A certeza é de António Costa Silva, gestor e professor do Instituto Superior Técnico Jubilado, e autor da “Visão Estratégica”, que serviu de base ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Contudo, “se o Estado e a máquina administrativa do Estado não fizerem o seu trabalho, não vamos chegar a sítio nenhum”, acrescentou.
Numa conversa moderada por Catarina Caria, analista de política internacional, durante a entrega da 5.ª edição do Prémio Inovação em Prevenção Ageas Seguros, António Costa Silva assegurou que “a economia portuguesa é resiliente” e explicou que, na sua perspetiva, existe “um hexágono de fatores que está a operar na economia portuguesa”.
O primeiro tem que ver com “a capacidade exportadora do país”. “Nós abrimos o século XX e as exportações representavam cerca de 22 a 23% do PIB. Em 2022, chegaram a 50% do PIB. O país tem uma capacidade exportadora maior, isso significa que está a fazer mais inovação e a inovação pode ser o motor da transformação do país. Temos de ter muito cuidado, porque 70% das nossas exportações vão para a União Europeia, a Alemanha está em recessão há dois anos, França tem os problemas que tem, e, portanto, o grande desafio das empresas é diversificar os mercados e diversificar os produtos”, afirmou.
Outro dos fatores passa pela força de trabalho em Portugal: “No fim de 2023, que foi o último ano em que estive no governo, a força de trabalho, em Portugal, era de mais de 5 milhões de pessoas. E desses 5 milhões de pessoas, 34% têm formação superior. Nunca tinha acontecido antes na história do país. Estas pessoas, quando chegam à gestão de fábrica, são absolutamente transformadoras em termos da capacidade de inovação, de reorientar e reorganizar as cadeias produtivas. Vimos aqui hoje alguns exemplos como mudar o espaço de trabalho para minimizar os acidentes. Inovar é um estado de espírito e nós temos isso hoje de forma crescente.”
Depois, acrescenta o gestor e professor, “esta inovação está a ser traduzida ao nível das patentes que o país regista” e “estas patentes são absolutamente extraordinárias porque significam que o país e as empresas estão a prestar atenção ao capital intangível e à defesa da propriedade intelectual e isso é absolutamente decisivo em termos de futuro”.
Outra das vantagens da economia portuguesa que compõem o hexágono é a capacidade de atração de “investimento direto estrangeiro produtivo”, sustentada em “quatro grandes ativos”: a localização geográfica, os preços de energia “competitivos”, os recursos humanos e o número cada vez maior de empresas tecnológicas, que são “o motor da inovação”.
Gestor e professor fala nos entraves à decisão
Apesar destes fatores que contribuem para a resiliência da economia portuguesa, António Costa Silva admite que “o Estado português tem uma máquina que é napoleónica”. Apesar de ter "muita gente de qualidade”, muitas vezes, a “máquina” do Estado “não responde na altura adequada”. “Há muita burocracia, há muita redundância, há disfuncionalidades e há uma figura no funcionamento do Estado português, que são as chamadas tutelas partilhadas. Às vezes, as pessoas perguntam porque é que no [Ministério do] Mar não avançámos ainda mais. O mar hoje já representa cerca de 5% do nosso PIB. Podíamos fazer muito mais. Mas no mar intervêm 18 organismos diferentes, que dependem de seis ministérios diferentes. E, portanto, aquilo que nós fazemos nas empresas, que é a simplificação de procedimentos, da organização e da capacidade de decisão, às vezes, não existe. E, mesmo com a boa vontade de muitas das excelentes pessoas que temos na administração pública, muitas vezes, os projetos ficam bloqueados. E é isso que temos de superar”, afirma o ex-ministro.
Empresas portuguesas na sombra, mas a dominar o mundo
No que diz respeito à capacidade de inovação, António Costa Silva chama a atenção para a ausência de cultura do erro em Portugal. “Quando fui a Stanford, numa das estadias para o MBA, um dos professores dizia: ‘Por cada empresa de sucesso aqui em Stanford, cinco falharam. E nós, em Portugal, o que é que fazemos? Intolerância ao fracasso. Como disse o Michael Jordan: ‘Falhei uma vez, duas vezes e três vezes e só depois disso é que tive sucesso’”, partilha. No entanto, o professor universitário destaca inúmeros exemplos de empresas portuguesas que estão a “dominar o mundo” e, muitas vezes, não são conhecidas do público em geral. É o caso, por exemplo, da Sound Particles, da Artnovion, Feedzai, TechnoPhage, Bluepharma ou da Promptly Health.
