Há latas em Lisboa que não são lixo, mas câmaras fotográficas
Uma lata de refrigerante perfeitamente cilíndrica, prateada e sem rótulo, tem, num miradouro de Lisboa, um propósito que não é o de fazer lixo, mas sim tirar uma foto que registe o sol, durante seis meses.
A experiência tem o nome de 'Time in a Can' ('Tempo numa Lata') e deve resultar numa exposição das fotos captadas através de solarigrafia: uma variação da fotografia estenopeica que regista o movimento do sol na abóboda celeste.
Por palavras mais simples, é uma técnica que recua aos primórdios da fotografia ('camera obscura'), quando se usavam recipientes opacos com um orifício apenas num dos lados.
No equinócio do verão, a 21 de junho, foram colocadas 50 latas, com um furo microscópico, em Lisboa e em Cascais, que vão ser recolhidas a 21 de dezembro, no equinócio de inverno.
A experiência até se pode fazer em casa, mas provavelmente não terá o mesmo efeito, avisa o fotógrafo Ricardo Coutinho, ao explicar que se usa uma broca especial para o furo ficar com um diâmetro de 0,01 milímetros. "Mas poderia sair algo interessante", admite à Lusa.
Quase obrigatória é a colocação da lata num local com muita luz, preferencialmente com uma paisagem agradável, virada para sul.
O uso de uma lata é considerado perfeito pelo fotógrafo, que enumera as características de "resistência, impermeabilidade e reutilização".
Neste caso, após seis meses, a lata é aberta como se fosse uma câmara fotográfica tradicional, num ambiente com escuridão.
A patrocinar o projeto está a Associação de Latas de Bebidas (ALB), depois de os seus responsáveis terem percebido que, por todo o mundo, se 'fotografava' com latas, relata Miguel Aballe, diretor deste organismo.
À experiência de fotografar com latas usadas de que ouviu falar, a ALB contrapôs a utilização de latas perfeitamente cilíndricas, retiradas das linhas de um fabricante, com "precisão técnica", para que todos os entusiastas tivessem à disposição o mesmo material. A colaboração resultou no ano passado numa exposição em Madrid (Espanha).
Este ano, além de Portugal, foram colocadas latas, por exemplo, no planetário de Pamplona, em Navarra, em Valência e na Catalunha.
A solagrafia foi iniciada pelo belga Dominique Stroobant, nos anos 80 do século passado, para registar o movimento do sol.
Cada lata tem a sua história - ao ser testemunha de eventos, com o registo do movimento do sol, dá informações acerca do clima e das mudanças paisagísticas que podem ocorrer em determinado local.
Em Portugal, já houve outros projetos literalmente com lata em Lisboa, Coimbra ou Barreiro, em 2012.
Deodoro Valle, consultor externo da ALB, comenta que o envolvimento da associação era "mandatário" e nem "havia outro remédio", já que representa os fabricantes da Península Ibérica.
O responsável, um "amador das fotos", admite que o sistema da lata torna tudo mais fácil. Miguel Aballe confirma, apontando a maior vantagem deste projeto: "não é necessário ser um génio da fotografia".
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