Num momento em que a economia global atravessa transformações profundas, António Lagartixo traça uma visão para o futuro do país e das empresas. Em conversa à margem da conferência ‘Economia Sem Fronteiras: Portugal 2050’, o CEO e Managing Partner da Deloitte Portugal destaca a importância da agilidade, do investimento em talento e da aposta estratégica na tecnologia como motores de crescimento, resiliência e sustentabilidade.
No contexto desta nova (des)ordem mundial, como podem as empresas e organizações reforçar a sua resiliência?
Atravessamos um período particular, em que a capacidade de adaptação deixou de ser uma vantagem competitiva, para se tornar um imperativo de sobrevivência, essencial ao crescimento e sustentabilidade das organizações. Mais do que nunca, perante a instabilidade e a falta de uma definição clara do futuro em termos geopolíticos e económicos, é imperativo tentar, tanto quanto possível, antecipar oportunidades e riscos, de modo a prevenir potenciais ondas de choque.
Neste novo paradigma, a resiliência constrói-se através da agilidade, não apenas como processo, mas como forma de pensar e decidir. Parece-me fundamental desenvolver estruturas organizacionais mais robustas, com recurso a planos de contingência bem definidos, que permitam absorver os choques e prever as mudanças, muitas vezes abruptas. A estratégia deve funcionar como bússola, orientando em contextos de incerteza, em vez de se cristalizar em planos rígidos.
Nesta fase, em que a inteligência artificial começa a protagonizar transformações estruturais nas empresas e organizações, nos negócios e nas economias, como podemos aproveitar o seu potencial para reforçar a competitividade e a produtividade das empresas?
As tecnologias emergentes e, em particular, a Inteligência Artificial (IA) não são apenas mais um acelerador de inovação, são a base para a competitividade no mercado global, pois vão transformar profundamente todo o enquadramento existente.
Naturalmente que, como em todas as disrupções, existem obstáculos e uma dose de resistência, mas só será possível capitalizar ao máximo o potencial destas tecnologias se estas forem colocadas no centro das estratégias organizacionais, para produzirem um impacto direto no modelo de negócio e nos processos críticos da organização.
Apesar de ser um processo exigente, crescem a um ritmo acelerado os casos de sucesso na utilização da IA, nas suas múltiplas dimensões e em diversos setores de atividade. Os agentes de IA por exemplo, enquanto força de trabalho digital, são um dos elementos a suscitar maior interesse, pelas enormes possibilidades que oferecem às organizações.
A curto prazo iremos começar a ver as empresas a adotar e integrar agentes de IA nas suas operações, numa altura em que, gradualmente, a agilidade é um critério determinante para a sustentabilidade financeira e operacional.
Reconhecendo que este é um caminho que as organizações vão inevitavelmente ter de percorrer, é prudente que, para além da tecnologia, se crie uma cultura tecnológica. Uma cultura que incentive a experimentação e a aprendizagem contínua.
Acima de tudo, é crucial apostar na formação das pessoas. A disrupção trazida pela IA é técnica, mas também de mentalidade. Investir em reskilling e upskilling, promover a literacia digital e assegurar um uso ético e transparente da tecnologia em todos os níveis da organização é crucial para que a disrupção gerada pela IA seja inclusiva e sustentável.
Neste domínio, a colaboração de todo o ecossistema - startups, universidades e hubs de inovação - é também determinante para acelerar a adoção destas tecnologias e para permitir um impacto imediato nas operações.
Sendo uma pequena economia aberta, integrada no bloco europeu e ainda em processo de convergência com a média da UE, como pode Portugal afirmar-se como um país competitivo, inovador e sustentável? Quais são as principais oportunidades e ameaças?
O primeiro passo para a nossa afirmação é reconhecermos as nossas condicionantes estruturais. Reduzida dimensão geográfica e populacional, localização periférica e capacidade limitada de capital para investimentos em larga escala. Para contornar estes fatores, será necessária uma ação coordenada em três frentes: talento, mercado e tecnologia.
Temos de valorizar o talento nacional e, acima de tudo, reforçar a aposta no desenvolvimento de competências-chave e em ações de retenção que permitam evitar o êxodo de profissionais altamente qualificados que, nos últimos anos, têm saído do país. A elevada qualidade do nosso ensino, reconhecida internacionalmente, só produzirá efeito se soubermos reter os jovens, dando-lhes condições para que possam projetar a sua vida em solo nacional. Paralelamente, é imperativo continuar a apostar na educação e formação contínua dos profissionais, independentemente dos anos de carreira que tenham, até porque a tecnologia assim o exige.
Portugal precisa de pensar em escala. Sem descurar a importância do mercado interno, devemos continuar a incentivar o ganhar de dimensão das nossas empresas e a internacionalização de negócios, estabelecendo pontes, tão necessárias atualmente. Diz-nos a história que tempos desafiantes abrem novas possibilidades e é nisso que nos devemos focar. É essencial que sejamos criteriosos e que façamos investimentos em setores e áreas onde tenhamos vantagens competitivas, canalizando esforços e recursos no seu desenvolvimento. Saúde e biotecnologia, defesa (em termos diretos e indiretos), transição climática, cibersegurança e serviços digitais, indústria de precisão e valor acrescentado são apenas alguns exemplos onde Portugal se tem conseguido destacar internacionalmente e que deverão continuar a ser alvo de aposta.
Na frente da inovação e tecnologia, é urgente acelerar a ligação entre academia, startups e grandes empresas, com foco na aplicação prática do conhecimento. Portugal tem uma janela de oportunidade para se posicionar na linha da frente da transição digital e verde. Mas essa ambição exige visão estratégica, execução consistente e políticas públicas e privadas alinhadas. E exige que caminhemos, de facto, para agarrar esta oportunidade. Se o primeiro passo para a nossa afirmação é reconhecer as nossas limitações estruturais, o segundo é sem dúvida compreender o papel que a aposta na transformação digital e tecnologia tem na resposta a esses constrangimentos e na definição de novas rotas de crescimento e competitividade.
Neste contexto, que estratégias empresariais são – nesta conjuntura - mais adequadas para a afirmação e desenvolvimento das empresas e dos negócios em Portugal?
Como já referi, num ambiente de elevada volatilidade, a estratégia deve assentar na agilidade e na capacidade de adaptação. As empresas que conseguirem preparar-se para ciclos curtos de planeamento, consolidados em dados e feedback constante estarão mais bem posicionadas para crescer.
É fundamental integrar a tecnologia — em especial a inteligência artificial — no centro das operações e modelos de negócio, funcionando como alavanca de eficiência e diferenciação. Num mercado globalizado, se soubermos potenciar a tecnologia vamos estar em pé de igualdade com organizações de outros países, muitas delas com mais recursos. Só assim vamos poder diminuir o fosso de produtividade e competitividade, criando condições para um maior desenvolvimento económico e geração de riqueza.
Ao mesmo tempo, as empresas devem assumir um papel mais ativo no ecossistema, promovendo colaborações estratégicas com parceiros nacionais e internacionais. A nossa capacidade natural para criar pontes e servir de elemento de ligação, poderá ser uma mais-valia decisiva neste novo paradigma de protecionismo e (des)globalização.
Por último, é importante que os nossos líderes compreendam as atuais e futuras expetativas dos diferentes stakeholders, e que assumam o compromisso com a sustentabilidade, a inclusão e o impacto positivo. Num momento em que, à escala global, se assiste ao crescimento de uma nova ordem mundial, é fundamental que as empresas coloquem estas dimensões no centro da sua proposta de valor e assumam o seu papel na construção de uma sociedade justa, equilibrada e sustentável.