Desde de Setembro de 2016 que José Galamba de Oliveira preside à APS (Associação Portuguesa de Seguradoras), depois de ter liderado a Accenture Portugal durante dez anos. A sua missão tem duas grandes vertentes. A primeira é comunicar e dar a conhecer à sociedade a importância do sector segurador para a economia portuguesa. A segunda tem a ver com a melhoria da rentabilidade do sector. Baseia-se num conjunto de cinco vectores estratégicos como o aumento da massa segurável, identificação dos pontos de melhoria e simplificação administrativa na legislação dos vários tipos de seguro, a eficiência interna das seguradoras, o conhecimento e avaliação de risco das carteiras dos associados e fazer a identificação de más práticas no sector.
Numa análise do sector segurador ressalta o crescimento do ramo Não Vida, mas com o desafio da rentabilidade. Como é que se dá a volta?
Nos últimos dois anos tivemos um crescimento do ramo Não Vida. Como a economia começou a crescer o volume de produção aumentou, o que é bom para o sector depois dos anos difíceis que atravessou.
O grande desafio de facto é a rentabilidade e por duas razões. A primeira é que, com a baixa das taxas de juro, as seguradoras deixaram de poder compor os seus resultados técnicos negativos com os ganhos nos resultados financeiros. Há uma pressão adicional para se melhorar o resultado técnico destes ramos.
O segundo ponto é que tem havido um aumento da sinistralidade, um pouco acima do que era expectável, o que se combate com mais prevenção e mais protecção. Junto dos tomadores de seguros tem de se sensibilizar para haver muito mais protecção e mais prevenção, o que é evidente nos acidentes de trabalho e no automóvel. Depois também ao nível dos custos de estrutura, têm de fazer o mesmo com menos recursos tendo ganhos de eficiência.
O ramo Vida diminuiu de dimensão. O que as seguradoras, pela sua parte, podem fazer para o resolver tendo em conta que neste capítulo a poupança é essencial?
Neste ramo temos dois aspectos. O Vida risco, que é parte menor no negócio do ramo Vida, cresceu porque nos últimos dois anos o crédito à habitação já recuperou. Vamos ouvir falar de novos produtos vendidos "per si", com coberturas adicionais como o "long term care", o apoio na velhice. Pode-se combinar um seguro de vida com outras componentes. Este tipo de seguros já está muito desenvolvido noutros mercados.
O Vida financeiro, que contempla os produtos financeiros para captação de poupança de longo prazo, teve um decréscimo muito significativo na produção nos últimos dois anos. Os produtos tornaram-se menos atractivos devido à baixa taxa de juro e às exigências de Solvência II, que tornam estes produtos mais exigentes em capital para as seguradoras.
No último trimestre de 2016 começou a inverter-se a curva e no primeiro trimestre de 2017 há já um crescimento deste sector Vida. As taxas de juro são tão baixas na banca, que devolveram atractividade aos produtos financeiros das seguradoras, que são a longo prazo e têm alguns benefícios fiscais à saída.
A questão da poupança é importante não só para as seguradoras mas também para o país. Têm alguma proposta neste campo?
A poupança tem tido uma tendência decrescente nos três grupos que deveriam poupar: Estado, empresas e famílias. É um problema que exige uma visão nacional, muita coordenação e alinhamento entre os vários intervenientes. Do lado das famílias é necessário repensar a oferta de produtos, muito focados no longo prazo, o que implica incentivos fiscais mais criativos. Se as novas gerações poupam menos talvez se possa dar um incentivo à poupança em função da idade privilegiando os mais novos. Em Espanha fizeram mudanças no sistema de incentivos em 2014 e de facto a poupança cresceu. Estamos a tentar construir ideias para discutir com o regulador e com as autoridades sobre como se pode inverter esta curva da poupança.
O que é que a emergência da tecnologia esta a mudar na actividade seguradora? Qual é o impacto e que importância pode ter tanto mais que é uma das suas prioridades?
A evolução tecnológica causa disrupção em sectores económicos e o sector segurador já está a sentir alguns impactos. Já vemos as chamadas "insurtechs" a lançar pequenas ofertas, mas que põem em causa partes do modelo de negócio global. Significa repensar modelos de negócio. As seguradoras têm-se aproximado destas empresas e têm tentado trazer muita dessa inovação para que as suas organizações, que são maiores e mais conservadoras, possam dar um salto em termos de inovação e de competitividade.
