Como se renova uma democracia envelhecida?

A renovação democrática não se concretiza num gesto único, mas sim por meio de uma sucessão de pequenas vitórias e medidas concretas: melhor informação, acessível a um número crescente de pessoas, uma educação focada no pensamento crítico e na literacia cívica, e um envolvimento democrático mais participativo e deliberativo, sobretudo por parte das gerações mais jovens.

É hoje amplamente reconhecido que a democracia liberal atravessa uma fase de desgaste no Ocidente. Este desgaste é multifacetado, sendo marcado pela erosão de confiança nas instituições, pelo aumento da polarização política e por uma crescente apatia cívica, com especial incidência entre os mais jovens. A perceção da incapacidade dos poderes públicos em executar reformas importantes, assegurar o crescimento económico, baixar o custo de vida e possibilitar a mobilidade social intergeracional contribui também para este fenómeno.

É neste contexto que a segunda edição do EuroAmericas Forum 2025, organizado pelo Conselho da Diáspora Portuguesa sob o tema “Longevidade: Motor de Oportunidades Globais”, se apresenta como uma oportunidade de reflexão estratégica. Ao reunir líderes empresariais, diplomatas, decisores políticos e académicos da Europa e das Américas, este encontro transatlântico procurou explorar de que forma o conceito de longevidade pode constituir um catalisador de inovação, prosperidade e resiliência democrática.

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Reconhecendo a complexidade do tema, consideramos que dois fatores assumem particular relevância no que respeita a durabilidade institucional das democracias: a preservação da integridade informativa e o reforço da participação cívica dos jovens.

Integridade informativa

A História ensina que a desinformação e a "misinformation" não são um fenómeno recente. Foi, no entanto, com o declínio da utilização dos media tradicionais e com o aparecimento e universalização das redes sociais que a sua propagação aumentou de forma exponencial. As particulares características dos algoritmos vêm, como sabemos, exponenciar o problema: configurados para maximizar a atenção dos utilizadores e potenciar a partilha de conteúdos sensacionais, surpreendentes e impressivos, estes algoritmos tendem a acelerar de forma dramática a partilha de conteúdos falsos, manipulativos ou distorcidos. Este ambiente digital, onde é vez mais difícil destrinçar a verdade da mentira, vem assim impossibilitar a existência de um chão comum entre os cidadãos, minar a credibilidade das instituições e favorecer, de forma inevitável, o cinismo e a apatia. De forma crucial, a perceção pública dos problemas existentes na sociedade é ela própria também distorcida, fenómeno que assume particular gravidade na medida em que uma correta identificação coletiva dos problemas é essencial para a identificação e eleição de soluções eficazes e adequadas.

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A integridade informativa constitui, assim, um pilar estrutural da resiliência democrática, tão essencial quanto a independência judicial ou o pluralismo partidário. Garantir essa integridade torna-se, assim, um objetivo prioritário, mas não de fácil execução. Acreditamos, no entanto, ser possível vislumbrar possíveis caminhos. Importa, antes de mais, promover uma educação cívica que sensibilize para a importância do pensamento crítico e para capacidade de discernir fontes fidedignas. É também fundamental garantir a existência de um ecossistema jornalístico profissional, livre e economicamente sustentável. Por fim, afigura-se essencial a adoção de quadros regulatórios que, à semelhança do Digital Services Act, estabeleçam modelos de transparência, gestão de riscos e escrutínio coletivo da esfera pública digital. Estes modelos devem impor obrigações processuais às plataformas online para identificar, mitigar e prevenir riscos gerais ou sistémicos – tais como a interferência ou desinformação eleitoral –, garantindo simultaneamente o respeito pelo princípio da proporcionalidade e pelo direito fundamental à liberdade de expressão.

O combate à desinformação e a salvaguarda da integridade informativa devem, portanto, ser feitos com transparência, melhor informação, uma reforçada cultura cívica e um quadro regulatório equilibrado. As democracias duradouras devem proteger a liberdade de expressão ao mesmo tempo que criam as condições para que o discurso público seja informado, plural e responsável.

Participação jovem

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As democracias ocidentais enfrentam um desafio duplo: internamente, o desgaste da confiança pública e a crescente perceção de que os mecanismos tradicionais já não respondem aos desafios contemporâneos; externamente, a pressão de modelos alternativos que prometem eficiência e resultados em detrimento da abordagem mais procedimental e colaborativa própria das democracias e dos pesos e contrapesos inerentes ao Estado de Direito.

Rejuvenescer a democracia requer também, portanto, uma estratégia de revitalização cívica focada num maior envolvimento dos eleitores, e em particular, dos jovens. Uma democracia concebida para durar necessita cidadãos críticos, informados e participativos, não apenas de eleitores ocasionais. Daí a importância de incentivar a literacia cívica - nas escolas, em programas públicos e nas próprias plataformas digitais. O objetivo deve ser o de formar cidadãos capazes de assumir responsabilidade pelas decisões que os afetam e que se invistam de forma pró-ativa no processo decisório público. Nesta medida, novos formatos de participação assumem-se fundamentais para concretizar este impulso, tais como a governação eletrónica (e-governance), as assembleias de jovens ou os painéis de cidadãos, os quais vêm sendo implementados de forma experimental pela Europa. Uma importante ideia adicional seria a de reduzir o limite da idade de voto dos 18 para os 16 anos. Estas ferramentas e medidas têm o potencial de aproximar gerações e eleitores distintos no quadro de um processo democrático mais inclusivo e participativo.

Conclusão:

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Rejuvenescer a democracia é, antes de mais, um exercício multifacetado. Não basta reformar as instituições. É necessário reconstruir o elo de confiança entre os cidadãos e os poderes públicos, hoje profundamente corroído pela desinformação, polarização política e apatia cívica.

A renovação democrática não se concretiza num gesto único, mas sim por meio de uma sucessão de pequenas vitórias e medidas concretas: melhor informação, acessível a um número crescente de pessoas, uma educação focada no pensamento crítico e na literacia cívica, e um envolvimento democrático mais participativo e deliberativo, sobretudo por parte das gerações mais jovens. Finalmente, é crucial salvaguardar a integridade informativa e garantir a existência de uma base comum de factos na sociedade – o tal chão comum que informa de forma crucial as escolhas coletivas públicas – através de uma regulação equilibrada e proporcional dos novos espaços digitais,

Esta modesta proposta-reflexão procura mostrar como as instituições democráticas podem envelhecer com legitimidade e capacidade de renovação, permanecendo sólidas, credíveis e competitivas perante modelos alternativos que põem em causa o próprio espaço da liberdade e da razão pública.

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*As opiniões expressas no presente artigo vinculam apenas os seus autores e não refletem necessariamente as posições das organizações às quais pertencem.

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