No que diz respeito ao financiamento, António Costa Silva considera que o facto de o tecido empresarial português ser “muito fragmentado” faz com que o acesso a formas de financiamento “menos convencionais”, como, por exemplo, o capital de risco, seja ainda “um entrave muito grande”. No entanto, assegura que a aversão ao risco “já está a mudar”: “Se for a 2015, as nossas start-ups, em termos de capital de risco, atraíram 20 milhões de euros. Mas se for ao fim de 2023, chegámos a 1.200 milhões. Nós aumentamos 60 vezes.” Apesar de Portugal estar a dar “estes saltos”, o ex-ministro destaca que “o casamento da burocracia portuguesa com a burocracia europeia” faz com que, muitas vezes, as empresas portuguesas fiquem “prisioneiras” das regras.
Transformação do tecido empresarial português eleva empresas a outro patamar
Nuno Pinto de Magalhães, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP) e presidente do Conselho de Administração da Central de Cervejas, assegura que tem assistido a uma mudança cultural nas empresas de “reativa” para “preventiva” e dá um exemplo da empresa onde trabalha “há 50 anos”. “Um dos riscos maiores que tínhamos na nossa atividade, e que tinha que ver com doenças ocupacionais ou profissionais, era o problema do ruído. As nossas linhas de enchimento têm um barulho enorme por causa das garrafas e nós tínhamos problemas de surdez profissional permanente. Nos primeiros anos, resolvíamos com equipamentos de proteção individual. Mas estudámos e desenvolvemos [uma solução] com os trabalhadores: a insonorização do enchimento”, conta. Numa conversa a propósito da categoria “Pessoas” e com o tema “Inovação que transforma a prevenção e a segurança nas equipas”, moderada por Camilo Lourenço, Lénia Dias, head of Quality, Safety and Environmental Department na Anywind – vencedora da 4.ª edição do Prémio Inovação em Prevenção na Categoria Pessoas –, explica que, desde que implementaram uma “cultura de segurança” na empresa que “o reporte foi muito maior”, “os incidentes baixaram imenso e os índices de sinistralidade estão como nunca estiveram antes”.
Já Paula Soromenho, Quality Environment and Safety Lead na Seth, que recebeu uma menção honrosa na 3.ª edição do Prémio Inovação em Prevenção Ageas Seguros na categoria “Ambiente”, a propósito do programa “Escolhas Conscientes”, defende que “não são precisas grandes transformações” para ser mais sustentável. “Tínhamos algumas iniciativas que não estavam sistematizadas, eram pontuais. Por exemplo, priorizávamos fornecedores que tivessem materiais com maior percentagem de reciclados. E dissemos ‘ok, isto funciona em uma ou outra empreitada, porquê não ser transversal a toda a empresa?’ Outra coisa foi: conseguimos aumentar a reutilização dos nossos resíduos numa determinada empreitada. Na área marítima, não existe um catálogo para escolher equipamentos de proteção coletiva. Temos de os desenhar e certificar. E, muitas vezes, funcionavam numa empreitada e na outra já não. Então, houve um reaproveitamento dessas estruturas metálicas”, explica.
Pedro Matias, presidente do Conselho de Administração do ISQ – parceiro desde a primeira hora do Prémio Inovação em Prevenção Ageas Seguros –, sublinhou que as empresas portuguesas estão “num estado de maturidade” e “já interiorizaram” que precisam de ter “uma cadeia de valor o mais sustentável possível”, não só porque os clientes e os próprios colaboradores, cada vez mais, assim o exigem, como também porque o cumprimento dos critérios ESG (Environmental, Social and Governance, ou seja, ambiental, social e governação) é cada vez mais relevante para a internacionalização das empresas e na obtenção de financiamento.
Na terceira conversa, dedicada à categoria “Património”, Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), lembrou que o património não são apenas os ativos “tangíveis”, mas também os “intangíveis”, em particular, “os reputacionais”. A Vantage Towers foi a vencedora da 4.ª edição do Prémio na categoria “Património”, o que, para Ana Teixeira, head of Infrastructure na Vantage Towers, foi uma motivação para “continuar a concorrer” pela relevância e o impacto que o tema de prevenção tem nas organizações.