A Siemens comemora em novembro 120 anos de atividade em Portugal e para assinalar a data organizou um evento que trouxe uma mensagem clara: a aposta da empresa no país mantém-se e será reforçada. “Estamos tão ou mais comprometidos com Portugal como estávamos há 120 anos”, afirmou Sofia Tenreiro na abertura do evento Tech Day. “Hoje temos em Portugal um dos seis grandes centros de desenvolvimento de tecnologia da Siemens a nível mundial, o que mostra que o futuro será ainda mais risonho e com um compromisso ainda maior com o nosso país”, garante a responsável. Ao longo de mais de um século, a Siemens tem estado presente no desenvolvimento de infraestruturas críticas nacionais — em setores como energia, transportes, saúde e indústria — e tem hoje um papel crescente na transformação digital de diversos setores económicos. Sempre numa lógica de colaboração e parceria. “Queremos continuar a construir o futuro, por meio do desenvolvimento de tecnologia, mas dentro de um ecossistema colaborativo. Sabemos que não conseguimos fazer tudo sozinhos”, sublinhou a CEO. A presença da Siemens em Portugal é hoje muito mais do que uma operação comercial. O país acolhe, por exemplo, um centro de serviços partilhados que presta apoio a cerca de 80 filiais no mundo, e tem um centro de excelência (tech hub), responsável pelo desenvolvimento de soluções tecnológicas para mercados internacionais em nove das onze tecnologias core definidas como estratégicas a nível global. “Atualmente, temos cerca de 4.300 pessoas em Portugal, de mais de 60 nacionalidades, uma população muito jovem e muito diversa”, referiu Sofia Tenreiro. Entre as áreas de atuação da Siemens em Portugal estão a inteligência artificial, o metaverso industrial, os digital twins e a gestão de dados. Estas tecnologias, segundo a executiva, “permitem acelerar ganhos de eficiência, reduzir custos e tornar as empresas mais competitivas”. Neste contexto, refere, “para a Siemens a tecnologia pela tecnologia não é o objetivo”. “A inovação só é relevante quando aumenta a produtividade, agiliza a tomada de decisão e ajuda a reinventar o negócio”, afirmou a CEO.
Uma agenda centrada na inovação
Desta forma, o evento Tech Day foi também pensado para mostrar o potencial da transformação digital e da aplicação prática destas tecnologias. Na sua apresentação, Sofia Tenreiro mostrou alguns dos projetos desenvolvidos em Portugal. Entre as demonstrações esteve o digital twin de uma fábrica em Singapura, criado por equipas portuguesas, que permite simular cenários fabris e otimizar processos produtivos remotamente. Foi também apresentado o Bionic Agent, uma solução cloud com generative AI, que automatiza processos de atendimento aumentando a eficiência e libertando as equipas para tarefas de maior valor acrescentado. O programa incluiu igualmente keynotes de Gerhard Kress, vice-presidente do Negócio Digital da Siemens AG, sobre o futuro digital da indústria, e de Carlos Moreira da Silva, presidente da Business Roundtable Portugal, que apresentou um diagnóstico do tecido empresarial português, destacando as iniciativas desta associação — que reúne 40 das maiores empresas em Portugal — para reforçar competitividade, talento e investimento nas empresas. E integrou também um painel com a participação da EPAL, TEKEVER e Central de Cervejas, dedicado a casos de transformação operacional. Após uma pausa, seguiu-se uma sessão focada na utilização de dados e simulações e em inovação, com contributos de especialistas da Oracle Red Bull Racing, NVIDIA, e Start Campus.
