Num momento particularmente simbólico para a AGEFE, que este ano celebra o seu 50.º aniversário, o Evento Setorial de Material Elétrico reuniu em Ílhavo empresas e especialistas para discutir os desafios e as oportunidades que marcam o setor. Sob o mote "Criar valor num mundo em mudança", o evento ficou marcado por intervenções estratégicas, uma análise aprofundada da conjuntura económica e energética, e um workshop colaborativo que permitiu identificar prioridades comuns e caminhos futuros.
Luís Fonseca, presidente do Conselho Setorial de Material Elétrico da AGEFE, destacou o simbolismo especial do evento deste ano, por coincidir com o 50.º aniversário da associação e com uma conjuntura particularmente desafiante. "Vivemos períodos desafiantes, mas ao mesmo tempo também repletos de oportunidades", referiu na abertura. A complexidade do contexto atual – marcado por incertezas globais e profundas transformações tecnológicas – torna particularmente relevante o mote do evento. Para Luís Fonseca, cabe à AGEFE assumir um papel de facilitador e catalisador: "A nossa missão é refletir, debater e identificar os principais eixos que possam orientar as estratégias das nossas empresa." Defendendo um ecossistema assente na inovação, na sustentabilidade, na digitalização e no conhecimento, o dirigente sublinhou ainda a importância de estimular a colaboração entre empresas, governo e parceiros. "É meu desejo que este encontro seja uma reflexão, uma troca de experiências, uma troca de ideias", concluiu.
Nuno Lameiras, presidente da AGEFE, destacou no evento a forte concorrência no setor do material elétrico, caracterizado por uma disputa diária intensa. "O setor do material elétrico é particularmente concorrencial, muito feroz", reconheceu, sublinhando, porém, a capacidade demonstrada pelas empresas em ultrapassar essas rivalidades em nome de uma visão coletiva. "A capacidade que o setor tem de se encontrar e deixar as questões concorrenciais é, de facto, assinalável." Para Nuno Lameiras, o associativismo desempenha aqui um papel decisivo. "Este exercício de associativismo que se faz aqui é um ativo do setor e arrisco dizer que é um ativo do movimento associativo em Portugal", afirmou.
A celebração dos 50 anos da AGEFE foi também, segundo o responsável, um momento de afirmação: "Aos 50 anos, conseguimos encontrar uma consciência coletiva dos três setores que denominamos a indústria eletrodigital." E concluiu, reforçando o papel estratégico destas empresas: "As nossas indústrias não só lidam com os grandes desafios da atualidade, como são fundamentais para concretizar transições como a energética, a digital ou a climática."
No centro dos desígnios estratégicosNuno Ribeiro da Silva, professor e consultor em energia, contextualizou neste evento os desafios da transição energética, salientando o papel da indústria eletrodigital como núcleo das transformações em curso. "A indústria eletrodigital está no centro dos grandes objetivos da digitalização e da transição energética", afirmou, destacando o impacto desta nas áreas da cibersegurança, eficiência energética e reindustrialização europeia. Segundo o especialista, a responsabilidade das empresas é imensa: "Estão no palco e no centro dos grandes desígnios estratégicos", num cenário competitivo dominado por grupos asiáticos. A partir de um artigo de sua autoria, questionou o ritmo real da mudança: "Estamos numa transição energética ou ainda numa adição energética?", alertando que, apesar dos avanços, o consumo de carvão e petróleo atingiu máximos históricos e as emissões de gases com efeito de estufa continuam muito acima da meta para 2030.
A comparação com transições energéticas anteriores, que duraram séculos, ajuda a perceber a complexidade da atual, que é imposta por exigências ambientais e políticas. "Esta mudança é muito mais complicada e onerosa do que se previa", sublinhou.
Apontando a dimensão técnica da transição, defendeu que "não é só energia, é mudar equipamentos, hábitos e cultura", lembrando que passar da mobilidade a combustão para a elétrica implica substituir cerca de seis mil milhões de motores.
Em relação a Portugal, recordou a histórica dependência energética e a perda de relevância na produção de equipamentos. No entanto, vê sinais de esperança. "Há equipamentos que não exigem escalas industriais gigantes, o que nos permite regressar à linha de partida", referiu. E destacou a diversidade de recursos nacionais: "Temos sol, vento, água, biomassa e mar. Isso não é comum na bacia do Mediterrâneo."
O efeito TrumpAntónio Ramalho, presidente da Touro Capital Partners, trouxe uma visão macroeconómica sobre o impacto das decisões políticas globais no setor do material elétrico. Referiu-se a Donald Trump como símbolo dos riscos de curto prazo e a Mario Draghi como resposta europeia de médio prazo. "Trump igual a tarifas", resumiu, alertando para o impacto inflacionista dessa política e para o risco de uma segunda vaga de inflação, estrutural e duradoura. Na sua visão, Draghi representa uma abordagem estratégica à estagnação europeia, marcada por "ignorância tecnológica" e dificuldade em adaptar-se à revolução digital. A Europa enfrenta três desafios centrais: reduzir o atraso na inovação, descarbonizar a economia e diminuir a dependência externa – sobretudo em energia, na qual os custos são muito superiores aos dos EUA. António Ramalho alertou para a fragmentação dos mercados europeus e a ausência de políticas conjuntas como obstáculos à competitividade.
