São os verdadeiros nativos digitais. Nascida entre 2010 e 2024, a Geração Alpha é a primeira a crescer num ambiente digital. E isso torna-a absolutamente única. Habituados a que tudo esteja apenas a um clique de distância, os seus comportamentos e desejos vão ser moldados por esse acesso constante às novas tecnologias. Foi com esta premissa em mente que se realizou, no passado dia 10 de julho, a quarta talk do “Media Trends: What’s Next?”.
Promovida pela IPG MediaBrands, sob o tema “Alphaverso: Descodificando a Geração do Futuro”, a conferência, que quis pensar o modo como esta geração se relaciona com o mundo e que oportunidades e desafios existem para as marcas neste ambiente teve por base o estudo homónimo, realizado pela IPG MediaBrands. E foi precisamente esse estudo que Catarina Lorena, Audience Insights manager da IPG Mediabrands, veio apresentar. “Alphaverso: Descodificando a Geração do Futuro” analisou atentamente centenas de crianças para perceber o que as move, o que lhes interessa, quais os meios tecnológicos que dominam – e os que desejam ter e dominar. Em que universo habitam? Como chegar a elas? “Quando falamos da Geração Alpha, falamos de crianças até aos 15 anos – e são cerca de 1,5 milhões a residir em Portugal. Crianças que têm características muito diferentes das de gerações anteriores”, diz Catarina Lorena.
Esta geração “nasceu, cresceu e domina a área digital como mais ninguém até agora. Passaram pela covid numa altura em que eram muito pequenos, o que impactou muito a forma de se relacionarem não só com tecnologias, mas uns com os outros, com os pais, os adultos...”, continua a responsável pelo estudo na IPG Mediabrands. “Todos sentimos que sabemos algo sobre esta geração, até porque temos vários ‘alphas’ à nossa volta. Ou achamos que sabemos”, disse Catarina Lorena, mostrando vídeos de conversas com algumas destas crianças, nos quais falam sobre a forma como se relacionam com os vários tipos de ecrãs, que conteúdos consomem e em que plataformas. “De tanto os ouvirmos, criamos certezas. Mas nem sempre essas certezas estão certas”, avança a responsável da IPG Mediabrands, lembrando frases batidas que já todos ouvimos uma e outra vez: ‘Eles já não veem televisão’; ‘Só querem ver vídeos no TikTok’; ‘No 1.º ciclo já todos têm telemóvel’.” Mas serão estas verdades inabaláveis? Serão os alphas que nos rodeiam representativos perfeitos da sua geração?
Diagnóstico de uma geração
Para Catarina Lorena, antes de tirar conclusões é preciso estudar de forma aprofundada a Geração Alpha. “As tecnologias fazem e vão continuar a fazer parte da vida das crianças. E nós, na IPG Mediabrands, sentimos a necessidade de perceber de forma mais exata e representativa qual vai ser o papel destas tecnologias e o que é que isto significa. Foi por isso que apostámos neste projeto que tem por objetivo perceber como é que as crianças se relacionam não só com os diferentes meios e tecnologias, mas também qual o seu papel nas suas vidas, o que lhes interessa e como podemos chegar até elas.”
Para analisar tudo isto, explica, foram medidos quatro tópicos: as rotinas das crianças (o que fazem, como, quais as rotinas familiares, quais as suas preferências e brincadeiras), os equipamentos e meios que usam (como utilizam, que regras existem em casa, de que é que as crianças gostam mais), os conteúdos que consomem e, finalmente, o papel da publicidade junto dos mais novos. Para o fazer, a agência, que trabalhou em conjunto com a Ipsos para a recolha de dados, optou por fazer uma abordagem holística, com uma primeira fase qualitativa, na qual entrevistaram 24 crianças e os seus pais, foram às suas casas, conheceram a fundo o seu dia a dia, procedendo, depois, a uma fase quantitativa, na qual entrevistaram 600 crianças e os seus pais sobre tudo aquilo que se considerou relevante (o que existe em casa, regras sobre a utilização, perceber de que é que as crianças gostam e o que valorizam).
Segmentar e conquistar
E porque nem todas as crianças são iguais, foi preciso segmentá-las. E a divisão não se limitou ao género ou grupo etário. “Chegámos a cinco segmentos: dois com crianças mais velhas, os socializers e os theme enthusiasts, que utilizam muito as tecnologias, num contexto de grupo e partilha, as creatives, crianças que também usam muito as tecnologias, mas de forma mais individual e com menos frequência, onde se destacam as meninas mais novas, os thrill seekers, geralmente rapazes mais novos que utilizam bastante as novas tecnologias para jogar, e os disconnected (apenas 3%), crianças que não têm grande relação com as tecnologias no seu dia a dia”, avança Catarina Lorena. E mais: é que se há segmentação de crianças, também há segmentação de pais, que se dividem em três segmentos: os controllers (34%), que deixam os filhos usar as tecnologias, mas consideram fundamental controlar o que lá fazem, os permissive (14%), que deixam os filhos usar as tecnologias desde que cumpram as suas obrigações e, por fim, os balancers (52%), que tentam ser mais moderados.
“O grupo mais controlador é aquele em que os pais são mais novos, ao contrário dos mais permissivos, que são pais mais velhos, da Geração X. E se juntarmos a posição dos pais e a posição das crianças descobrimos que há uma relação: os pais mais permissivos têm tendência a ter mais crianças socializers, os pais mais controladores têm tendência para terem crianças no grupo das creatives.”
