A imaginação dos burocratas
Recordo-me que quando exerci as funções de presidente da Câmara de Lisboa entre 2002 e 2005 consegui um dia celebrar um protocolo com as várias empresas e entidades que têm intervenção nos processos de licenciamento. E o que procurava garantir esse protocolo assinado com pompa e circunstância no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Lisboa? Nada mais nada menos do que todos se comprometerem, nos comprometermos, a respeitarmos os prazos legalmente estabelecidos e a aceitar que a falta de resposta, no tempo previsto na lei, originava, pura e simplesmente, o deferimento tácito do que era requerido. A regra tinha já sido consagrada no Código do Procedimento Administrativo, só que não era cumprida. E o problema é esse, é que o tempo passou e continua a não ser cumprida.
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Um projeto de arquitetura nas suas especialidades vai da empresa da eletricidade à do gás, da água às entidades de segurança, e a outras também previstas na lei. Essas entidades têm de dar o seu parecer sobre os projetos de especialidades. Só que como se atrasam, as pessoas têm de ficar à espera e a essas empresas e entidades nada acontece por violarem esses prazos. Deviam pagar multas ou juros sobre o prejuízo causado, tal como os cidadãos particulares e as empresas pagam os juros e as multas quando se atrasam a pagar os impostos e as contribuições.
Acresce que os projetos em matéria de segurança contra incêndio vão à Autoridade Nacional de Protecção Civil. Antes, apesar de tudo, os bombeiros davam o seu parecer nesta especialidade, depois faziam a vistoria final junto com a Câmara para ser passada a licença de utilização. Apesar de tudo, tenho ideia de que o processo era muito mais expedito. Agora, com a Autoridade Nacional de Protecção Civil, o processo ficou mais pomposo e, por isso, mais demorado. A obra pode estar toda pronta, mas tem de se esperar umas boas semanas até virem dizer que está feito o que está feito. É um género daquelas declarações que já aqui falei de não dívida ou sobre o registo criminal, que o Estado exige que o cidadão peça ao Estado para se poder fazer um pedido ao Estado. É tudo ridículo, mas julgo que a ministra Maria Manuela Leitão Marques já está a trabalhar nisso. Oxalá.
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Há outro aspeto interessante, é que se quisermos fazer uma demolição devido à existência de amianto, e após análise ultracomplexa e aprovação por parte da Câmara, faz-se a adjudicação da empreitada e depois a empresa adjudicatária tem de requerer à Autoridade das Condições de Trabalho a autorização para proceder à demolição. Em vez de isto tudo ser em sede de especialidades e dentro dos prazos, não: fica para depois. E já com tudo pronto, ficamos à espera de mais umas licenças, que se juntam ao célebre certificado energético, que foi mais um ingrediente nos complexos e burocráticos processos relacionados com a compra e arrendamento de casas. Não sei quantos simplexes vão ser precisos para acabar com estes absurdos todos.
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Advogado
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