Com o "big data", pode trabalhar-se com dados recolhidos e informação muito mais fidedigna, fazer previsões sobre tendências e desenvolver produtos muito alinhados com as expectativas dos clientes. Hoje já se pode customizar um seguro automóvel mediante o estilo de condução, os principais trajectos utilizados.
A internet das coisas e a multiplicidade dos "devices" pode ajudar na prevenção e diminuição das taxas de sinistralidade. Os caminhos-de-ferro italianos estão a colocar sensores que conseguem antecipar grande parte das avarias e programar.
Quais são os outros grandes desafios? Mais consolidação, mais capital? Qual é a sua visão?
O sector no seu conjunto, segundo os dados do regulador a ASF, está a cumprir os requisitos de capital definidos por Solvência II. Quando entrou vigor em 1 de janeiro de 2016 estava em 128% e agora vai em 147%. O sector tem sabido evoluir e fortalecer-se. Não vejo que vá haver alguma surpresa em termos de capital ou sobre necessidades de capital.
A entrada de novos accionistas no sector teve uma vantagem de separar mais o sector segurador da banca. O capital português foi nos últimos tempos muito lapidado e não há de facto capital português disponível mas o que é importante é que Portugal continue a ser atractivo para capitalizar investimento estrangeiro. É verdade que hoje a maioria das seguradoras estão detidas por capital estrangeiro, mas a gestão continua a ser portuguesa.
O valor não está na apólice, mas no serviço
"Temos de ter produtos que as pessoas percebam o que estão a comprar, que coberturas estão incluídas, quais são os capitais limite e tem de ser feito de uma forma transparente e de uma forma amigável e usando as novas tecnologias" salienta José Galamba de Oliveira, presidente da APS. O seguro tem de ser visto como um valor e não algo que é "um peso, é obrigatório". "É importante para as seguradoras terem propostas alinhadas com as especificidades de cada cliente, ao seu perfil de risco. Temos de ter produtos mais customizados" conclui José Galamba de Oliveira.
José de Sousa, CEO da Liberty Seguros recorre ao "momento da verdade", quando o segurado acciona o seguro. Nessa altura, "a verdadeira proposta de valor, não é o papel da apólice de seguro, mas o que está por detrás dela no momento do sinistro. A grande proposta de valor do sector segurador é oferecer paz de espírito ao consumidor de seguros na protecção de vidas e património a um preço justo. Hoje e sempre".
"Para agradar aos clientes não basta oferecer bons preços, é necessário oferecer um serviço distintivo de valor acrescentado" refere Conceição Tomás, directora de marketing e rede comercial de agentes da Generali. O cliente está cada vez mais desperto para as plataformas digitais, os preços e as características do produto, também "está cada vez mais atento à qualidade do serviço e à multiplicidade de soluções que lhe são oferecidas para gerir as suas apólices", sobretudo quando tem um sinistro ou necessita do apoio da sua seguradora.
Burocracia e ineficiência
"É essencial criar as bases necessárias para desmistificar uma ideia que está enraizada na nossa sociedade e que se traduz na morosidade, excesso de burocracia e ineficiência dos seguros" defende Nuno Luís Sapateiro, associado sénior da PLMJ. Deve haver "desburocratização do seguro no processo de contratação, aferição do risco e gestão do sinistro". Por isso a proposta de valor tem de fazer sentir ao potencial cliente de seguros que o produto apresentado pode ser útil e vantajoso, que a sua contratação e accionamento não exigem grandes formalismos e que existe toda uma rede de profissionais e de meios tecnológicos e digitais que facilitam a relação.
Para Gastão Taveira, CEO da i2S, "é impossível conceber uma proposta de valor, que sirva para todas as companhias de seguros". No entanto considera, que para além dos processos diferenciadores que cada uma tem de encontrar para chegar ao seu mercado e ao seu leque de produtos e serviços, há elementos comuns. São os casos da credibilidade e certeza da protecção pretendida, a facilidade dos processos de negócio e a redução do peso administrativo. A partir daqui "cada companhia tem de encontrar o seu nicho e definir os factores que a diferenciam de todas as outras".