O especialista destacou ainda tendências estruturais como a transição energética, a inteligência artificial e os desafios demográficos, lembrando que a sustentabilidade da Segurança Social depende hoje das contribuições dos imigrantes. A desglobalização é outra mudança inevitável, mas que pode representar uma oportunidade para esta indústria. "O vosso setor viveu uma revolução silenciosa com a queda dos preços do solar. Mas sendo maduro, tem de passar da oferta para a procura", apontou.
O especialista alertou ainda para o risco de comoditização: "Se o produto for igual, só interessa o preço. E isso destrói a nossa cultura europeia de inovação e diferenciação." E concluiu com um apelo à ação: "Como setor maduro, enfrentam grandes desafios. Como setor de ponta, ainda podem moldar a resposta à procura."
Workshop aprofunda setorApós um debate que reforçou o papel central do setor eletrodigital nas transições energética e digital, alertando para os bloqueios estruturais, a necessidade de um Estado mais estratégico e o imperativo de alinhar oferta e procura num modelo de criação de valor sustentável, o evento teve um workshop colaborativo sobre condições para criar valor que se centrou em quatro eixos temáticos fundamentais: a eficiência e redução de custos, a captação de valor através da transformação da procura, a transformação da atividade e capacitação da oferta e as novas oportunidades no contexto económico atual, com enfoque no potencial de Portugal como hub. O exercício contou com a participação ativa de todos os presentes, refletida em discussões dinâmicas e numa ampla diversidade de contributos ao longo das sessões de trabalho.
As ideias e contributos recolhidos foram posteriormente analisados pela equipa da EY, que os consolidou e apresentou em plenário. Esta síntese em sessão plenária permitiu apontar os principais insights e recomendações emergentes de cada eixo temático, alinhando-os com os objetivos estratégicos definidos para o setor. A partilha conjunta dos resultados reforçou a transparência do processo e garantiu que todas as perspetivas relevantes fossem consideradas na formulação de encaminhamentos futuros.
No fundo, a dinâmica colaborativa do workshop – marcada pelo forte envolvimento dos participantes e pela diversidade de perspetivas partilhadas – gerou valor tangível para o projeto que a associação se encontra a desenvolver. Os contributos recolhidos não só evidenciaram os desafios e as oportunidades atuais, como também forneceram subsídios importantes para orientar iniciativas concretas. Desta forma, o setor marcou o ponto de partida para um Projeto mais vasto que a AGEFE se propõe realizar quanto à criação de condições para o desenvolvimento competitivo no nosso País de todos os setores que representa, em parceria com a EY e com o apoio do FEDER, Portugal 2030 e União Europeia.
Conclusões do workshop "Condições para criar valor"
Eixo A – Eficiência/redução de custosA discussão destacou a necessidade urgente de automatização e digitalização de processos logísticos e administrativos, como caminho para uma maior eficiência e competitividade. A adoção de tecnologias emergentes, como inteligência artificial, foi encarada como uma oportunidade concreta, especialmente em resposta à escassez de mão de obra qualificada.
Foram ainda identificados entraves como o excesso de burocracia, a baixa qualificação tecnológica e a dificuldade no acesso a investimento, sendo apontada a formação contínua, a colaboração com entidades formadoras e a promoção da cultura de inovação como instrumentos essenciais para ultrapassar estes desafios.
Eixo B – Captar mais valor pela transformação da procuraConcluiu-se que o setor ainda comunica pouco e mal com o cliente final, que continua a ver os produtos elétricos como meras "commodities", e não como soluções de valor acrescentado. Há aqui uma oportunidade clara de posicionamento, através da diferenciação, da comunicação multicanal e da valorização da marca.
Foi também evidente a necessidade de fomentar parcerias estratégicas entre fabricantes, distribuidores e instaladores, para oferecer soluções completas e não apenas produtos isolados. A internacionalização, a regulamentação técnica ajustada e o reforço da literacia do consumidor foram apontados como eixos complementares para gerar mais valor ao longo da cadeia.
Eixo C – Transformar a atividade, capacitar a ofertaAs conclusões centraram-se no papel estratégico da formação e da qualificação de recursos humanos, reconhecendo-se que a transformação do setor exige uma aposta firme na requalificação interna e na atração de talento jovem. Também aqui a ligação com universidades e centros de conhecimento foi vista como fundamental.
Destacou-se igualmente a importância de o setor saber antecipar tendências – e não apenas responder –, investindo em áreas como automação, eficiência energética, mobilidade elétrica e digitalização. Sublinhou-se, ainda, a necessidade de clareza estratégica por parte das empresas, que devem definir melhor o seu posicionamento e valorizar a inovação como ativo competitivo.
Eixo D – Novo contexto, novas oportunidades/Portugal como hubReconheceu-se que Portugal reúne condições únicas para se afirmar como plataforma industrial e tecnológica, em áreas como energias renováveis, data centers ou mobilidade elétrica. A localização geográfica, a segurança, a qualificação da mão de obra e o custo competitivo foram mencionados como fatores diferenciadores.
Foram, no entanto, identificados entraves como a burocracia excessiva, a escassez de talento, a rigidez laboral e os salários pouco atrativos, que dificultam a retenção e a atração de investimento estrangeiro. Houve consenso sobre a necessidade de uma melhor promoção internacional do setor tecnológico português, com a AGEFE a assumir um papel ativo no lóbi institucional, promoção externa e estímulo à colaboração interempresarial.