Manuel Caldeira Cabral 14 de Abril de 2015 às 00:01

Diz que é uma espécie de retoma

Os dados divulgados pelo INE que apresentam o desemprego a crescer de 13,6 para 14,5% nos últimos 4 meses levantaram justificadas preocupações sobre que tipo de retoma está a acontecer. De acordo com os dados do INE, houve uma diminuição do emprego em cada um dos últimos 4 meses.

 

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Entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015, Portugal registou um aumento de 40 mil desempregados e uma diminuição de 54 mil postos de trabalho. Algo bastante contraditório com estarmos num processo de retoma sustentado.

O Governo apressou-se a criticar o mensageiro, esquecendo de que é a mensagem que é preocupante.

 

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Há pouco mais de um ano, no último trimestre de 2013, o PIB português, depois de quase três anos seguidos a cair, apresentou uma variação homóloga de 1,4%. Era a retoma, que sempre acontece em todas a crises, e que nesta estava a chegar tarde (dois anos mais tarde do que o previsto pela troika). Mas estava a chegar.

 

A questão que se colocava era se se iria verificar uma retoma forte e sustentada ou apenas uma recuperação lenta.  Muitos consideravam que em face à contracção sofrida e ao nível de desemprego existente, havia espaço para uma recuperação mais rápida da economia, do tipo da que está a acontecer na Irlanda e que aconteceu nos EUA, desde 2010.

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A retoma desejável e sustentada, teria de ser baseada , em primeiro lugar, na recuperação do investimento e na aceleração das exportações. Os números dos trimestres seguintes confirmaram a manutenção de crescimento, mas sem aceleração, e de um crescimento baseado na procura interna, mais do que no reforço do investimento e do crescimento das exportações.

 

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No último trimestre de 2014, o crescimento homólogo do PIB foi de 0,7%, metade do registado um ano antes. O investimento cresceu pouco mais de 2% face aos valores do ano anterior, o que contrasta com a queda de mais de 30% verificada com o ajustamento.

 

As exportações apresentaram, em 2014, o pior crescimento dos últimos cinco anos. E nos primeiros dois meses do corrente ano cresceram ainda menos (cerca de 1% em termos homólogos).

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Todos estes dados sugerem que se mantém a retoma, mas esboçam um quadro de retoma lenta, pouco sólida, e pouco sustentável.

 

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Os dados dos inquéritos confirmam esta ambiguidade. Os indicadores de confiança dos consumidores e de sentimento económico surgem como positivos.

 

Mas do outro lado, o indicador coincidente de actividade económica (BdP) apresenta variações homólogas negativas nos últimos cinco meses. O índice de volume de negócios nos serviços (INE) registou valores negativos desde Setembro de 2014. Os dados para a indústria também não são animadores. Depois de um primeiro semestre de 2014 com variações positivas, o índice de produção industrial apresentou taxas de variação homóloga negativas de Setembro de 2014 até Fevereiro de 2015.

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Isto é ainda mais estranho num momento em que a descida do preço do petróleo e as melhorias no quadro europeu, no crescimento e no financiamento, estão a dar um contributo positivo. Estranho porque, depois de uma contracção tão forte do PIB, do emprego, do investimento e dos salários, e de tantos sacrifícios e alegadas reformas, que deviam colocar o país a crescer com mais força, os dados apresentam uma retoma fraca e hesitante.

A resposta do Governo tem sido apenas a de negar estes problemas, culpar os mensageiros que apresentam estes dados, e afirmar, contra a abundante evidência, que tudo está a correr bem no programa de ajustamento. Não está.

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Nos últimos quatro anos a economia portuguesa ficou mais pobre e mais fraca. Perdeu capital e perdeu força de trabalho, para a emigração e para a desmotivação. Desinvestiu na ciência, abandonou e minou a confiança dos seus cidadãos nas instituições públicas. Prometeram reduzir gorduras. Mas reduziram músculo e cérebro.

 

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Com um "stock" de capital mais baixo, menos trabalhadores, instituições de ciência e tecnologia asfixiadas, e menor confiança dos cidadãos e investidores nas instituições públicas e privadas, é hoje mais difícil conseguir criar a riqueza. Este foi talvez o maior erro da troika e de quem entusiasticamente quis ir mais longe do que esta. A destruição da capacidade de criar riqueza não reforça a solvabilidade de nenhum país.  

  

O maior problema do adiar de uma retoma mais forte é que, ao manter as mesmas condições, mantém o mesmo incentivo à saída de jovens, a mesma incerteza nos investidores, que significam que o país poderá continuar por mais alguns anos a perder "stock" de capital e trabalhadores, perdendo capacidade de produção, se não actuar urgentemente em alterar esta situação.

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Os sinais ambíguos de retoma não são sinais de nenhum sucesso, mas antes um claro sinal de que é preciso mudar de rumo e dar um impulso mais forte à economia.

 

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Professor no departamento de Economia da Universidade do Minho

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