Trump associa paracetamol ao autismo. Ações da produtora do Tylenol recuperam 6% após queda
O popular analgésico Tylenol, à base de paracetamol, foi colocado no centro de uma polémica política e científica depois do Presidente dos EUA, Donald Trump, ter associado o seu uso na gravidez ao risco de autismo, provocando uma forte queda das ações da Kenvue, fabricante do medicamento.
Segundo a Reuters, as ações da farmacêutica chegaram a afundar para mínimos históricos na segunda-feira, com uma queda de 7,47%. No entanto, esta terça-feira já recuperaram mais de 6% na bolsa de Frankfurt e, nos EUA, antes da abertura do mercado, estão a negociar com ganhos de 5%, para os 17,82 dólares por ação. Um movimento de correção que, ainda assim, não compensa a perda acumulada de mais de 20% desde o início do ano.
PUB
Na conferência de imprensa em que lançou a polémica, Trump afirmou que “tomar Tylenol não é bom” durante a gravidez, defendendo que as grávidas devem evitar o medicamento, salvo em situações de febre extrema. O presidente acrescentou que a Food and Drug Administration (FDA) vai iniciar o processo de atualização dos rótulos do paracetamol para alertar para eventuais riscos de distúrbios neurológicos, incluindo autismo e défice de atenção, informou a CNBC.
A decisão foi acompanhada pelo secretário da saúde, Robert F. Kennedy Jr., que anunciou uma campanha nacional para alertar médicos e pacientes e recomendou que o fármaco seja usado “na menor dose e pelo menor tempo possível”. Durante o mesmo evento, Trump declarou várias vezes que “não há desvantagem” em evitar o Tylenol na gravidez e admitiu que não estava a basear-se em informações médicas formais mas sim na sua convicção pessoal, destacou a CNBC.
As declarações foram rejeitadas por especialistas e médicos. Segundo a Reuters, analistas do Citi consideram que não existem novos elementos científicos que sustentem os alertas e que, apesar de algum impacto no consumo devido às manchetes, não se antevê um risco judicial relevante para a Kenvue. A própria farmacêutica reiterou, em comunicado, que acredita “na ciência independente e sólida” que demonstra que o paracetamol não causa autismo, acrescentando estar “profundamente preocupada” com os riscos que tais mensagens podem representar para a saúde materna, já que febres ou dores não tratadas durante a gravidez também acarretam complicações para a gestante e o bebé.
PUB
De acordo com a Fast Company, a discussão ganhou força após uma notícia do The Wall Street Journal sobre um relatório em preparação no Departamento de Saúde que poderá estabelecer ligações entre o uso de paracetamol na gravidez e o aumento de diagnósticos de autismo. O organismo, no entanto, classificou como “especulação” qualquer referência a conclusões antecipadas, garantindo que a investigação em curso assenta em “ciência de referência”.
Do lado científico, os resultados continuam a ser contraditórios. Uma revisão de 46 estudos feita por vários investigadores, citada pela CNBC e pelo Washington Post, apontou para uma associação mais forte em casos de uso prolongado do medicamento, embora sublinhasse que era necessária mais investigação. Já um estudo publicado em 2024 no Journal of the American Medical Association, o maior sobre o tema até à adata, analisando os registos de 2,5 milhões de crianças na Suécia, concluiu que não existe relação entre o uso de paracetamol durante a gravidez e o desenvolvimento de autismo, défice de atenção ou deficiência intelectual.
PUB
O debate surge num contexto em que os diagnósticos de autismo têm aumentado significativamente nos Estados Unidos. Segundo dados dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), cerca de uma em cada 36 crianças norte-americanas foi identificada com perturbação do espetro do autismo em 2023, face a uma em 150 no início dos anos 2000. Especialistas sublinham, contudo, que esta subida não significa necessariamente mais casos, mas reflete também o alargamento dos critérios clínicos de diagnóstico e uma maior consciencialização da sociedade e dos médicos, o que levou a identificar um espectro mais amplo da condição.
A FDA, por seu lado, afirmou que atualizará os rótulos de Tylenol e genéricos para refletir “evidências de uma possível ligação” entre o fármaco e perturbações neurológicas mas sublinhou, segundo a Reuters, que não há qualquer relação causal estabelecida. O American College of Obstetricians and Gynecologists mantém igualmente a recomendação de que o paracetamol é seguro quando tomado nas doses adequadas e sob aconselhamento médico.
PUB
O tema acabou ainda por se cruzar com outros anúncios: no mesmo dia, a FDA aprovou o uso da leucovorina, um derivado do ácido fólico, em casos específicos de autismo, medida que poderá abrir caminho a novos tratamentos cobertos por programas públicos de saúde, relatou a CNBC.
Apesar da recuperação parcial, o episódio deixou marcas na perceção dos investidores. As ações da Kenvue seguem pressionadas pela incerteza regulatória e pelo risco reputacional, num contexto em que o debate político e mediático pode ter impacto real no consumo do Tylenol, um dos produtos mais importantes do portefólio da empresa, representando cerca de 40% das receitas.
Saber mais sobre...
Saber mais Produtos de saúde e beleza Fármacos Tratamento de saúde Estabelecimento de saúde Donald Trump Kenvue Food and Drug Administration CNBC Estados Unidos American Medical Association Centro de Controle e Prevenção de Doenças The Wall Street Journal Frankfurt am Main SuéciaMais lidas
O Negócios recomenda