A televisão ainda domina
E quanto aos mitos? Mantêm-se depois de olhar para os resultados do estudo? É mesmo verdade que as crianças não veem televisão? E que todas as crianças a partir do 1.º ciclo têm telemóvel? “Percebemos que não é bem assim. A televisão tem uma penetração elevadíssima junto das crianças, com a grande maioria a ver televisão pelo menos uma vez por semana. E apenas 57% das crianças entre os 6 e os 14 anos têm telemóvel próprio, sendo que no 1.º ciclo apenas 24% têm telemóvel.”
Contas feitas, salienta Catarina Lorena, televisão e telemóvel dominam as preferências: “Se a televisão se destaca pela cobertura, pela partilha e por fazer ainda parte das rotinas familiares, o telemóvel destaca- -se pelo desejo que suscita nas crianças, que começam a ter autonomia para o utilizar habitualmente apenas a partir dos 10 anos, quando vão para o 5.º ano.” Mas há mais conclusões a tirar do estudo: “Vemos que 98% das crianças utilizam, pelo menos, um tipo de ecrã regularmente. E utilizam-no especialmente quando estão em casa, sobretudo ao fim de semana e nas férias.”
80% já experimentaram o YouTube
E o TikTok, é assim tão relevante? Segundo Catarina Lorena "apenas 41% das crianças utilizam redes sociais (e, entre os 6 e os 10 anos, apenas 20%). E se 80% das crianças já experimentaram usar o YouTube, apenas 47% experimentaram o TikTok.” Ao falar deste tipo de redes, diz, o YouTube é a mais utilizada, o TikTok é a mais desejada e o WhatsApp é a mais útil.
E quando nos afastamos das tecnologias e olhamos para um espectro mais alargado, refere Catarina Lorena, percebemos que o telemóvel é apenas um fator no meio de tantas coisas que as crianças desejam. Quando questionadas, dizem querer conhecer o Cristiano Ronaldo e a Taylor Swift, receber um telemóvel, ir à Disney, comer McDonald’s e ir a um estádio ver um jogo de futebol.
E o que gostam de fazer? Surpresa: dançar, jogar à bola, andar de bicicleta. As tecnologias também estão nas preferências, claro, mas sobretudo quando os miúdos estão sozinhos e em casa – e sem alternativas de entretenimento.
As marcas e a Geração Alpha
Reunida a informação, como é que tudo isto pode ser usado pelas marcas, num contexto de planeamento estratégico? Andreia Semedo, Head of Strategy da Universal McCann, explica: olhando para os dados percebe-se, por exemplo, que “o conceito de partilha em família não mudou, sendo a televisão o exemplo perfeito dessa partilha”. Os favoritos? Futebol, entretenimento como o Taskmaster e o Masterchef, e os canais infantis. O que podem as marcas fazer? “Responder a estes momentos de partilha com anúncios dirigidos a toda a família e não apenas às crianças ou aos adultos”, sublinhou a responsável.
Por outro lado, é fácil ver que “estes pequenos consumidores querem desafios, jogos, partilhas de receitas, ideias para atividades que podem fazer”. E as marcas têm respondido, com conteúdos que os cativam. É que já é grande a importância da Geração Alpha para o marketing, garante Andreia Semedo. Embora pequenas, 75% destas crianças influenciam as decisões de compra familiares. São perfeitos influenciadores do retalho (coleções do Lidl, por exemplo) e da alimentação (como o McDonald’s). “E peças-chave para as marcas. A Geração Alpha não só já nasceu conectada como sabe o que quer e sabe convencer os pais a comprar.”
Criar experiências interativas
O digital torna-se, então, um meio que possibilita uma grande proximidade com os mais novos. Mas as marcas têm de criar experiências interativas (como jogos, vídeos ou apps) que consigam cativar e educar os mais novos para conseguir entrar neste seu universo. Como? Entrando nos seus mundos. E aqui nada como voltar a olhar para a segmentação que o estudo encontrou. “Se temos os thrill seekers a jogar Roblox, então as marcas têm de estar no Roblox: a Nike, a Adidas, a Vans, estão presentes. No caso dos theme enthusiasts, as marcas têm de fazer parcerias com os temas que lhes interessam: o Burger King criou um menu Stranger Things e o KFC um menu Squid Game, por exemplo.
No que toca aos creatives, nada como uma parceria com o Minecraft – a C&A, o McDonald’s e a Panini são algumas das marcas que aproveitaram a boleia do filme para essas parcerias. Os socializers adoram a Taylor Swift: a Lego criou uma edição de pulseiras especial para as fãs.” É preciso estar atento, seguir as tendências, perceber o que querem. E a inteligência artificial? “Não pode ser ignorada. O KFC usou-a para criar um post sobre um hipotético menu inspirado nos Brainrots. Foi uma loucura e não existia: era apenas um post gerado em IA”, diz Andreia Semedo.
Conquistar o adulto de amanhã
E se, por um lado, vemos as crianças a entrar cada vez mais cedo no mundo dos adultos – e as marcas a responderem, como no caso da Sephora, que promove linhas de skincare para os mais novos – também vemos os adultos a viver o saudosismo da infância – e as marcas a criar edições viradas para os pais, da Lego à Barbie, passando pela Hot Wheels. “Quem conquistar a criança de hoje conquista o adulto de amanhã”, salienta Andreia Semedo. “O futuro é muito incerto, mas há uma oportunidade e um foco que as marcas têm de ter: têm de ser relevantes, encontrar o foco de interesse e estabelecer uma ligação. E essa ligação aos mais novos pode ser feita de três formas: não fugindo da tecnologia, promovendo a partilha entre adultos e crianças e voltando ao passado – passeios no parque e idas à praia. Temos de conquistar os alphas e os adultos: porque se não conquistarmos os adultos, não conquistamos as crianças.”