modernas".
Segundo Ana Cristina Ramos, Diretora de Excelência Operacional da CIMPOR, a empresa "lançou um desafio à área operacional: "Acompanhar estes novos projetos de descarbonização de uma forma digital, ou seja, fazer a transformação digital das unidades operacionais, não só na fábrica de Alhandra, mas em todas as unidades de Portugal, portanto, em Souselas, Loulé e na área também dos betões."
De acordo com a Diretora de Excelência Operacional, este processo de digitalização consiste no desenvolvimento e implementação de um conjunto de ferramentas que vão apoiar o negócio da empresa na tomada de decisões em tempo real, muito mais precisas, de forma a melhorar a eficiência e o resultado de todos os processos fabris seja na área de manutenção, produção e qualidade, e nestes novos projetos de sustentabilidade.
Um dos pontos de partida, refere Ana Cristina Ramos, foi perceber como iam avaliar e analisar todos os ativos, leia-se máquinas, processos, produtos ou recursos, em tempo real, seja para uma prestação de serviço ao cliente interno, que são as unidades operacionais, ou para o cliente externo. Aqui "houve a necessidade de incluir novas ferramentas que permitissem analisar esses ativos de uma maneira diferente", nomeadamente "sensores IoT, drones, óculos digitais ou toda a parte de tratamento de imagem" que não existia nas fábricas."
A Diretora de Excelência Operacional conta que a digitalização da CIMPOR assenta em três pilares. O primeiro passa pela quantidade e qualidade de dados recolhidos nas fábricas e o tratamento e visualização dessa informação. O segundo assenta na necessidade de formar os nossos recursos para estarem preparados para esse desenvolvimento. Retirando-lhes tarefas de menor valor acrescentado e permitir que desenvolvam trabalhos com mais valor acrescentando, atraindo e retendo deste modo mais talento na nossa organização. E o terceiro numa outra ferramenta, que é a utilização de machine learning e de inteligência artificial – para tratamento e gestão de toda esta informação Big Data que nos ajudam na tomada de decisão.
O facto de existir "uma quantidade enorme de dados que humanamente era impossível tratar" fez com que fosse necessário "analisar qual era a melhor solução para que esta informação toda circulasse dentro das fábricas" da CIMPOR, informa Ana Cristina Ramos. E foi aqui que entrou a Vodafone, com a colaboração da Ericsson e da SAP, com o projeto "MPN 5G Standalone", que foi pioneiro na indústria pesada. "Uma MPN 5G Standalone é uma rede privada móvel assente em 5G e o projeto nasce precisamente desta visão da CIMPOR relativamente ao seu processo de transformação e à necessidade de ter um número muito elevado de dispositivos em todo o complexo fabril conectados com elevada velocidade e com baixas latências, para que esta comunicação seja, de facto, em tempo real", refere Ricardo Raposo, Manager de Pré-venda e Desenho de Soluções da Vodafone. Apesar de a Vodafone já ter feito anteriormente provas de conceito onde a tecnologia já tinha sido validada, "a primeira grande implementação foi na CIMPOR", sublinha.
Esta rede privada diferencia-se da rede pública na medida em que está dedicada exclusivamente à CIMPOR, o que permite ter "uma previsibilidade total na comunicação dos dados e definir quais são os que têm de ser tratados com maior prioridade", assim como oferece "uma segurança ainda maior", acrescenta o responsável da Vodafone.
… 2 mil em PortugalA CIMPOR vai ter cerca de 10.500 sensores em todas as fábricas do grupo, espalhadas pelo mundo. Nas fábricas portuguesas serão cerca de dois mil sensores e "todos vão funcionar na rede 5G", afirma Ana Cristina Ramos. "Se não fosse o suporte de toda esta infraestrutura, era impossível montar todos estes sensores", assegura. Na prática, estes sensores IoT servem para monitorizar todas as máquinas em tempo real e permitir que os técnicos consigam tomar decisões também em tempo real. Trata-se de uma estratégia preditiva e não corretiva. Portanto, serve para os técnicos "conseguirem atempadamente tomar as ações que são necessárias antes de haver uma avaria", explica a diretora de excelência operacional.
