PSD acusa CFP de ter previsões “completamente desalinhadas”

Nazaré Costa Cabral lembra “diversas insistências” junto das Finanças para obter informação, sem sucesso, e responde que entidade atua “numa base de prudência”. “Não estamos numa competição com o Governo”, diz.
Miguel A. Lopes / Lusa
Maria Caetano e Susana Paula 13:58

O principal partido a sustentar o Governo, o PSD, acusa esta quinta-feira a entidade responsável pela vigilância das contas públicas, o Conselho das Finanças Públicas (CFP), de apresentar previsões económicas e orçamentais “completamente desalinhadas”, expressando “muitas dúvidas sobre a racionalidade e metodologia utilizada” na análise da entidade à proposta de Orçamento do Estado para 2026. Também o parceiro da AD, o CDS-PP, recomenda uma atualização das previsões perante um cenário orçamental no qual a entidade independente mantém uma projeção de défice de 0,6% do PIB para o próximo ano.

As críticas foram lançadas nesta quinta-feira sob a forma de perguntas à presidente do CFP, Nazaré Costa Cabral, ouvida no Parlamento sobre um relatório de análise à proposta de OE 2026 no qual a entidade identifica vários riscos às projeções do Ministério das Finanças de Miranda Sarmento, incluindo desde uma dependência de receitas não recorrentes (vendas de imóveis e encaixe de dividendos) para pagar despesa permanente até à uma possível subestimação da despesa da Saúde, passando ainda pela não contabilização de um possível impacto adicional no saldo orçamental de 1,2 mil milhões de euros de gastos em Defesa. 

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A análise do CFP entende que o cenário orçamental do Governo (com um excedente de 0,1% do PIB previsto) “levanta dúvidas quanto à sua concretização” e junta que a estratégia adotada relembra “práticas que no passado limitaram a transparência e a credibilidade da política orçamental”.

Não estamos numa competição com o Governo. Nazaré Costa Cabral, presidente do CFP

“Para nossa surpresa, as previsões estão completamente desalinhadas com as das restantes entidades”, atirou logo no início a audição o deputado social-democrata Rui Rocha Pereira numa intervenção lida sobre as diferentes previsões para a evolução do PIB e do saldo orçamental. “São previsões muito distantes da realidade, que além de condicionarem toda a análise do CFP colocam-nos muitas dúvidas sobre a racionalidade e metodologia utilizada. Parece que estamos perante um cenário orçamental alternativo”, afirmou, pedindo explicações sobre as projeções da entidade para o PIB nominal, a evolução da receita de impostos, a despesa com consumos intermédios e investimento.

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Já mais tarde, Paulo Núncio, deputado do CDS-PP, considerou “recomendável” uma atualização das previsões do CFP, não sem antes manifestar “um enorme respeito” pela entidade. “Podemos não concordar das previsões do CFP, mas nunca diremos mal do CFP”, disse.

“Não estamos numa competição com o Governo”, assegurou Nazaré Costa Cabral na resposta a este último, ao mesmo temp que procurou explicar detalhadamente aos deputados os pressupostos assumidos na análise da entidade e também renovar os alertas já feitos. 

Desde logo, a responsável do CFP indicou que, apesar do otimismo do cenário macro do Governo, a entidade garantiu endosso inicial às previsões por, após interações com o Ministério as Finanças, ter sido possível ver “uma probabilidade estatística” nas expectativas quanto ao PIB nominal, “aquele que importa para o cenário orçamental”.

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Já quanto às diferenças nas previsões de despesa, a presidente da entidade fez notar “alguma insuficiência na informação” nas rubricas de despesa mais ligadas à Saúde. Desde logo, nos consumos intermédios, com reduções “não devidamente enquadradas pelo histórico do comportamento dessa mesma despesa nos últimos”. O Governo prevê uma subida no agregado de consumo intermédio de 1,15%, após subidas de 6,6% e de 7,5% em 2023 e 2024, respetivamente, sendo que na primeira metade deste ano o aumento ia em 3,9%, contrastou. Mas também nas prestações sociais em espécie, onde entram comparticipações de medicamentos, e para as quais o Governo prevê estabilização, após subidas de 4,5% em 2023, de 10,1% em 2025, e de 5,7% no primeiro semestre deste ano.

O Executivo, recorde-se, prevê um corte de 887 milhões nos gastos da Saúde que permanece por explicar. Nazaré Costa Cabral deu algumas indicações sobre o que poderá estar nos pressupostos do Governo: “Há intenção de proceder a um exercício de revisão da despesa na área da Saúde significativo, ao nível por exemplo da aquisição de tratamentos e dos meios complementares de diagnóstico. Numa informação que nos foi veiculada, há intenção de criar uma unidade para combater a fraude no SNS. O objetivo apontado é de se obter com isso uma poupança de 800 milhões de euros”. 

Se o resultado for de poupanças no SNS, sem perda de qualidade ou até com incremento de qualidade no serviço prestado, isso será positivo. Se tal não acontecer, evidentemente teremos uma perda de qualidade de serviço. Nazaré Costa Cabral, presidente do CFP

“Se o resultado for de poupanças no SNS, sem perda de qualidade ou até com incremento de qualidade no serviço prestado, isso será positivo. Se tal não acontecer, evidentemente teremos uma perda de qualidade de serviço prestado, e isso não será desejável”, afirmou Nazaré Costa Cabral numa resposta a Filipe Neto Brandão, do PS, para quem analisar as contas apresentadas pelo Governo exigirá um “exercício de cartomancia”.

No que toca às previsões de investimento, Nazaré Costa Cabral deu conta de “diversas insistências” para explicar valores. A grande diferença diz respeito às previsões de encaixe do Governo com a venda de património imobiliário de cerca de mil milhões de euros, nas quais o CFP assume apenas “um terço” do valor “numa base de prudência” quanto à capacidade da realização das vendas em 2026.

Na audição, a presidente do CFP foi também questionada – pela deputada Patrícia Gonçalves, do Livre – sobre uma possível “violação do princípio da transparência” nos 1,2 mil milhões de euros que o Governo diz estar a reservar para gastos na Defesa no chamado capítulo 60, uma rubrica que apenas tem impacto no saldo quando a despesa é realizada. 

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Nada obstaria a que se pudesse fazer já a inscrição em contabilidade pública”, informou Nazaré Costa Cabral, explicando que em contas nacionais os gastos só terão impacto no momento da entrega dos equipamentos adquiridos, improvável em 2026. “Foi uma opção do Governo”, limitou-se a concluir.

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