A reprivatização da TAP. Será desta?
Ao separar a privatização em duas fases, o Estado arrisca-se a não conseguir realizar a segunda fase. Havendo compradores interessados, eu não teria arriscado desta forma.
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A decisão que o Governo tomou ontem de avançar com a reprivatização da TAP é uma boa decisão. Boa decisão desde logo porque avança e, sobretudo, porque avança identificando objetivos e condições para a operação em termos praticamente análogos aos que o último Governo do PS definiu, em outubro de 2023 (em proposta de decreto-lei posteriormente vetada pelo Presidente da República, imediatamente antes da queda do Governo).
O decreto-lei que o Governo agora aprovou, sendo promulgado pelo Presidente da República, só será publicamente conhecido daqui a várias semanas (e sabemos como os detalhes são sempre decisivos), mas é possível avançar já com uma leitura crítica do desenho da operação delineada pelo governo. Identifiquemos para já as convergências que são mais importantes.
Em primeiro lugar, a privatização da TAP exige-se pela necessidade de a mesma ser crítica ao crescimento da companhia e assim ao seu contributo para o crescimento da economia nacional. A TAP é das últimas médias empresas do setor, com vantagens claras na ligação da ponta oeste da Europa à América do Norte, América do Sul e África. Ora, o crescimento da companhia far-se-á com maior vantagem se integrada num grupo de aviação de grande dimensão onde este tipo de ligações seja muito baixo ou até inexistente. Esta opção é a que melhor defenderá o futuro do "hub" em Lisboa e a sobrevivência da TAP como companhia própria e com direção em Lisboa.
Em segundo lugar, a privatização da TAP deve ser um instrumento no desenvolvimento de atividades conexas com a operação aeronáutica (como a manutenção, serviços de engenharia, ou a produção de combustível verde), onde a TAP pode apresentar vantagens importantes e servir de alavanca ao crescimento industrial do país.
Em terceiro lugar, o crescimento da TAP deve fazer-se aproveitando a capacidade aeroportuária instalada no país, designadamente no aeroporto Francisco Sá Carneiro, transferindo voos e oportunidades em especial as que graças ao processo relativo à construção do novo aeroporto de Lisboa se perderão sem uma inovadora e ousada estratégia de gestão da companhia.
Em quarto lugar, a privatização da TAP deve ser garante das ligações à diáspora e às nossas comunidades, aos países da CPLP e naturalmente entre as Regiões Autónomas e o continente.
Em quinto e último lugar, a valorização do encaixe financeiro no sentido de reduzir o custo que os portugueses assumiram na operação de resgate da companhia após o covid, que pesou cerca de 1% do PIB.
Todos estes objetivos, identificados como prioritários pelo Governo, são adequados e estão corretos. Refira-se de novo que não se conhece a redação concreta do decreto-lei, mas o que foi apresentado vai no bom sentido.
As dúvidas e as divergências com o processo de reprivatização da TAP agora apresentado pelo Governo estão três aspetos fundamentais.
Em primeiro lugar, é um erro o governo não ter optado pela privatização, desde já, da maioria do capital da TAP (como, aliás, o DL do Governo PS definia), assegurando a ligação direta e clara entre maioria acionista e controle de gestão por parte do comprador vindo da indústria. Isto mesmo num cenário em que o Estado assumisse manter, em definitivo, uma percentagem da empresa (claramente minoritária) tendo em vista melhor cuidar do cumprimento dos objetivos da privatização.
Se há lição que podemos retirar do período de privatização parcial da TAP em 2015 até à sua completa nacionalização, é a de que a convivência entre operadores privados e públicos (em especial com participações tão próximas), tem tudo para funcionar mal. Mantendo-se o Estado como maioritário, será à porta do Estado que as principais decisões irão cair pela natureza das coisas e independentemente do que qualquer acordo parassocial defina. Foi isso que vimos, depois de 2015, com o parlamento a discutir onde deviam ser abertas (nunca fechadas) novas rotas da companhia, ou, a porta onde acabaram todos os grandes embates sobre reivindicações salariais que foi a do Ministério das Infraestruturas.
Em segundo lugar, o cenário de manter o Estado como acionista maioritário significa que a TAP se manterá integrada no Setor Empresarial do Estado e sujeita à legislação para este existente. Falamos de matérias como a submissão a visto prévio do Tribunal de Contas para um conjunto vasto de operações, à apresentação (e publicidade) regular de património e rendimentos pelos membros do conselho de administração, à negociação anual com o Ministério das Finanças do Plano de Atividades e Orçamento, onde são autorizadas as contratações e os investimentos a realizar. Não sei se é possível aliciar algum operador privado a operar nestas condições, mas o que aceitar vai deparar-se com um quadro bem mais limitado do que a gestão privada a que está habituado.
Por último, ao contrário do que diz o Governo, não é nada seguro que, nas condições agora definidas, o tempo venha a aumentar o valor potencial da empresa. Sabemos como o futuro é imprevisível e sabemos também que quando o negócio é aviação os azares tornam-se mais prováveis. Ao separar a privatização em duas fases (e quando só a primeira fase demorará cerca de um ano), o Estado arrisca-se a não conseguir realizar a segunda fase. Havendo compradores interessados, eu não teria arriscado desta forma.
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