Visões do Futuro para Portugal
No entanto, um dos pontos altos do Tech Day foi a apresentação, pela CEO, do relatório “Visões do Futuro”, desenvolvido em parceria com 12 associações empresariais, e que traça prioridades para 12 verticais estratégicos da economia portuguesa. O relatório resultou de um exercício conjunto de análise sobre os desafios e as oportunidades que vão marcar o próximo ciclo de desenvolvimento do país. “O mundo está cada vez mais complexo e especializado”, sublinhou Sofia Tenreiro, ao apresentar as principais conclusões. Entre as recomendações, destacou-se a necessidade de reforçar a atração e retenção de talento e de garantir menos burocracia e maior estabilidade regulatória como condições para “atrair investimento e acelerar a inovação”, considera. A executiva salientou ainda a importância do “lifelong learning” como resposta à velocidade da transformação tecnológica. “Precisamos de atualizar constantemente as nossas competências, porque muitas delas ficam desatualizadas em pouco tempo”, afirmou, lembrando que a vantagem competitiva não dependerá apenas de ser melhor, mas sobretudo de ser mais ágil. “Quem vai vencer esta transformação serão os que mais rapidamente se adaptarem e incorporarem as aprendizagens no dia a dia”, assegurou. No encerramento, Sofia Tenreiro sublinhou a urgência de acelerar a transformação digital. “Temos de ser mais rápidos a adotar tecnologia e a usar dados”, afirmou, acrescentando que a inovação deve ser encarada de forma prática e transversal: “Mesmo em setores onde menos se espera, há espaço para transformar e ganhar eficiência”, considerou. A executiva reforçou ainda que sustentabilidade e inovação caminham lado a lado na estratégia da Siemens. “O nosso objetivo é também ajudar clientes e parceiros a reduzir a sua pegada de carbono e a tornar as suas operações mais resilientes, juntando o melhor do mundo real e do mundo digital”, concluiu.
4.300 colaboradores no país
9 de 11 tecnologias core desenvolvidas em Portugal
80 filiais internacionais apoiadas por Portugal
Indústria europeia deve acelerar integração do digital
Gerhard Kress, vice-presidente do Negócio Digital da Siemens AG, não tem dúvidas de que a digitalização vai ter um impacto enorme na indústria. No Tech Day, afirmou que os temas do digital vão ser cada vez mais relevantes, concretizando que estas tecnologias nos permitem, por exemplo, “desenhar e otimizar produtos antes da produção e transferir esse conhecimento diretamente para a operação real de uma fábrica”. Neste contexto, “a Europa está bem posicionada porque alia competências digitais a uma forte tradição industrial, com enfoque na capacidade de produzir com alta qualidade”, referiu.
Entre as tendências nesta área, destacou três grandes mudanças: a substituição crescente de hardware por software, a adoção de equipamentos software-defined capazes de desempenhar múltiplas funções, e o avanço dos digital twins — réplicas digitais que permitem testar e simular operações em escala, sem necessidade de protótipos físicos. Ou seja, “já é possível otimizar processos, reduzir custos de energia e poupar materiais, de forma muito substancial, apenas com simulações”, afirmou.
Sobre o papel que Portugal pode vir a ter neste cenário de transformação digital da indústria, o responsável mostrou-se otimista: “Estou convencido de que Portugal vai ter uma oportunidade e, se jogar bem, pode liderar parte desta transformação.” Recordou que a Siemens tem em Portugal centros que servem clientes em toda a Europa e equipas que já exportam soluções de inteligência artificial para setores como o ferroviário. “Não é apenas a base industrial que conta, mas o conhecimento e as pessoas capazes de criar soluções relevantes e competitivas”, explicou.
Gerhard Kress sublinhou ainda a importância de não limitar a transformação digital ao desenvolvimento da tecnologia em si, mas de garantir que esta gera valor real para as empresas. “Não basta desenvolver soluções; é preciso capacitar os clientes, mostrar-lhes como utilizá-las da melhor forma e transformá-las em valor”, alertou. Neste processo, destacou o papel das associações empresariais na criação de um ecossistema colaborativo. “A Siemens não acredita em plataformas fechadas. Queremos trabalhar com diversos parceiros e disponibilizar as melhores soluções, venham elas da Siemens ou de outros”, disse.
Para Gerhard Kress, a Europa dispõe de uma janela de oportunidade para liderar a convergência entre o mundo real e o digital, mas terá de agir depressa: “Alguém vai aproveitar este potencial. Ou o fazemos nós, ou outros irão fazê-lo por nós.” A visão da Siemens é clara: usar o digital para melhorar o mundo real — tornando os produtos mais sustentáveis, as fábricas mais ágeis e as operações mais eficientes.
