O voo de Lindbergh em Albufeira
Fiquei surpreendido por o Presidente da República ter mandado fechar o espaço aéreo em Albufeira, durante o período das suas férias, que é todo o mês de Agosto. Nunca um Presidente o tinha feito. Tentei compreender o homem: ele é o Presidente de todos os portugueses, incluindo eu próprio, e não queria estar perante ele como perante o Oráculo, em Delfos, a ter que tentar adivinhar o que ele queria dizer.
Aliás, já me tinha sentido assim aquando da sua última comunicação ao País, no dia 31 de Julho, em que fiquei com a sensação de que a montanha tinha parido um rato. Diz o Almiro, que dá aulas de Ciências Sociais cá na Escola, que suspeita agora que naquele célebre dia (ou melhor, noite) da semana passada ele ia dizer-nos que ia fechar o espaço aéreo de Albufeira, e que depois algum assessor da presidência o convenceu a não o fazer, com um argumento do tipo:- Ó Senhor Presidente, é a segunda comunicação ao País que faz no seu mandato e a primeira foi sobre o referendo do aborto, assunto que acho que para a maioria dos Portugueses é muito mais importante.
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Olhe que pode cair mal.- Mas eu já anunciei que ia falar ao País hoje, portanto não posso voltar atrás a poucas horas do anúncio. Se não é disto, de que é que eu vou falar? - Ó Senhor Presidente, que matéria inter-institucional é que temos em mãos? Como diz o Almiro, o resto é história.
A verdade é que os empresários algarvios de tudo o que são actividades sazonais que usam o espaço aéreo estão furiosos por estas estarem proibidas. Adeus passeios de helicóptero, publicidade ou fotografias aéreas.
É que não é praticável alugar dois jumbos para segurarem uma faixa com quatrocentos metros de comprimento e 10 de altura para ter letras que se conseguem ver da praia a dois quilómetros de distância.
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Em defesa da medida, diz o responsável pelo Gabinete Coordenador de Segurança que o Presidente da República está sujeito a "um grau de ameaça permanente" e que, por essa razão, "tem legitimidade para solicitar outras medidas de segurança que considere necessárias", o que justifica o fecho do espaço aéreo.
Mas não só isto não sossega estes empresários, como deixa os meus amigos lisboetas preocupados: como ser Presidente é uma ocupação a tempo inteiro, o melhor é transferir-se o Palácio de Belém para Cuba, no Alentejo, ou para as Penhas, pois se o Presidente manda fechar o espaço aéreo quando voltar de férias vai ser bonito. Se isto se passasse nos EUA de há cem anos atrás, já Lindbergh não tinha atravessado o Atlântico.
Então, meus queridos leitores, ficamos com a pergunta: quando deve um Presidente fechar o espaço aéreo?
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O meu amigo e colega Abunda Akaka, da Universidade da Costa do Marfim, explica-o no seu livro "Quand un Politicien s'Envole: Traité Aérien Sur les Menaces Menaçantes".
De acordo com Akaka, um político, ou país, enfrenta ameaças ditas de primeiro grau, que resultam do papel político que o país tem à escala nacional ou internacional, que aumentam consideravelmente quando os governantes tomam decisões controversas ou fora daquilo que até aí tinha sido a prática corrente ou que alteram de forma significativa as relações de forças internas ou externas.
Há, depois, as ameaças de segundo grau, gerais e difusas, não ligadas a nenhum facto, país ou figura em particular. Finalmente, há as ameaças de terceiro grau, mais conhecidas como o síndroma de Pedro e o Lobo, que, a bem dizer, não são ameaças reais: resultam do sentimento de não ser concebível um país ou figura proeminente não estar hoje sob ameaça nenhuma.
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Por esta razão são sobretudo sentidas em momentos de acalmia política ou individual, como os períodos de férias, em que há menos em que pensar. Qualquer destas ameaças pode levar a medidas defensivas, entre as quais o fecho do espaço aéreo.
Fica, assim, meus amigos, ao critério do leitor e ao julgamento da História que razão é válida neste caso de Albufeira. Cá para mim, a medida é mais que justificada: não sabemos se algum rapazinho da Al-Quaeda não se lembra de fazer um ataque de avioneta à casa de férias do nosso Presidente.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos o que pensa de mandar fechar o espaço aéreo por cima das casas de férias dos políticos, Frederico respondeu: "Nada. Os pombos é que se vão queixar."
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