João Valadas Coriel 29 de Novembro de 2018 às 10:45

Alojamento local, arrendamento, meias-verdades e meias-mentiras

Se queremos verdadeiramente ver mais casas no arrendamento e em consequência ver baixar os preços absurdos hoje praticados, é preciso dar incentivos reais aos proprietários.

A Câmara de Lisboa acaba de suspender a atribuição de licenças de alojamento local em cinco bairros, por constatação que mais de 25% dos imóveis habitacionais estão agora afectos a esse fim. A medida parece óbvia face à rarificação de casas para habitação e visará nas anunciadas boas intenções preservar o arrendamento tradicional. Os infernos vários como o da política estão cheios de boas intenções e esta arrisca-se a somar às outras.

A que se deve a explosão do alojamento local? Desde logo responde a uma necessidade; possibilita viajar àqueles que casam mal com a oferta hoteleira tradicional; jovens ou famílias com três ou quatro filhos que não podem pagar dois ou três quartos de hotel por noite.

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Os primeiros empresários a lançar-se neste segmento procuraram as casas que estavam há anos ao abandono, muitas vezes por não estarem adaptadas às exigências da vida moderna; um terceiro andar sem elevador e sem estacionamento na Mouraria pode ser charmoso para quem vem passar uns dias a Lisboa, mas dificilmente serve a uma família para habitação permanente.

Entra o Estado "nanny" na equação; num primeiro momento atrai esses "airbnb" que estavam no limbo para a legalidade, oferecendo regras mínimas e uma tributação máxima de cerca de 7% no regime simplificado.

Agora que as Finanças já controlam o sector, ainda assim o imposto máximo, no regime simplificado, não ultrapassa grosso modo 16% para particulares e 7% para empresas. É aqui que está um dos nós górdios da equação; no arrendamento a tributação é de 28% e no alojamento local é cerca de metade (ou menos).

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Pessoas avisadas diriam que a solução passaria por baixar o imposto sobre o arrendamento para incentivar positivamente a entrada no mercado de casas devolutas ou a afetação de outras ao arrendamento em vez do alojamento local, mas receio que o preconceito ideológico nunca deixe uma solução destas avançar.

O segundo nó górdio são as alterações sucessivas de quadro legislativo que espantam os proprietários que se aventuram no arrendamento. O turista paga à cabeça, não há rendas em atraso nem despejos que demoram meses e a casa está sempre disponível para outro fim. Do lado do arrendamento as promessas (do Estado!) quebradas sucedem-se; a mais grave das quais terá sido que o subsídio de renda que o Estado daria aos idosos no fim da transição dos contratos para o NNRAU foi metida na gaveta.

Optou-se por serem os proprietários ricos, remediados e pobres a fazer assistência social. Finalmente a "roblização"; chegámos novamente ao ponto de rebuçado do mercado em que cada dondoca e cada vendedor de automóveis se transmutaram em mediadores imobiliários. Com taxas de juro a zero, quem tem alguma liquidez prefere investir em tijolos à aventura perigosa de criar uma empresa.

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A verdade é que o incentivo fiscal ao alojamento local permitiu reabilitar os tais 25% a 35% do parque habitacional dos centros históricos de Lisboa e Porto que de outro modo continuariam degradados por mais algumas décadas.

Se queremos verdadeiramente ver mais casas no arrendamento e em consequência ver baixar os preços absurdos hoje praticados, é preciso dar incentivos reais aos proprietários, como a baixa do imposto para o nível do alojamento local e subsidiação pelo Estado a quem não consegue pagar as rendas, estendendo aos mais idosos a proteção que já é dada aos novos através do Porta 65. A perda transitória de receita fiscal será largamente compensada com mais contratos para tributar e sobretudo com maior coesão social.

Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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