As estatísticas são conhecidas e reveladoras de uma situação persistentemente discriminatória: apesar de igualarem os homens em nível de instrução e de força laboral, as mulheres ganham menos e têm maior dificuldade em ascender aos cargos de topo. O problema não é estritamente português mas é tipicamente mais português, já que, por cá, os indicadores de desigualdade gritam mais alto: na administração das empresas do PSI-20, só 9% dos lugares são ocupados por mulheres; entre os reguladores, só cinco em 21 são mulheres; e no sector privado, para funções iguais, a remuneração é 21% mais baixa, com a discriminação a aumentar à medida que a qualificação sobe. Será que "as mulheres têm estilos de gestão diferentes - e menos eficazes - do que os homens?", é, por isso, uma pergunta que tem ocupado muitos investigadores, mas que não tem produzido resposta conclusiva.
Nelson Ramalho, doutorado em psicologia social e organizacional, chama a atenção para duas leituras de sinal contrário que vêm sendo feitas, e que, em sua opinião, são igualmente enganadoras. Por um lado, o estereótipo que diz que as mulheres não têm o que é preciso para serem boas líderes. Assertividade, autoridade, controlo emocional são "boas" características de liderança, e encontram-se nos homens. Por outro lado, e para contrariar a discriminação, "começa a haver pressão social no sentido de reconhecer na mulher um estilo de liderança que venha colmatar os erros do homem". É nesta última categoria que o professor do ISCTE inclui as teses que defendem que, se houvesse mais mulheres a mandar no sector financeiro, o sistema não tinha implodido: "Não se pode dizer tal coisa. O desempenho das mulheres depende da socialização de que foram alvo, e se ela tiver sido exactamente igual à que levou os homens a tomar o risco, não faz diferença nenhuma. O problema está nos valores veiculados, e aí encontramos uma amplitude muito grande dentro de cada sexo".
Patrícia Palma, coordenadora da Escola de Liderança e Inovação do ISCSP, concorda que não se podem colocar as diferenças em termos de sexo, mas considera que "se tivessem sido adoptadas lideranças mais femininas que actuassem em contraponto à lideranças masculinas, de certeza que não teria havido tantas decisões imprudentes". E aqui introduz uma diferença subtil mas significativa para quem investiga estas matérias: uma coisa são as distinções baseadas no sexo (homem/mulher) outra as baseadas no género (feminino/masculino). Enquanto as primeiros assentam em diferenças biológicas, as segundas ilustram papéis sociais e psicológicos.
Na prática, isto diz-nos que há características classificadas como tipicamente masculinas (centralização, racionalidade, competitividade) e femininas (empatia, delegação de poder) que podem ser encontradas em homens e em mulheres - isto é, "podemos ter homens que são líderes femininos e mulheres masculinos". Se até agora temos visto mais mulheres a adoptar estilos masculinos do que ao contrário é porque estes são os estilos prevalecentes. "Portugal é um país com grande distanciamento hierárquico, temos uma matriz cultural muito formal e paternal, com baixo nível de autonomia, e nesse sentido o estilo de gestão masculino é mais premiado", sustenta a professora universitária.
Nelson Ramalho acompanhou uma investigação recente no ISCTE que é ilustrativa. A partir do teste a quatro competências essenciais para uma boa liderança (perspicácia social, as capacidades de influenciar e estabelecer networking e o aparentar ser sincero), concluiu-se que não há diferença na distribuição destas características entre homens e mulheres. Contudo, quando se comparam as características com o género (as tais representações sociais do feminino e do masculino) registam-se diferenças em todas. Mais: quanto maior a presença das características dos dois géneros, maior é o nível de competências - ou seja, melhor o líder.
Se até aqui os papéis masculinos têm sido vistos como mais eficazes, no futuro, a tendência é para que as diferenças se esbatam, acredita Patrícia Palma. "De há dois, três anos para cá a investigação diz que a crise impõe novos modelos de organização que coloquem o cliente no centro da relação - e aí características como a capacidade de comunicação e a empatia começam a predominar". Nelson Ramalho concorda: "Há características que remetem para que alguns traços mais femininos ajudem a responder a necessidades do futuro: comunicação, integração, construção de redes, vão mais ao encontro das interdependências que estão a ser criadas". Uma vez mais: traços mais femininos não são necessariamente atribuíveis a mulheres.
Mas, se não se podem imputar diferenças significativas de gestão a mulheres e homens, porquê tanta ênfase na necessidade de as mulheres ocuparem mais cargos de topo? "Por uma questão de igualdade" responde Nelson Ramalho. "E não é nada pouco".
9% Mulheres Nos conselhos de administração das empresas do PSI-20, há 9% de mulheres (2014). Pior que Portugal só Malta, Grécia, Hungria e Chipre. |
22% Lugares A administração nas empresas públicas tem 22% de mulheres. 10,8% estão na presidência. A situação não é famosa, mas as empresas do Estado comparam melhor. |
5 Mulheres Há cinco mulheres entre os 21 administradores de cinco reguladores: CMVM, Banco de Portugal, Autoridade dos Seguros, ERSE e Anacom. "Presidentas" só há uma. |
-21% De remuneração No privado, para as mesmas áreas funcionais, as mulheres ganham em média menos 21% do que os homens. O estudo compara 84 dos 99 ramos de actividade. |
-29% Nos quadros altos Quanto maior a qualificação maior a diferença salarial, ou seja, a discriminação é maior entre os quadros superiores: em média, as mulheres ganham menos 29%. |
2.100 Milhões de dólares É o crescimento potencial das economias da Europa Ocidental, em 2025, caso se alcance até lá a igualdade de género, segundo contas da consultora McKinsey. |
Mulheres
Lugares
Mulheres
De remuneração
Nos quadros altos
Milhões de dólares
A mudança lenta que está em curso
Reguladores: alternância e quotas
A lei das entidades reguladoras determina a alternância de género na presidência dos reguladores e uma quota de 33% dos lugares para o sexo sub-representado (neste caso, as mulheres). Isto significa que os próximos presidentes da CMVM, ERSE e ISP deverão ser mulheres e que os conselhos de administração deverão ser mais diversos do ponto de vista do género. O Banco de Portugal tem um estatuto à parte, não está abrangido por estas regras (e tem regredido nesta matéria).
Sector público: planos de igualdade
As empresas do sector empresarial do Estado estão obrigadas a preparar periodicamente planos de igualdade.
Cotadas: 30% de mulheres é aspiração
No sector privado, há tentativas de persuasão. Teresa Morais, ex-secretária de Estado da Igualdade, que durante o seu mandato desafiou os gestores (e chegou a classificar a nossa classe empresarial de "profundamente retrógrada") sensibilizou as empresas cotadas para que, até ao final de 2018, tenham pelo menos 30% de mulheres nos conselhos de administração. Na Alemanha, a regra será obrigatória a partir de 2016.
Sector financeiro: fixar objectivos
Para o sector financeiro, o regime geral das instituições de crédito passou a prever, de 2014 em diante, que a política interna de selecção e avaliação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização deve fixar objectivos para a representação de homens e mulheres e conceber uma política destinada a aumentar o número de pessoas do género sub-representado.