A Golden (Dark) Share!
A semana política que passou fica marcada pelo negócio PT/TVI. A sucessão repentina dos factos - em apenas três dias, de 4ª feira a 6ª, o negócio foi comunicado, anunciado e abortado -, faz destacar três apontamentos que dão bem nota do desnorte e da falta de sentido de Estado do Governo e, em particular, do Primeiro Ministro.
A semana política que passou fica marcada pelo negócio PT/TVI. A sucessão repentina dos factos - em apenas três dias, de 4ª feira a 6ª, o negócio foi comunicado, anunciado e abortado -, faz destacar três apontamentos que dão bem nota do desnorte e da falta de sentido de Estado do Governo e, em particular, do Primeiro Ministro.
O primeiro tem a ver com o persistente método do Primeiro Ministro em faltar à verdade. No debate na Assembleia da República, José Sócrates em vez de admitir, com a naturalidade de quem está de bem com a sua consciência, o conhecimento da intenção, por parte da PT, da realização do negócio, no qual se englobava parte da TVI, resolveu negá-lo.
Não é plausível, não é normal, não é minimamente verosímil que um negócio que envolve montantes superiores a 150 milhões de euros, com impacto na apreciação da sua influência na liberdade de imprensa, com exigência legal de comunicação prévia à CMVM e com a condicionante do Estado se poder opor à sua realização, por via da Golden Share que detém no capital da PT, que o Primeiro Ministro dele não tivesse notícia. Ou a administração da PT era completamente irresponsável, o que consabidamente não é o caso, ou o governo é indiferente à gestão dos dinheiros públicos - no caso no que possa afectar o valor da sua participação no capital da PT - o que já se podia admitir mas é sistematicamente pelo próprio negado, ou, mais grave, ainda, o governo não atenta aos motivos que justificam a detenção da golden share, o que também já se podia admitir mas o governo capricha em refutar, que só pode ser o da avaliação do superior interesse nacional na concretização, ou não, de qualquer transacção que o possa afectar.
O segundo apontamento tem a ver com a aparente instrumentalização da PT às mãos do governo no que diz respeito à "agenda" dos negócios que tem intenção de concretizar. Não está em causa a bondade do negócio, não obstante alguns analistas de reconhecida competência questionarem a correcção, por excessivo, do preço que a PT se dispôs a pagar pela compra de 30% da Media Capital. O que verdadeiramente surpreende é que nas sucessivas declarações dos seus administradores mais responsáveis, pareça ter estado sempre bem presente o objectivo de "proteger" o Primeiro Ministro quanto à seriedade das suas declarações sem, contudo, nunca terem tido uma afirmação inequívoca quanto à existência ou não de uma informação prévia ao governo. Esta forma de intervir faz temer pela independência e isenção de actuação da administração face ao poder político e reforça os receios da intensificação, em período eleitoral, da claustrofobia democrática de que este governo tanto tem dado mostras ao longo do seu mandato.
Por fim, o terceiro apontamento reside na justificação dada pelo Primeiro Ministro para o veto do Estado ao negócio: "para que não restem dúvidas quanto à intenção de interferir na linha editorial da TVI". O argumento invocado pelo Primeiro Ministro é, por si só, a prova bastante das legítimas dúvidas quanto aos motivos que estavam por detrás de tanto secretismo por parte do governo e, ainda, da falta de sentido de Estado na gestão da "coisa pública". É verdadeiramente extraordinário que o motivo do uso dos poderes inerentes à Golden Share assente numa questão de imagem do Primeiro Ministro e não no superior interesse nacional. O Primeiro Ministro acha normal que para protecção da sua aparente isenção na forma de lidar com os órgãos da comunicação social - já tantas vezes posta em causa pelos próprios visados com as múltiplas denúncias de pressões sobre eles directamente exercidas - inviabilize um negócio supostamente de grande interesse para a empresa participada. O critério de avaliação não foi o do superior interesse da empresa ou do Estado mas sim o específico da imagem do governo. O vício de privilegiar o efeito mediático das suas decisões ao verdadeiro sentido prático das mesmas - presente em tantos e tantos anúncios ao longo destes penosos quatro anos e meio de governo - traiu, desta vez, o Primeiro Ministro quanto à revelação do verdadeiro motivo de toda a trapalhada em que o governo se meteu com este negócio da PT.
O Primeiro Ministro ensaiou em tempos a sua vitimização face a uma suposta campanha negra de que estaria a ser alvo. É caso para dizer que teve agora uma frustrada tentativa de transformar em dark a golden share do Estado no capital da PT…
Advogado e Vice-Presidente do PSD
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