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“Os empresários estão numa fase de grande saturação” com os travões ao investimento

O presidente da AIP afirma que muitos empresários recusaram responder ao inquérito por receio de prejudicar os próprios processos. Denuncia uma “burocracia cancerosa”, má afetação de recursos e processos que exigem pareceres de 13 entidades. Critica a falta de suporte hierárquico para decisões técnicas e deixa uma sugestão: “Só é preciso vontade de mudar.”

José Eduardo Carvalho, presidente da AIP
José Eduardo Carvalho, presidente da AIP Paulo Duarte
07:15

O inquérito da AIP conclui que há 1,3 mil milhões de euros de investimento bloqueados por entraves ambientais e urbanísticos. Isto é sintoma de ineficiência administrativa ou de resistência política à simplificação?

Este montante de investimento bloqueado por entraves ambientais é a ponta do icebergue, cuja verdadeira dimensão não está quantificada. Resulta apenas de respostas ao inquérito de mais de duas centenas de empresas. Muitas delas até se recusaram a responder por receio de prejudicar os seus processos.

Esta situação é um dos principais problemas que afetam o país e não há coragem para o enfrentar. O conflito entre o crescimento económico e a proteção ambiental não é enfrentado nem pelos partidos políticos, nem pelas confederações e associações empresariais. É um tema tabu na análise da política económica, por muitas razões, mas também por cobardia. Como diz o eng.º Carlos Tavares [ex-CEO da Stellantis] preferimos pactuar com uma “burocracia cancerosa” do que enfrentar o desgaste da implementação das reformas.

Tudo isto é o resultado duma confrangedora relutância de reformar e enfrentar interesses instalados no aparelho de estado, da ineficiência administrativa, e da incapacidade de proceder à simplificação na tramitação dos procedimentos e das normas que enquadram estes processos.

Quase metade dos projetos aguardam decisão há mais de dois anos. O que explica tamanha lentidão — falta de meios técnicos ou excesso de entidades com poder de veto?

Sempre que se constatam ineficiências administrativas, não podemos atribuir a falta de recursos humanos. Nos últimos anos entraram mais de 100 mil pessoas para a administração pública. Só uma má afetação de recursos pode explicar a falta de meios técnicos, que efetivamente existem, nalguns organismos que interagem com a atividade económica e empresarial. Tem de haver capacidade de resposta. Estamos a falar de investimento, crescimento económico e criação de riqueza. Alguma vez se pode admitir que haja necessidade de obter pareceres de 13 entidades na elaboração dum plano de pormenor simplificado? 

As empresas apontam a APA, as CCDR e o ICNF como principais responsáveis pelos bloqueios. O problema é estrutural ou é uma questão de liderança dentro destas entidades?

Problema de liderança não. Talvez seja necessário fazer a reestruturação de algumas dessas entidades. As empresas fazem-no com frequência para se adaptarem à evolução do mercado. Procedem a mudanças de equipas, de lideranças, de procedimentos, de métodos de trabalho, de modelo de gestão. Não se pode esperar três meses para que técnicos de algumas destas entidades possam deslocar-se ao local para avaliarem e fundamentarem os seus pareceres técnicos. Temos de admitir que se bateu no fundo, e os empresários estão numa fase de grande saturação com estes assuntos.

O estudo refere preconceitos ideológicos e falta de suporte hierárquico nas decisões técnicas. Está a dizer que há técnicos com medo de decidir?

Estes organismos enfrentam dois tipos de problemas. Primeiro não conseguem atrair técnicos jovens devido às remunerações que pagam. Segundo, há um forte escrutínio sobre as decisões. E como não há suporte hierárquico para elas, é preferível não decidir ou decidir negativamente. Quem perde com tudo isto é o país.

Portugal discute há anos a simplificação do licenciamento. Depois deste retrato, acredita que há vontade política real para mudar ou o sistema vive da lentidão?

Em qualquer inquérito se opinião há sempre três principais problemas que preocupam os empresários: a legislação laboral, a morosidade da justiça e os problemas de licenciamento com efeitos no investimento. Todos são difíceis de ultrapassar, mas este último compromete diretamente a criação de riqueza no país. Contudo, parece-me que é o mais fácil de mitigar os efeitos negativos. Não é tão fraturante em termos sociais e económicos como o primeiro, não é tão complexo como o segundo. Só é preciso vontade de mudar.

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