Portugal precisa de “choque de gestão” para crescer
Portugal “tem tudo para ser muito melhor”, afirmou Carlos Moreira da Silva, presidente da Business Roundtable Portugal (BRP), logo no início da sua intervenção no Tech Day. Para o gestor e empresário, é fundamental ultrapassar as dificuldades permanentes que encontramos na nossa cabeça como portugueses e assumir, coletivamente, uma ambição clara: “Portugal precisa de regressar ao top 5 na Europa e, para isso, temos de crescer mais e mais rápido.”
A BRP reúne 40 grandes empresas que representam setores estratégicos da economia nacional e colaborou no relatório “Visões do Futuro”, apresentado pela Siemens. O objetivo da associação, explicou o responsável, é claro: “Acelerar o crescimento económico e social.” Para a BRP, a criação de riqueza é a única forma sustentável de combater a pobreza. “Mais riqueza implica menos pobreza, mais oportunidades e mais inclusão”, recordou Carlos Moreira da Silva.
Neste contexto, deu o exemplo das empresas associadas, que pagam salários médios “duas vezes superiores à média nacional” e que, ano após ano, têm aumentado o peso na economia. Estas empresas, sublinhou, “acreditam que só valorizando as pessoas é que se cria realmente valor sustentável”.
Entre os projetos lançados pela associação para reforçar competências, destaca-se o PROMOV, desenvolvido em parceria com o IEFP, que já apoiou mais de 1.900 desempregados na aquisição de novas qualificações. A ambição é agora alargar o programa aos quadros intermédios das empresas, para que se consiga “fazer a transformação digital com profissionais preparados ao mais alto nível”. Outro exemplo é o programa Metamorfose, focado na sucessão e na estrutura de propriedade das empresas familiares, uma questão considerada por Carlos Moreira da Silva como “um dos fatores de risco para o desenvolvimento empresarial”. A BRP está ainda a identificar 63 empresas nacionais com elevado potencial de crescimento e rentabilidade, desafiando os seus líderes a trabalharem com outros CEO e presidentes como conselheiros externos.
Para Carlos Moreira da Silva, uma das principais fragilidades da economia portuguesa está na reduzida dimensão das empresas e nas deficiências de gestão. “Temos menos de mil grandes empresas e um excesso brutal de microempresas. Precisamos de fazer uma transformação mais rápida do tecido empresarial”, alertou. O responsável recordou ainda um estudo do IMD que situa Portugal numa posição desfavorável neste domínio: “Estamos muito mal nas práticas de gestão. Precisamos de um choque de gestão.” Na sua perspetiva, essa transformação deve assentar na aceleração da digitalização, na valorização de quadros qualificados e na disseminação de boas práticas empresariais. Também a cultura empresarial precisa de evoluir.
A força da inovação nas operações
No Tech Day da Siemens, representantes da EPAL, TEKEVER e Central de Cervejas partilharam experiências sobre como a tecnologia está a transformar operações em setores tão distintos como o abastecimento de água, a defesa e a indústria alimentar.
O painel abriu com o testemunho de Rui Lobo, diretor da TEKEVER, empresa portuguesa que desenvolve sistemas aéreos não tripulados e soluções tecnológicas para defesa e segurança. Num debate em que se falou de Technology to transform the operation, o gestor destacou que a inovação neste setor depende da capacidade de adaptação rápida. Referindo-se à utilização dos seus sistemas na Ucrânia, disse: “Estamos em contacto permanente com os utilizadores no terreno e temos de atualizar os nossos sistemas de forma quase imediata. É a velocidade e a agilidade que fazem a diferença.” Reconheceu, porém, as tensões entre a inovação acelerada e as normas conservadoras da indústria da defesa, sublinhando que “no campo de batalha não há tempo para esperar”.
Na perspetiva da EPAL, Pedro Fontes, assessor do Conselho de Administração, sublinhou que a infraestrutura da empresa foi concebida para um determinado contexto, mas enfrenta hoje pressões novas, como a indústria em Sines e o crescimento do turismo em zonas concentradas. “Temos de adaptar sistemas que foram pensados há décadas a necessidades atuais muito diferentes”, explicou. Parte da resposta, acrescentou, passa pelo investimento em digitalização e eficiência energética: “Estamos a instalar telemetria em larga escala sobre ativos antigos, alguns dos anos 1980, para acrescentar uma camada tecnológica que nos permita reduzir consumos de energia e otimizar a operação.”