Apesar de os drones já serem utilizados em diversas áreas, na indústria do cimento foi "um upgrade", garante Ana Cristina Ramos. "Já temos sete drones nas nossas fábricas com conexão via 5G. O que é que isso permitiu? Neste momento, conseguimos ter um seguimento dos projetos através de voos de drones diários, que permitem também realizar reuniões à distância, porque nem sempre todos os engenheiros estão na mesma fábrica". Além disso, permitem desempenhar algumas tarefas com maior segurança. "Hoje conseguimos ir a locais que, no passado, só alcançávamos montando andaimes ou utilizando alpinistas, sendo o risco associado mais elevado", recorda.
A informação é recolhida no momento, o que permite que "os utilizadores possam estar no gabinete a tomar decisões" e a "fazer relatórios imediatos", ao contrário do que acontecia anteriormente. No passado, não era assim. Recolhiam a informação no campo, depois retornavam ao gabinete, tinham que analisar fotografias de máquinas fotográficas ou de telemóveis. "O tempo que poupamos hoje nestas atividades é extremamente importante para a eficiência das nossas equipas operacionais", garante.
Óculos inteligentes fazem a diferença nas unidades fabrisEntre as ferramentas inovadoras que a CIMPOR está a utilizar nas fábricas para melhorar a eficiência dos seus processos estão os smart glasses. "Relembramos a altura da pandemia, quando tínhamos problemas nas fábricas e precisávamos de assistência à distância, era impossível os técnicos deslocarem-se. Tínhamos muita dificuldade em comunicar nesses períodos. Agora, estes smart glasses permitem que façamos uma assistência remota, à distância, com exatidão porque, com esta rede 5G, não há latência em termos de voz e de imagem", conta Ana Cristina Ramos. Além disso, "também servem para que as pessoas com menos experiência consigam utilizar os óculos nas unidades fabris, no meio da fábrica, porque, ao estarem ligados ao 5G, conseguem ter os seus percursos de trabalho diretamente nesses óculos para executarem as suas operações".
Nas fábricas da CIMPOR, o tratamento de imagem vai ser realizado com inteligência artificial (IA): "São câmaras que já têm cartões de 5G e estão a começar a ser instaladas em alguns locais estratégicos para possibilitarem o tratamento de imagem. No futuro, através da comparação com imagens padrão, vamos receber notificações, em tempo real, do estado dos equipamentos, que nos permite atempadamente atuar nos mesmos", explica a diretora de excelência operacional.
A rede privada 5G fornecida pela Vodafone, que deverá estar em funcionamento nas três unidades fabris até ao final de agosto, também vai permitir "utilizar carros autónomos nas pedreiras". Tratam-se de veículos "100% elétricos e sem condutor, sendo a sua operação realizada numa sala de comando", o que, segundo Ana Cristina Ramos, permite "minimizar o impacto em termos de segurança" nas pedreiras, otimizar turnos, dar resposta à escassez de "mão de obra para a condução de carros pesados" e contribuir para a redução de emissões de CO2.
Produção do cimento e do betão vai incluir ferramentas de IA e machine learningAlém dos sensores, dos drones e do tratamento de imagem, a forma de produção do cimento e do betão também vai incluir ferramentas de inteligência artificial e machine learning. No que diz respeito à produção de cimento, o software de IA vai permitir controlar, de forma preditiva, a qualidade de produto. "Essa ferramenta está a receber os dados de qualidade de mineralização e de finura de cimento e permite, em tempo real, indicar aos nossos engenheiros como atuar no processo. Antecipando em 28 dias os resultados das resistências do cimento, através da predição, podemos atuar de forma antecipada no nosso processo de moagem", assegura Ana Cristina Ramos. Apesar deste projeto ainda estar em fase piloto, a diretora de Excelência Operacional acredita que vai "trazer vantagens competitivas" não só para os clientes, "com a melhoria de uniformidade do produto final", como para a empresa, que vai "conseguir reduzir o clínquer" e "ajustar a finura no cimento", de forma a "reduzir as emissões de CO2 no cimento".
No que diz respeito ao betão, "os dados das centrais de betão são combinados com os novos sensores instalados nos carros botoneiras, permitindo o acompanhamento da qualidade do produto até ao cliente final". "Desta forma, a CIMPOR "garante um controlo completo até ao fim da cadeia", conclui Ana Cristina Ramos.