Luís Marques Mendes 14 de Fevereiro de 2021 às 21:43

Marques Mendes: Costa “mudou de atitude” porque “está frágil” e “quer salvar a presidência portuguesa da UE”

As notas da semana de Marques Mendes no seu comentário habitual na SIC. O comentador fala sobre o estado da pandemia, quando vamos desconfinar?, a mudança do Governo face à pandemia, a vacinação e as eleições autárquicas. 6. Governo de salvação nacional (4)

O ESTADO DA PANDEMIA

 

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  1. Um mês depois do confinamento decretado, em que estado é que estamos?
Número de infetados – Há uma redução para metade esta semana. Uma redução muito significativa. Em todas as idades e regiões. Factor RT está em 0,7. Bons indicadores.

Número de internadosAqui há uma redução, sim, mas uma redução bastante modesta. A pressão sobre o SNS continua grande.

Número de doentes em UCI – A situação mantém-se estável num patamar muito alto. Ainda não se iniciou uma tendência clara de redução.

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Número de óbitosHá uma redução considerável. Mesmo assim, os números continuam muito elevados.

 

  1. Três conclusões a tirar:
Estamos a melhorar ao nível de novos infetados. A melhoria é significativa. O que significa que o confinamento está a resultar,

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Mas os resultados são ainda insuficientes. Sobretudo dentro dos hospitais (internados e doentes em UCI). E a verdade é que o confinamento se fez para evitar o colapso do SNS.

Já se vê uma luz ao fundo do túnel. A prova é que, nos dados a divulgar na próxima semana pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDE), Portugal já não deve ser o pior país da UE. Mesmo assim, não se pode relaxar. O fundo do túnel ainda está distante. Há que ter paciência e esperança

 

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            QUANDO VAMOS DESCONFINAR?

 

  1. A grande questão para o futuro é esta: quais são os números aceitáveis para podermos começar a desconfinar? Esta semana, houve duas indicações relevantes: primeiro, uma indicação vinda de um especialista, o Prof. Carmo Gomes, na reunião do Infarmed; a seguir, uma indicação vinda do PR. Ambos apontando, no essencial, para os mesmos números: desconfinar só com 2.000 infetados/dia ou menos; 1.500 internados; 200 doentes em UCI
  1. Admitindo que este objectivo é razoavelmente consensual na comunidade científica e política, vejamos o esforço que ainda temos a fazer:
Número de infetados/diaTemos esta semana uma média diária de 2906 infetados; temos ainda que baixar para 2 mil.

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Número de internadosTemos esta semana uma média diária de 5.531 internados; temos ainda um caminho longo a percorrer até chegar a 1.500.

Número de internados em UCITemos esta semana uma média diária de 839 doentes em UCI; temos ainda uma grande esforço a fazer para baixar para os 200.

 

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  1. Em termos de calendário, segundo o PR e o PM, provavelmente nunca antes do fim de Março. E seguramente mantendo, e bem, um regime apertado de limitações à circulação no período da Páscoa para evitar ajuntamentos. O contrário do Natal.

  

A MUDANÇA DO GOVERNO FACE À PANDEMIA

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  1. Um dos grandes factos da semana é que o Governo mudou a sua atitude face à pandemia. O Expresso até dizia que o PM estava mais pessimista que o PR.
Antes, o Governo era muito facilitista. Defendia confinamentos curtos e suaves. Agora, o Governo está mais exigente. Quer um confinamento pesado e longo. Até fim de Março.

Antes, o Governo queria "salvar o Natal", relaxando e facilitando. Agora, já não quer o mesmo em relação à Páscoa. Não quer nem relaxar nem facilitar.

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Antes, o Governo não se entusiasmava com a ideia de massificação de testes, sobretudo de testes rápidos. Agora, mudou de atitude, face às pressões dos especialistas.

 

  1. Não tenho dúvidas de que um PM mais exigente e menos facilitista é melhor para o país. Mas a grande questão é: por que é que o PM mudou de atitude? Por três razões essenciais:
Primeira: o PM está frágil. O mês de Janeiro fragilizou-o imenso. Percebeu que falhou. Agora, quer recuperar, colocar a situação "dentro dos carris" e não voltar a arriscar.

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Segunda: o PM está muito marcado pelo efeito que esta situação está a ter na Europa e no mundo. A ideia de que somos a Itália ou a Espanha desta segunda fase é um dano forte na imagem e na reputação do país.

Terceira: o PM quer salvar a presidência portuguesa da UE. Mas para a salvar há uma condição indispensável – conseguir realizar no Porto, a 8 de Maio, de forma presencial, a Cimeira da UE e a Cimeira da UE com a Índia. Se não houver cimeira presencial temos um flop. E para haver cimeira presencial é preciso que um mês antes, em Abril, a pandemia esteja controlada e os números estejam ao nível dos melhores da Europa.

 

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A VACINAÇÃO

 

  1. A questão nacional: a vacinação no terreno está a correr bem. Estamos em 18º lugar na UE, ligeiramente abaixo da média da União. Estamos a vacinar ao ritmo possível face às poucas vacinas que temos. E as perspectivas apresentadas pelo novo coordenador da task force são positivas – 70% da população vacinada até ao fim do Verão; o país todo até ao final do ano.

