As entidades sem fins lucrativos e a declaração modelo 22
Desde o ano passado que as entidades sem fins lucrativos passaram, de forma generalizada, a ficar obrigadas à entrega da declaração modelo 22. Todavia, constata-se que ainda persistem muitas dúvidas sobre a forma de cumprir esta obrigação declarativa, sobretudo porque falha a perceção da forma como se apura o rendimento global com vista à eventual tributação em IRC, e ainda devido às dificuldades no correto enquadramento em relação aos diversos tipos de rendimento obtido.
No caso de estarmos efetivamente perante uma entidade sem finalidade lucrativa, e que por isso não exerce a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, qual a melhor metodologia de trabalho para poder preencher corretamente a declaração modelo 22?
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Em primeiro lugar, deve o técnico oficial de contas elencar todos os rendimentos obtidos pela entidade durante o período de tributação considerado, quer estes sejam decorrentes da sua atividade principal, quer resultem de atividades acessórias, quer sejam rendimentos habituais, ou tenham caráter fortuito, e claro, independentemente do respetivo valor.
O segundo passo é qualificar os rendimentos, ou seja, identificá-los atendendo à sua natureza: rendimentos de capitais, rendimentos prediais, incrementos patrimoniais (onde se incluem as mais-valias) e rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, que incluem os que decorrem de prestações de serviços. A razão desta qualificação reside na forma específica de apuramento da base do imposto, em IRC, que é o rendimento global, correspondendo este à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.
Mas nem todos os rendimentos obtidos por entidades que não exercem a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola ficam sujeitos a tributação em IRC.
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Desde logo, são retirados do âmbito da incidência (trata-se de uma não sujeição) as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem como os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários. E são considerados isentos os rendimentos referentes a incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito destinados à direta e imediata realização dos fins estatutários, como é o caso dos donativos obtidos no âmbito do mecenato e demais doações. Estas duas normas que preveem, respetivamente, dois casos de não sujeição e uma isenção, aplicam-se, transversalmente, a todas a entidades que não tenham finalidade lucrativa.
Isenções a entidades sem fins lucrativos
Quer o Código do IRC quer o Estatuto dos Benefícios Fiscais contemplam ainda disposições que asseguram algumas isenções a determinados tipos de entidades sem finalidade lucrativa. É o caso do art.º 10.º do Código do IRC (CIRC), que contempla isenções para instituições particulares de solidariedade social e para entidades que tenham utilidade pública. Só para citar ainda os casos mais comuns de isenção, também a prevista no art.º 11.º do CIRC que abrange as associações legalmente constituídas para o exercício de atividades culturais, recreativas e desportivas e o "complemento" deste artigo, o art.º 54.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
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Relativamente a cada norma que preveja a isenção haverá que apurar as condições que determinam a aplicação dessa isenção e os rendimentos por ela abrangidos.
Não esquecer que a entidade sem fins lucrativos para obter cada um dos rendimentos elencados terá incorrido em gastos. Por isso, quando excluímos determinado rendimento da tributação em IRC, por via de uma não sujeição ou de uma isenção, estamos a afastar não só o rendimento bruto mas também os gastos necessários para a sua obtenção.
Quando é preenchido o anexo D da modelo 22 o valor a inscrever nos campos específicos para identificar a isenção aplicável será o rendimento líquido dos gastos incorridos. Por isso, quando os gastos superam o rendimento isento, ou seja, resultando um "prejuízo" não há relevação no anexo D.
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Nunca é demais lembrar que o referido anexo D da modelo 22 destina-se unicamente a mencionar os rendimentos abrangidos por isenções, não contemplando os rendimentos que sejam considerados, face às normas do IRC, como não sujeitos.
Rendimentos sujeitos e não isentos de IRC
Depois de identificados os rendimentos não sujeitos e ainda aqueles que ficam abrangidos pelas normas de isenção aplicáveis, restarão os rendimentos sujeitos e não isentos de IRC. Serão estes que serão tributados depois de deduzidos os gastos suportados para os obter. A taxa aplicável é de 21,5 por cento.
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Em IRC, para as entidades que não exercem a título principal atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, os rendimentos são divididos consoante as categorias de IRS. Também se irá recorrer às regras aplicáveis a cada categoria de IRS para identificar os gastos que podem ser deduzidos a cada tipo rendimento. Por exemplo, tratando-se de um rendimento decorrente de um rendimento predial podem deduzir-se as despesas de manutenção e conservação e imposto municipal sobre imóveis (IMI) que recaíram sobre o imóvel arrendado.
A melhor forma de evitar esquecimentos ou erros na consideração dos gastos a deduzir a cada uma das tipologias de rendimentos obtidos sujeitos e não isentos de IRC é preencher previamente o anexo D da IES. Aliás, seguindo as instruções deste anexo facilmente se apura a matéria coletável que depois será inscrita no quadro 09 da modelo 22, na coluna «Regime geral.»
Apurados e somados os rendimentos líquidos das várias categorias determinados nos termos do IRS, adicionando os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito (quando não destinados à direta e imediata realização dos fins estatutários), para obtermos a matéria coletável, só falta imputar gastos comprovadamente indispensáveis à obtenção dos rendimentos que não tenham sido considerados na determinação do rendimento global (incluindo uma parcela de eventuais gastos comuns às diversas atividades tributadas e não tributadas) e os benefícios fiscais aplicáveis aos rendimentos tributados e que operem por dedução a tal rendimento.
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A finalizar, deve ser aferido se estão reunidas as condições para se aplicar tributação autónoma sobre alguns dos encargos suportados pela entidade.
Seguindo estas linhas de orientação, a par com a conceção de sistemas de informação adaptados às especificidades aqui elencadas, sobretudo no caso de entidades de maior dimensão, cremos que podem ser ultrapassadas várias das dificuldades e dúvidas relativas ao preenchimento da modelo 22 e do seu anexo D.
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comunicacao@otoc.pt
Artigo redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico
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