José Pedro Aguiar-Branco 24 de Agosto de 2009 às 12:27

A banalização da anormalidade

O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, disse, há uns tempos atrás, na Assembleia da República, que o seu telemóvel fazia uns ruídos esquisitos, deixando "no ar" a suspeita de que podia estar a ser escutado, sabe-se lá por quem .

O Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, disse, há uns tempos atrás, na Assembleia da República, que o seu telemóvel fazia uns ruídos esquisitos, deixando "no ar" a suspeita de que podia estar a ser escutado, sabe-se lá por quem….

O jornal "Expresso" deu notícia, há uns tempos atrás, que os magistrados que investigam o chamado caso "Freeport", desconfiavam que estariam, também eles, a ser escutados, sabe-se lá por quem…

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A imprensa escrita revela, agora, que na Presidência da República se suspeita que assessores do Presidente são objecto de escutas telefónicas, sabe-se lá por quem…

Nem todas estas suspeitas ocorreram durante o Verão. Assim, mais do que disparates da época, como o primeiro-ministro qualificou as que ocorreram recentemente, a notícia pública da eventual existência de escutas, em relação a instituições estruturantes do Estado de direito democrático, como são a Procuradoria-Geral, o Ministério Público e a Presidência da República, devia ser objecto de uma especial preocupação por parte do governo que deve zelar, em primeira linha, pelo normal funcionamento das instituições. Infelizmente, em Portugal o Governo escusa-se a exercer a sua função, recusa assumir as responsabilidades que lhe competem e limita-se à prática da retórica dialéctica do puro discurso politiqueiro.

O ministro da Justiça, que propõe o Procurador-Geral e tutela a Polícia Judiciária - organismo por excelência da actividade de investigação criminal - remete-se a um estranho silêncio. Como se um problema que condiciona o normal funcionamento da democracia e limita os direitos dos cidadãos nada tivesse a ver com a área de governação de que é responsável.

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O ministro da Justiça podia e devia reclamar do PGR o apuramento da seriedade da notícia pública das graves situações que violam os mais básicos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e dar a conhecer aos portugueses o resultado das suas diligências. Para que todos nós possamos confiar no guardião das liberdades. A credibilidade que o sector da justiça precisa ver restaurada faz-se também da atitude dos seus agentes perante os factos de forte sensibilidade junto da opinião pública.

E o ministro da Justiça é, para este efeito, um agente com especial responsabilidade. O primeiro-ministro, por seu lado, devia ser o primeiro a valorizar a intervenção do seu ministro em vez de o esconder sob a capa da desqualificação dos factos em causa. Ao ridicularizar mais uma notícia sobre alegadas escutas ilícitas, o primeiro-ministro está, novamente, a estimular o sentimento generalizado que os portugueses hoje têm quanto ao condicionamento da sua liberdade, que já teve várias expressões ao longo do mandato deste Governo.

Mas o mau exemplo, nesta matéria, não vem só do Governo.

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O Procurador -Geral, tão pródigo em intervenções mediáticas quando factos dados a conhecer pela comunicação social põem em causa algum membro do governo, remete-se agora ao silêncio quando é dele a primeira responsabilidade pelo impulso da investigação penal. A forma aligeirada como o PGR convive com as alegadas escutas ilícitas que se fazem em Portugal é em si mesmo um factor de insegurança para as pessoas e, sobretudo, de manifestação de impotência do Estado. Impotência inaceitável numa área de soberania que só ao Estado compete exercer.

Também a Procuradora Cândida Almeida, magistrada com especial visibilidade, caprichou em acompanhar o Governo. Mais uma vez, mostrou-se solícita a opinar sobre ética, arguidos e candidaturas a cargos políticos, em momento que aconselhava especial recato a quem deve ser e parecer isento em relação ao processo eleitoral em curso. Curiosamente também ela cala quanto ao que é um dos mais elementares atentados à liberdade e à democracia.

A crise da autoridade do Estado é um acumulado de muitos maus exemplos. E a banalização da anormalidade é, seguramente, um deles. Estes quatro anos e meio de governo socialista estão recheados de muitos outros. E prometem continuar até às eleições. Será mais um forte motivo para, a partir de Outubro, Portugal mudar de primeiro-ministro e de Governo…

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*Advogado e vice-presidente do PSD

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