Máfia italiana torna-se influencer das redes sociais

As redes criminosas que operam no sul de Itália estão a migrar para as plataformas digitais numa tentativa de divulgar uma mensagem e fortalecer a sua marca.
Utilizador acede ao Facebook no telemóvel
Vicente Lourenço 04 de Janeiro de 2021 às 13:43

A máfia italiana está a recorrer às redes sociais para fortalecer a sua marca. A página de Facebook "Onore e Dignità" (Honra e Dignidade em português) é um exemplo disso.

À primeira vista parece uma página focada em partilhar mensagens motivacionais com os seus mais de 18 mil seguidores. O conteúdo consiste numa mistura entre imagens de rosas e corações, citações do escritor Paulo Coelho e algumas tiradas com sabedoria de gangsters (um dos "posts" exibe uma imagem com largas somas de dinheiro acompanhada pela frase "quando isto está envolvido, não se pode confiar em ninguém").

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O responsável pelo conteúdo é Vincenzo Torcasio. O chefe de um dos clã da infame 'Ndrangheta, uma das redes mafiosas mais conhecidas de Itália, passou cinco anos a construir a presença digital da organização na plataforma social. 

A página de Facebook não faz nenhuma referência direta a atividades criminosas. Em vez disso, alerta para os riscos de se ser traído por pessoas próximas, para a necessidade de ter "sangue frio" e demonstrar respeito pelos grandes chefes de organizações mafiosas como o célebre Raffaele Cutolo, que liderou a Camorra napolitana.

Ao Financial Times, Anna Sergi, criminologista na Universidade de Essex no Reino Unido, observa que o uso de redes sociais por parte da máfia italiana é uma tentativa de promover e defender valores culturais.

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"Nem sempre a identidade mafiana é a mesma que a das atividades da organização", destaca. "Para quem pertence aos clãs, [a máfia] é muita vezes um estilo de vida a que está associado um sentimento de pertença (...). Para essas pessoas, é natural que se defendam valores numa altura em que são atacados pelo Estado".

Por sua vez, Federico Varese, especialista em crime organizado na Universidade de Oxford, salienta que a "máfia esteve sempre envolvida no negócio de construção de uma marca" e que apesar do "meio ter mudado" os "objetivos continuam a ser os mesmos".

"Marcas criminosas fortes permitem reduzir o uso de violência", explica. "Se me pedir dinheiro emprestado e souber que faço parte da máfia, saberá que eu sou uma pessoa séria. Esta reputação permite-me evitar violência, o que poderia atrair atenções. A construção da marca é pois um investimento racional".

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A prisão de Vincenzo Torcasio em 2017 levou a que não voltasse a ser publicado conteúdo na página "Onore e Dignità". Ainda assim, a página continua online.

Existem outros exemplos da expansão da máfia italiana para as plataformas digitais. No ano passado, numa estratégia que visava apelar à população mais jovem, um grupo de adolescentes, alguns dos quais com ligações a famílias criminosas da 'Ndrangheta, publicaram um vídeo de uma canção de rap no Youtube. O vídeo foi filmado em Calábria (a região mais pobre de Itália) e já teve mais de 267 mil visualizações.

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