Já Pedro Sousa, support functions manager da Central de Cerveja, destacou que a cerveja, apesar de ser uma bebida com mais de cinco mil anos de história, está hoje em profunda transformação. “O consumidor jovem, em especial a geração Z, valoriza opções sem álcool, responsabilidade no consumo e produtos alinhados com a sustentabilidade”, afirmou. A inovação, acrescentou, passa por garantir qualidade e, ao mesmo tempo, adaptar processos e embalagens à economia circular: “Temos como objetivo atingir 44% de embalagens reutilizáveis até 2030, mas isso exigirá novas soluções tecnológicas e logísticas.”
Apesar das diferenças setoriais, os intervenientes convergiram em dois pontos: a necessidade de acelerar a adoção de tecnologia e a importância de manter o foco nas pessoas. “Os sistemas são importantes, mas no fim do dia tudo depende da cultura e das equipas”, sublinhou Rui Lobo. O painel concluiu que a transformação operacional não é apenas uma questão tecnológica, mas um processo que implica visão estratégica, adaptação às mudanças nos padrões de consumo e capacidade de integrar a sustentabilidade como fator competitivo.
Do digital à pista: dados e simulação como vantagem competitiva
Quanto ao painel “From data and simulation to the track”, juntou representantes da Oracle Red Bull Racing, NVIDIA, Start Campus e Siemens Portugal para discutir como a utilização de dados, as simulações e a inteligência artificial estão a transformar setores tão diversos como os centros de dados e a Fórmula 1.
Na sua intervenção a abrir o painel, Robert Dunn, diretor da Start Campus, destacou que a nova geração de centros de dados só pode responder às exigências atuais se garantir máxima fiabilidade e resiliência. O motivo é claro: o treino de modelos de inteligência artificial requer volumes de computação sem precedentes, que põem enorme pressão sobre a infraestrutura. “O arrefecimento da água e a eficiência energética são hoje tão críticos quanto a própria capacidade de processamento”, explicou. A tecnologia torna-se assim essencial para assegurar a continuidade do serviço, reduzir consumos energéticos e viabilizar a escalabilidade futura. O responsável acrescentou que Portugal oferece condições únicas para acolher “fábricas de IA”: abundância de energia renovável, conetividade global assegurada pelos cabos submarinos e estabilidade política.
Por sua vez, Karl-Heinz Schmid, global account manager - Strategic Partner Siemens, NVIDIA, sublinhou a importância da simulação como ponte entre o mundo físico e o digital. “Se construirmos um data center virtual antes do real, podemos reduzir até 20% da sua pegada de carbono. É aqui que a tecnologia da Siemens e a da NVIDIA se complementam: simular para acelerar, reduzir custos e tornar os projetos mais sustentáveis.” O responsável destacou ainda que o futuro passa pelo conceito de physical AI, em que robôs, veículos autónomos e sistemas industriais são primeiro treinados e testados em ambientes virtuais antes de entrarem em operação no terreno.
Na perspetiva de Jack Harington, da Oracle Red Bull Racing, a Fórmula 1 é um exemplo extremo da convergência entre simulação e performance. “Os digital twins são o pão nosso de cada dia. Passámos de um processo físico para um processo quase totalmente digital, porque temos de desenhar e testar milhares de interações em pouco tempo e com custos controlados.” O engenheiro revelou que a equipa realiza mais de oito mil milhões de simulações de cenários de corrida antes de cada Grande Prémio, ajustando estratégias em tempo real. “Quando a diferença entre o primeiro e o segundo lugar pode ser de milésimos de segundo, a eficiência no mundo digital é a chave para vencer”, confessou.
Apesar das diferenças setoriais — infraestruturas críticas, indústria tecnológica ou desporto automóvel —, todos os intervenientes convergiram numa mesma visão. Como Hélio Jesus, da Siemens Portugal, sublinhou, este é o papel da simulação e da inteligência artificial: ligar o físico ao digital para acelerar processos, reduzir custos e aumentar a sustentabilidade. Da fiabilidade energética à competitividade empresarial, passando pela experiência dos fãs de Fórmula 1, estas tecnologias estão a tornar-se os motores invisíveis da transformação.