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  1. A questão europeia, com influência em Portugal: devíamos hoje ter muito mais vacinais do que temos. A diferença para menos é brutal no 1º e 2º trimestre:
No primeiro trimestre – menos 2,5 milhões de doses;

No segundo trimestre – menos 3,7 milhões de doses;

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Depois melhora no 3º e 4º trimestres – mais 600 mil doses no 3º trimestre; mais 800 mil doses no 4º trimestre. É aqui que se nota bem o falhanço da UE. A União não foi capaz de impor o cumprimento dos contratos que firmou.

 

  1. A questão mundial: esse é outro problema que também nos diz respeito. Um problema simples e grave: os países ricos podem queixar-se do ritmo de recebimento das vacinas mas têm vacinas; os países pobres, esses, só terão vacinas lá para 2024. E isto suscita três problemas.
Um problema moral – As desigualdades entre países ricos e pobres agravam-se;

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Um problema sanitárioEnquanto a vacinação à escala global não se fizer, não acaba a pandemia. Não acabando a pandemia, há o risco de surgirem novas variantes do vírus nos países ainda não vacinados. Variantes essas que rapidamente chegam até nós. Não estaremos completamente seguros enquanto o mundo não estiver todo vacinado.

Um problema económicoUma parte do mundo não vacinada é uma parte do mundo com limitações económicas. O crescimento económico mundial ressente-se. E, ressentindo-se a economia global, isto é mau para todos. Mesmo na UE e em Portugal.

ADIAR ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS?

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  1. Eleições em Outubro ou em Dezembro é-me relativamente indiferente. Sinceramente, acho que numa e noutra hipótese há vantagens e desvantagens.
Eleições no início de Outubro têm a desvantagem de haver menos pessoas vacinadas que no início de Dezembro. É verdade. Mas em Dezembro há a desvantagem de, já sendo Inverno, haver tempo pior para fazer campanha e ir votar, podendo agravar-se a abstenção.

Assim sendo, acho que vantagens e desvantagens se anulam umas às outras. A vantagem do adiamento para haver mais gente vacinada é anulada pela desvantagem de uma eleição no pico do Inverno.

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  1. O problema maior é outro e pode ser um "berbicacho" enorme: se as eleições autárquicas forem adiadas por dois meses, teremos o OE votado antes das autárquicas. Ora, isto tem consequências sérias: em teoria, pode ser uma vantagem para o Governo e um problema para o PCP.
Uma vantagem para o Governo: se o OE for votado antes das autárquicas, o risco de o OE ter "chumbado" é mínimo. Qual é o partido que quer chumbar o OE e abrir uma crise política em vésperas de umas eleições, correndo o risco de ser logo penalizado nessa eleições?

Um problema para o PCP: pela ordem natural das coisas, o que se espera é que o PCP viabilize o OE. À semelhança do que fez no passado. Só que é um incómodo político enorme para o partido ter que viabilizar o OE em cima de umas eleições. Em vez de aparecer aos olhos dos eleitores como oposição ao Governo, aparece como seu aliado.

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  1. Perante tudo isto, a minha previsão é que o Governo e o PS não vão aceitar a mudança da data das eleições autárquicas. Para não criarem um problema ao PCP, que é o seu aliado mais leal e previsível em matéria orçamental, jogando assim pelo seguro, que o mesmo é dizer garantindo a aprovação do OE depois das autárquicas.

GOVERNO DE SALVAÇÃO NACIONAL?

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  1. Algumas personalidades, à esquerda e à direita, têm vindo a pedir um governo de salvação nacional. Esta semana, o PR disse que "nem pensar". Do que é que estamos a falar? De duas realidades inviáveis e sem sentido.
  2. Primeira: governos de iniciativa presidencial, chamem-se de unidade ou salvação nacional. Isso não existe. É ficção científica.
  • Quem forma governos são os partidos, não o PR. Porque os governos têm que ter apoio parlamentar. E na AR estão representados os partidos, não o PR.
  • É certo que governos deste género já existiram. Antes da revisão da Constituição de 1982. Quando o PR tinha mais poderes do que tem hoje. Mas nem sequer deixaram boa impressão. O primeiro nem sequer passou na AR. O segundo nem sequer um ano de vida teve. O terceiro foi só governo de gestão até eleições. Todos deixaram uma marca de instabilidade e conflitualidade.
  1. Segunda: há também quem pense em governo de bloco central entre PS e PSD. Este é viável constitucionalmente mas é impossível politicamente. Com os dois partidos de centro juntos no Governo, isto significava dar uma força imensa aos extremos. O Chega e o BE passavam a ter uma avenida para crescer. Passavam a ser a verdadeira oposição, radical e populista.

 

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  1. As soluções propostas, como se vê, são inviáveis. Mas, atenção: por detrás destas propostas, não há só sebastianismo. Há também causas legítimas e pertinentes; desespero com a situação que se vive; desilusão com a acção do Governo; descontentamento com a falta de alternativa. E estas causas merecem atenção. É preciso combater soluções sem sentido. Mas é preciso também tratar das causas que lhe dão origem.

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